Oitava do Natal
Evangelho: Jo 1 19-28
19 Eis o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas a perguntar-lhe: «Quem és tu?». 20 Ele confessou a verdade, não a negou; e confessou: «Eu não sou o Cristo». 21 Eles perguntaram-lhe: «Quem és, pois? És tu Elias?». Ele respondeu: «Não sou». «És tu o profeta?». Respondeu: «Não». 22 Disseram-lhe então: «Quem és, pois, para que possamos dar resposta aos que nos enviaram? Que dizes de ti mesmo?». 23 Disse-lhes então: «”Eu sou a voz do que clama no deserto. Endireitai o caminho do Senhor”, como disse o profeta Isaías». 24 Ora os que tinham sido enviados eram fariseus. 25 Interrogaram-no, dizendo: «Como baptizas, pois, se não és o Cristo, nem Elias, nem o profeta?». 26 João respondeu-lhes: «Eu baptizo em água, mas no meio de vós está Quem vós não conheceis. 27 Esse é O que há-de vir depois de mim, e eu não sou digno de desatar-Lhe as correias das sandálias». 28 Estas coisas passaram-se em Betânia, além Jordão, onde João estava a baptizar.
Comentário:
Com o aproximar da grande data, o
nascimento Salvador, a Igreja propõe a liturgia própria da época e fala-nos
repetidamente do Percursor nas últimas e etapas da sua vida.
Não é demais recordar esta figura
incontornável do que veio com a missão específica de anunciar a vinda,
eminente, do Salvador.
A ele devemos este tempo de Advento,
preparação indispensável para nos dispormos para bem receber O que nos vem
redimir.
(ama
comentário sobre Jo 1, 19-28, Carvide, 2012.12.22)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 233 a 240
233
Uma
das suas primeiras manifestações concretiza-se em iniciar a alma nos caminhos
da humildade. Quando sinceramente nos consideramos nada; quando compreendemos
que, se não tivéssemos o auxílio divino, a mais débil e fraca das criaturas
seria melhor do que nós; quando nos vemos capazes de todos os erros e de todos
os horrores; quando nos reconhecemos pecadores, embora lutemos com empenho por
nos afastarmos de tantas infidelidades, como havemos de pensar mal dos outros?
Como se poderá alimentar no coração o fanatismo, a intolerância, o orgulho?
A
humildade leva-nos pela mão a tratar o próximo da melhor forma: compreender a
todos, conviver com todos, desculpar a todos; não criar divisões nem barreiras;
comportarmo-nos - sempre! - como instrumentos de unidade. Não é em vão que
existe no fundo do homem uma forte aspiração à paz, à união com os seus
semelhantes e ao respeito mútuo pelos direitos da pessoa, de modo que tal
aspiração se transforme em fraternidade. Isto reflecte uma nota característica
do que há de mais valioso na condição humana: se todos somos filhos de Deus, a
fraternidade nem se reduz a uma figura de retórica, nem consiste num ideal
ilusório, pois surge como meta difícil, mas real.
Perante
os cínicos, os cépticos, os insensíveis, os que fizeram da sua cobardia um modo
de pensar, nós, os cristãos, havemos de demonstrar que esse carinho é possível.
Existem talvez muitas dificuldades para nos comportarmos deste modo, pois o
homem foi criado livre e tem a possibilidade de se levantar inútil e amargamente
contra Deus; mas esse caminho é possível e é real, porque tal conduta nasce
necessariamente como consequência do amor de Deus e do amor a Deus. Se tu e eu
quisermos, Jesus Cristo também o quer. Então compreenderemos, em toda a sua
profundidade e com toda a sua fecundidade, a dor, o sacrifício, a entrega
desinteressada na convivência diária com os outros.
234
O exercício da caridade
Pecaria
por ingenuidade quem imaginasse que as exigências da caridade cristã se cumprem
facilmente. É bem diferente o que nos diz a experiência, quer no âmbito das
ocupações habituais dos homens, quer, por desgraça, no âmbito da Igreja. Se o
amor não nos obrigasse a calar, cada um de nós teria muito que contar de
divisões, de ataques, de injustiças, de murmurações e de insídias. Temos de o
admitir com simplicidade, para tratar de aplicar, pela parte que nos
corresponde, o remédio oportuno, que se há-de traduzir num esforço pessoal por
não ferir, por não maltratar, por corrigir sem deixar ninguém esmagado.
Não
são problemas de hoje. Poucos anos depois da Ascensão de Cristo aos céus,
quando ainda andavam de um lugar para outro todos os Apóstolos e era geral um
admirável fervor de fé e de esperança, já muitos, no entanto, começavam a
desencaminhar-se e a não viver a caridade do Mestre.
