05/05/2015

Evangelho, comentário, L. espiritual (A beleza de ser cristão)


Semana V da Páscoa

Evangelho: Jo 14 27-31

27 «Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se assuste. 28 Ouvistes que Eu vos disse: Vou e voltarei a vós. Se vós Me amásseis, certamente vos alegraríeis de Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis. 30 Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo. Ele não pode nada contra Mim, 31 mas é preciso que o mundo conheça que amo o Pai e que faço como Ele Me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

Comentário:

«Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo.»
Jesus Cristo fala claramente do demónio que está à espera do que será o seu derradeiro acto como “dominador” do mundo de então: a Morte do Senhor.

Será um engano porque, de facto, não é o seu poder que dá a morte ao Senhor mas a vontade soberana de Cristo que a escolhe.

Mas, claro, os homens que servirão de instrumentos ao demónio para esse derradeiro sacrifício redentor, agem realmente sob o seu “império”.

Depois disso, o poder do “príncipe deste mundo” fica absolutamente reduzido e não pode mais que tentar dominar a vontade dos homens no sentido de fazerem o que vai contra a Vontade de Deus.

Sim, é verdade, tem esse poder, mas, o Senhor, também deu aos homens os meios para o vencer e não permitirá que faça coisa alguma que vá contra a livre escolha dos Seus amigos.

(ama, comentário sobre Jo 14, 27-31, 2014.05.20)


