DE MAGISTRO
(DO MESTRE)
CAPÍTULO
XI
NÃO
APRENDEMOS PELAS PALAVRAS QUE REPERCUTEM
EXTERIORMENTE, MAS PELA VERDADE QUE
ENSINA INTERIORMENTE
AGOSTINHO
– Limitado o valor das
palavras, e delas direi, querendo valorizá-las, que apenas estimulam a procurar
as coisas, sem, porém, mostrá-las para que as conheçamos.
No entanto, aquele que me apresenta
alguma coisa, quer aos sentidos corporais, quer à mente, ensina-me de facto as
coisas que quero conhecer.
Com as palavras não
aprendemos senão palavras; de mais a mais, o som das palavras, pois se não for
sinal tão pouco é palavra, não vejo como possa ser palavra, som que ouvi
pronunciado como sendo palavra, até que lhe conheça o significado.
O sentido completo das palavras,
se consegue apenas depois de conhecer as coisas; e ao contrário, ouvindo
somente as palavras, não aprendemos nem sequer estas.
De facto, não tivemos
conhecimento das palavras que aprendemos senão depois de perceber seu
significado, o que acontece não ouvindo as vozes que as proferem, mas pelo
conhecimento das coisas significadas.
Ao ouvirmos palavras, é perfeitamente
razoável saber ou não o que significam; se o sabemos, não foram elas que no-lo ensinaram,
apenas o recordaram; se não o sabemos, nem sequer o recordam, mas talvez nos estimulem
a procurá-lo.
Ora, daqueles objectos que
servem para cobrir a cabeça e dos quais apenas ouvimos o nome (coifas), só
podemos adquirir a noção depois de vê-los; portanto, nem sequer o seu nome conhecemos
completamente, não antes de conhecermos os próprios objectos.
Todavia, podes afirmar que
de nenhum modo senão pelas palavras, aprendemos o que se narra a respeito dos três
jovens, aqueles que com a sua fé e religião venceram o rei e as chamas, quais
os hinos de louvor que cantaram a Deus; quais as honras que mereceram do
próprio inimigo; responder-te-ei que já conhecíamos todas as coisas
significadas por aquelas palavras.
Pois eu já tinha na minha mente
o que significa três jovens, o que é forno, o que é fogo, o que é rei, o que
quer dizer ser preservado do fogo, e por fim, as demais coisas significadas por
aquelas palavras.
Mas, como aquelas “saraballae” (coifas), ficam para mim desconhecidos os jovens
Ananias, Azarias e Misael; nem os seus nomes me ajudaram a conhecê-los.
E confesso que, mais que
saber, posso afirmar minha crença que tudo o que se lê naquela narração
histórica tenha ocorrido naquele tempo assim como foi escrito; e os próprios
historiadores a que emprestamos fé não ignoravam esta diferença.
Diz o profeta: “Se não credes, não entendereis”; e
certamente não diria isto se não tivesse por necessário estabelecer uma
diferença entre as duas coisas.
Por isso, creio tudo o que entendo,
mas nem tudo o que creio entendo. Tudo o que compreendo conheço, mas nem tudo o
que creio conheço. Eu sei quanto é útil crer também em muitas coisas que não
conheço, utilidade que se aplica também na história dos três jovens.
Como não posso saber a
maioria das coisas, sei, porém, que é útil acreditar nelas.
Quanto às coisas que
compreendemos, não consultamos a voz de quem fala, que é exterior, mas a
verdade que dentro de nós reside, em nossa mente, estimulados talvez pelas
palavras a consultá-la.
Quem é consultado ensina em
verdade, e este é o Cristo que habita, como foi dito, no homem interior, isto
é, a virtude única de Deus e a eterna Sabedoria, que toda alma racional
consulta, mas que se revela ao homem na medida da sua própria boa ou má
vontade.
E se ocorre o erro, isto não
acontece por falha da verdade consultada, como não é por erro da luz externa
que os olhos se enganam; esta luz que consultamos a respeito das coisas
visíveis, para que no-las torne claras na proporção em que nos é permitido
distingui-las.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)