Havendo
entre vós rivalidades e discórdias - escreve S. Paulo aos de Corinto - não é
notório que sois carnais e procedeis como homens? Porque, quando um diz: eu sou
de Paulo, e outro: eu sou de Apolo, não estais a mostrar que ainda sois homens
carnais que não compreendem que Cristo veio para superar todas essas divisões?
Quem é Apolo? Quem é Paulo? Ministros daquele em quem vós crestes e isso
segundo a medida que o Senhor concedeu a cada um.
O
Apóstolo não rejeita a diversidade: cada um tem de Deus o seu próprio dom; um
de um modo e outro de outro. Mas essas diferenças têm de estar ao serviço do
bem da Igreja. Sinto-me inclinado agora a pedir ao Senhor - se quiserdes
unir-vos a esta minha oração - que não permita que na sua Igreja a falta de
amor semeie joio nas almas. A caridade é o sal do apostolado dos cristãos; se
perde o sabor, como poderemos apresentar-nos ao mundo e explicar, de cabeça
erguida, que aqui está Cristo?
235
Portanto,
repito-vos com S. Paulo: ainda que eu falasse as línguas dos homens e a
linguagem dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que ressoa ou
como o címbalo que tine. E ainda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse
todos os mistérios e possuísse toda a ciência, e tivesse toda a fé, de modo a
mover montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. E ainda que distribuísse
todos os meus bens para sustento dos pobres e entregasse o meu corpo para ser
queimado, se não tiver caridade, nada me aproveita .
Perante
estas palavras do Apóstolo dos gentios, não faltam os que se assemelham àqueles
discípulos de Cristo, que, ao anunciar-lhes Nosso Senhor o Sacramento da sua
Carne e do seu Sangue, comentaram: - É dura esta doutrina; quem a pode
escutar?. É dura, sim. Porque a caridade que o Apóstolo descreve não se limita
à filantropia, ao humanitarismo ou à natural comiseração pelo sofrimento
alheio; exige a prática da virtude teologal do amor a Deus e do amor, por Deus,
aos outros. Por isso, a caridade nunca deixará de existir, ao passo que as
profecias terminarão, as línguas cessarão e a ciência acabará... Agora
permanecem estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade; mas, das três,
a caridade é a mais excelente.
236
O único caminho
Já
nos convencemos de que a caridade nada tem a ver com essa caricatura que às
vezes se tem pretendido traçar da virtude central da vida cristã. Mas
perguntamos agora: porque se exige pregá-la constantemente? Será uma espécie de
tema obrigatório, mas com poucas possibilidades de se manifestar em factos concretos?
Olhando
à nossa volta, talvez descobríssemos razões para pensar que a caridade é
realmente uma virtude ilusória. Mas considerando as coisas com sentido
sobrenatural, descobrirás também a raiz dessa esterilidade, que se cifra numa
ausência de convívio intenso e contínuo, de tu a tu, com Nosso Senhor Jesus
Cristo, e no desconhecimento da acção do Espírito Santo na alma, cujo primeiro
fruto é precisamente a caridade.
Recolhendo
um conselho do Apóstolo - levai uns as cargas dos outros e assim cumprireis a
lei de Cristo - acrescenta um Padre da Igreja: amando a Cristo, suportaremos
facilmente a fraqueza dos outros, mesmo a daquele a quem ainda não amamos,
porque não tem boas obras.
Por
aí se eleva o caminho que nos faz crescer na caridade. Enganar-nos-íamos se
imaginássemos que primeiro temos de nos exercitar em actividades humanitárias,
em trabalhos de assistência, excluindo o amor do Senhor. Não descuidemos Cristo
por causa do próximo que está enfermo, uma vez que devemos amar o enfermo por
causa de Cristo.
Olhai
constantemente para Jesus, que, sem deixar de ser Deus, se humilhou tomando a
forma de servo para nos poder servir, porque só nessa mesma direcção se abrem
os afãs por que vale a pena lutar. O amor procura a união, a identificação com
a pessoa amada; e, ao unirmo-nos com Cristo, atrair-nos-á a ânsia de secundar a
sua vida de entrega, de amor sem medida, de sacrifício até à morte. Cristo
coloca-nos perante o dilema definitivo: ou consumirmos a existência de uma
forma egoísta e solitária ou dedicarmo-nos com todas as forças a uma tarefa de
serviço.
237
Vamos
pedir agora ao Senhor, para terminar este tempo de conversa com Ele, que nos
conceda poder repetir com S. Paulo que triunfamos por virtude daquele que nos
amou. Pelo qual estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem
os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem a força, nem
o que há de mais alto, nem de mais profundo, nem qualquer outra criatura poderá
jamais separar-nos do amor de Deus que está em Jesus Cristo Nosso Senhor.