Leitura espiritual

a beleza de ser cristão

PRIMEIRA PARTE



X – A santificação

…/21

Só Ele, Deus feito homem, pode realizar semelhante ousadia, que tampouco cabe na imaginação de nenhum ser humano.
Teria servido de muito pouco, para este fim, simplesmente deixar memória escrita dos factos acontecidos durante a sua estada na terra.
Tampouco teria sido adequado continuar actuando até ao fim dos tempos da forma que viveu sobre a terra entre a Ressurreição e a Ascensão.
A Realidade da sua Encarnação e da sua Presença logo acabariam confundidas com a nebulosidade que se origina à volta de um fantasma, de um ser irreal, sem morada nem no céu nem na terra.
Cristo estabeleceu os sacramentos e instituiu a Eucaristia, para que cada homem pudesse receber o enxerto da Sua própria vida; para que cada homem pudesse viver enxertado na natureza divina. «Deus fez-se homem para que o homem se fizesse Deus”, ousa dizer Santo Atanásio com visão certeira.
E, desta forma, Cristo une-se a cada ser humano, homem e mulher; e cada ser humano «endeusa-se”: «Porque o Deus que nos inspira a ser humildes é o mesmo que transformará o corpo da nossa humildade e o fará conforme o seu glorioso, com a mesma virtude eficaz com que também pode sujeitar ao seu império todas as coisas.[i] Nosso Senhor faz-nos seus, endeusa-nos com o seu endeusamento bom[ii].
Nós não podemos imitar plenamente Cristo nem chegar a umaidentificação pessoal com Ele; todavia, tal não é obstáculo para que vivamos com Ele, para que Ele viva em nós e para que cheguemos a amar Deus Pai e os nossos irmãos os homens, com o coração de Cristo.
O desejo de Jesus Cristo de recapitular nele toda a criação, o homem, movido pela caridade, corresponde, amando com o no próprio coração de Cristo, aa Deus, aos homens e a toda a criação que também «o firmamento anuncia a glória das obras de Deus”; realizando á letra na Fé, e no espírito de Esperança, as palavras de São João: «O que não tem caridade não conhece Deus porque Deus é caridade. Nisto se manifestou o amor de Deus por nós: que enviou o seu Filho Unigénito ao mundo, para que por ele recebamos a vida.
E nisto está o amor: Em que não somos nós quem amou a Deus, mas sim que ele próprio nos amou a nós e enviou o seu próprio Filho, como sacrifício expiatório pelos nossos pecados”.[iii]
Cada ser humano, cada homem, varão ou mulher, é, de certo modo, toda a criação, que não só espera a «manifestação dos filhos de Deus”,[iv] mas também, com o seu viver em caridade, a provoca, torna possível essa manifestação, ao dar-lhe um canal por onde pode transcorrer a luz de Cristo e tornar-se patente no mundo, a Verdade, a Vida de Cristo.
Henri de Lubac expressa-o assim: «O cristianismo nunca terá eficácia nem existência real nem fará conquistas reais a não ser por força do próprio espírito dele, pela força da caridade[v].
«Já não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim. E, ainda que no presente vivo na carne, vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”,[vi] diz São Paulo e, com ele, todos os cristãos que estão enxertados em Cristo e na Igreja, pela graça dos sacramentos.
Cristo continua vivendo na terra, continua a participar na história dos homens e o fará até ao fim do mundo, até que o céu tenha visto cumprido o número dos seus eleitos.
Na segunda parte analisaremos com mais detalhe as acções que o cristão deve realizar para ir crescendo paulatinamente nestas virtudes: Fé, Esperança e Caridade, que se denominam teologais porque provêm de Deus, são sustentadas por Deus na alma e conduzem o homem a Deus.
Têm Deus como origem, como objecto e como fim.
Agora concluímos este capítulo com uma breve consideração acerca da actuação conjunta destas três virtudes e das relações entre elas, na tarefa de ir engendrando em cada baptizado a «nova criatura em Cristo” e desenvolvendo a riqueza humana natural, humana espiritual, humana-sobrenatural que transporta.
Como virtudes teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade criam no homem uns hábitos de fazer o bem, procurando Deus em todas as coisas.
«Entender para crer»; «Crer para entender, estas duas afirmações de Santo Agostinho expressam bem a acção da Graça nas potências do homem.
Podemos também acrescentar: «Entender para esperar»; «Esperar para entender»; «Entender para amar»; «Amar para entender»: «Esperar para entender»; «Amar para entender e para esperar», e ficarão mais claras a extensão e o influxo da «participação da natureza divina», na nossa natureza humana em correspondência com a inspiração divina.
Na fé apresenta-se-nos a realidade de Deus, que está mais para além de todo o conhecimento natural, e não só da inteligência do homem, mas também da dos anjos; e, à luz de Deus, a mente humana abre-se à compreensão mais profunda da verdade dos seres, da verdade da criação.
A esperança é o anseio tenso e confiado na eterna bem-aventurança da participação completa e intuitiva na vida trinitária de Deus.
A esperança tem sede da vida eterna, que é o próprio Deus, à Qual espera chegar guiada pela própria mão de Deus.
A caridade vincula-se ao Sumo Bem, revelado num modo confuso na fé.
No Coração de Cristo, o nosso coração abre-se a um amor sem limites a Deus e aos homens.
Só em Cristo, o homem alcança verdadeiramente a ciência da caridade, a ciência do amor.
A relação mútua da fé, da esperança e da caridade pode resumir-se assim:
_ A fé, a esperança e a caridade infundem-se na natureza humana – na inteligência, na memória, na vontade – as três no mesmo instante e simultaneamente com a realidade da graça - «participação na natureza divina» -, único fundamento entitativo de toda a vida cristã.
_ Em ordem à formação actual da nova criatura e da sua vida cristã, a fé é anterior à esperança e à caridade e a esperança é anterior à caridade,
E, pelo contrário, na desordem culpável da dissolução perde-se, primeiro, a caridade, depois, a esperança e, por último, a fé.
_ Na hierarquia da perfeição, a caridade tem o primeiro lugar, a fé o ultimo e a esperança, o lugar intermédio, porque sem esperança é impossível a caridade.
Deste modo, num movimento que podíamos chamar circular, a fá, a esperança e a caridade confluem em si mesmas.
A fé abre o horizonte da esperança e alimenta a caridade.
 Quem é levado à esperança pela caridade tem uma esperança mais perfeita; e crê, ao mesmo tempo, mais firmemente.
A caridade sustém a debilidade e a obscuridade da fé e dá asas à esperança, na renovada confiança amorosa do Ser Amado, de Deus.
Podemos dizer brevemente que a vida cristã – com Cristo, em Cristo – no homem tem um único manancial que a alimenta: a Graça. Manancial que o homem tem a missão de manter sempre fluente, convertendo-se todos os dias a Deus, com a oração, e desenterrando as raízes do pecado, com a Reconciliação.
Assim, a Graça vivifica o «Eu” do homem e, na liberdade humana, consegue fecundar até aos últimos resquícios do espírito humano: na Fé, na Esperança e na Caridade.
E logicamente, o cristão também expressará esta acção da Graça vivendo as conhecidas virtudes cardeais – prudência, justiça, fortaleza, temperança -, as quais trataremos na Segunda Parte.

(cont)

ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)





[i] Flp, 3, 21
[ii] são josemaria escrivá, Amigos de Dios, n. 98.
[iii] 1 Jo 5, 9-10
[iv] Rm 8, 19
[v] henri de lubac, El drama del humanismo ateo, Encuentro, 2ª ed., p. 92.
[vi] Gal 2, 20

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