Este
amor também a Escritura o canta com palavras inflamadas: as águas copiosas não
puderam extinguir a caridade, nem os rios afogá-la. Este amor encheu sempre o
Coração de Santa Maria, ao ponto de enriquecê-la com entranhas de Mãe para toda
a humanidade. Em Nossa Senhora o amor a Deus confunde-se com a solicitude por
todos os seus filhos. O seu Coração dulcíssimo teve de sofrer muito, atento aos
mínimos pormenores - não têm vinho - ao presenciar aquela crueldade colectiva,
aquele encarniçamento dos verdugos, que foi a Paixão e Morte de Jesus. Mas
Maria não fala. Como o seu Filho, ama, cala e perdoa. Essa é a força do amor.
238
Sempre
que sentimos no nosso coração desejos de melhorar, de responder mais
generosamente ao Senhor, e procuramos um guia, um norte claro para a nossa
existência cristã, o Espírito Santo traz à nossa memória as palavras do
Evangelho: importa orar sempre e não cessar de o fazer.
A
oração é o fundamento de todo o trabalho sobrenatural; com a oração somos
omnipotentes; se prescindíssemos deste recurso, nada conseguiríamos.
Eu
gostaria que hoje, na nossa meditação, nos persuadíssemos definitivamente da
necessidade de nos dispormos a ser almas contemplativas no meio do mundo e do
trabalho, com uma conversa contínua com o nosso Deus, a qual não deve esmorecer
ao longo do dia. Se pretendemos seguir lealmente os passos do Mestre, este é o
único caminho.
239
Voltemos
os nossos olhos para Jesus Cristo, que é o nosso modelo, o espelho em que nos
devemos olhar. Como se comporta, mesmo exteriormente, nas grandes ocasiões? Que
nos diz d'Ele o Santo Evangelho? Comove-me essa disposição habitual de Cristo,
que recorre ao Pai antes dos grandes milagres e o seu exemplo, ao retirar-se quarenta
dias e quarenta noites para o deserto, antes de iniciar a sua vida pública,
para rezar.
É
muito importante - perdoai a minha insistência - observar os passos do Messias,
porque Ele veio mostrar-nos o caminho que nos leva ao Pai: descobriremos, com
ele, como se pode dar relevo sobrenatural às actividades aparentemente mais
pequenas; aprenderemos a viver cada instante com vibração de eternidade e
compreenderemos com maior profundidade que a criatura precisa desses tempos de
conversa íntima com Deus, para privar com Ele na sua intimidade, para
invocá-lo, para ouvi-lo ou, simplesmente, para estar com Ele.
Há
já muitos anos, considerando este modo de proceder do meu Senhor, cheguei à
conclusão de que o apostolado, seja ele de que tipo for, consiste numa
superabundância da vida interior. Por isso me parece tão natural, e tão
sobrenatural, essa passagem em que se relata como Cristo decidiu escolher
definitivamente os primeiros doze. Conta S. Lucas que, antes, tinha passado
toda a noite em oração. Vede-o também em Betânia. Quando se dispõe a
ressuscitar Lázaro, depois de ter chorado pelo amigo, levanta os olhos ao céu e
exclama: Pai, dou-te graças porque me tens ouvido. Este foi o seu ensinamento
preciso: se queremos ajudar os outros, se pretendemos sinceramente animá-los a
descobrir o autêntico sentido do seu destino na terra, é preciso que nos
fundamentemos na oração.
240
São
tantas as cenas em que Jesus Cristo fala com o seu Pai, que se torna quase
impossível determo-nos em todas. Mas penso que não podemos deixar de considerar
as horas, tão intensas, que precederam a sua Paixão e Morte, quando se prepara
para consumar o Sacrifício que nos reconduzirá ao Amor Divino. Na intimidade do
Cenáculo o seu Coração transborda, dirige-se suplicante ao Pai, anuncia a vinda
do Espírito Santo, anima os seus a um contínuo fervor de caridade e de fé.
Esse
fervoroso recolhimento do Redentor continua em Getsemani, quando se apercebe de
que já está iminente a Paixão, com as humilhações e as dores que se aproximam,
essa Cruz dura, onde suspendem os malfeitores e que Ele desejou ardentemente.
Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice. E logo a seguir: não se
faça, contudo, a minha vontade, mas a tua. Mais tarde, pregado ao madeiro, só,
com os braços estendidos num gesto de sacerdote eterno, continua a manter o
mesmo diálogo com o seu Pai: nas tuas mãos encomendo o meu espírito.
(cont)