Tempo comum XVII Semana
Santa Marta
Evangelho:
Jo 11, 19-27
19 Muitos judeus tinham ido ter com Marta e Maria, para
as consolarem pela morte de seu irmão. 20 Marta, pois, logo que ouviu que vinha
Jesus, saiu-Lhe ao encontro; e Maria ficou sentada em casa.21 Marta disse então
a Jesus: «Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido. 22 Mas também
sei agora que tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». 23 Jesus
disse-lhe: «Teu irmão há-de ressuscitar». 24 Marta disse-Lhe: «Eu sei que há-de
ressuscitar na ressurreição do último dia». 25 Jesus disse-lhe: «Eu sou a
ressurreição e a vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá;
26 e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente. Crês isto?».
27 Ela respondeu: «Sim, Senhor, eu creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus,
que vieste a este mundo».
Comentário:
A ressurreição é um
dos principais temas que mais nos ocupa o pensamento. Inúmeras perguntas e
questões ficam sem uma resposta completa, decisiva, o que não admira porque se
trata de um mistério, que a nossa inteligência não consegue decifrar
plenamente. Só pela Fé chegamos a compreender que, sendo a nossa alma um
espírito criado directamente por Deus, a sua habitação no nosso corpo é apenas
temporária, isto é, enquanto tivermos vida.
Poder-se-ia dizer
que a alma é a vida e, se assim é, esta não pode perecer, antes continua de
forma misteriosa mas real, na eternidade.
O homem, de facto,
não é eterno, mas sim imortal. Perece na sua substância mortal mas vive no seu ser
espiritual.
As afirmações de
Jesus – como esta que claramente faz a Marta – são uma garantia de que assim é.
Quando, no final
dos tempos, o nosso corpo voltar a reunir-se à nossa alma, terá, então, outras
características e qualidades que agora não possui, acompanhando a alma na
eternidade, no lugar e condições que o julgamento divino determinar logo após a
morte terrena.
(ama,
comentário sobre Jo 11, 19-27, 2010.06.30)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
CARTA AOS BISPOS DA IGREJA CATÓLICA ACERCA
DE ALGUNS ASPECTOS DA MEDITAÇÃO CRISTÃ
…/2
IV.
A VIA CRISTÃ DA UNIÃO COM DEUS
13. Para encontrar a recta
«via» da oração, o cristão deverá ter presente o que se disse precedentemente a
propósito dos traços salientes da via de Cristo, cujo «alimento é fazer a
vontade d’Aquele que (O) enviou e consumar a sua obra» (Jo. 4, 34). Jesus não
vive uma união mais íntima e mais estreita com o Pai, do que esta, que, para
Ele, se traduz continuamente numa oração profunda. A vontade do Pai envia-O aos
homens, aos pecadores; mais: aos seus assassinos; e Ele não pode estar mais
intimamente unido ao Pai do que obedecendo à sua vontade. O que não impede de
nenhuma maneira que, no caminho terreno, Ele se retire também na solidão para
rezar, para se unir ao Pai e receber d’Ele novo vigor para cumprir a sua missão
no mundo. No Tabor, onde certamente Ele se une ao Pai de modo manifesto, é
evocada a sua Paixão (cfr. Lc. 9, 31) e nem por um instante é tomada em
consideração a possibilidade de permanecer em « três tendas » sobre o monte da
Transfiguração. Qualquer oração contemplativa cristã reenvia continuamente ao
amor do próximo, à acção e à paixão, e exactamente desta maneira aproxima de
Deus em medida maior.
14. Para aproximar-se
daquele mistério da união com Deus, que os Padres gregos chamavam divinização
do homem, e para compreender com precisão as modalidades segundo as quais ela
se realiza, é necessário ter presente, em primeiro lugar, que o homem é essencialmente
criatura16 e tal permanece para sempre, de modo que jamais será possível uma
absorção do eu humano pelo Eu divino, nem sequer nos mais elevados graus de
graça. Deve-se, porém, reconhecer que a pessoa humana é criada «à imagem e
semelhança» de Deus, e que o arquétipo desta imagem é o Filho de Deus, no Qual
e pelo Qual fomos criados (cfr. Col. 1, 16). Ora este arquétipo desvela-nos o
maior e o mais belo mistério cristão: o Filho é, desde toda a eternidade,
«outro» em relação ao Pai e todavia, no Espírito Santo, é «da mesma
substância»; por conseguinte, o facto de que exista uma alteridade não é um
mal, mas, pelo contrário, o máximo dos bens. Existe alteridade no próprio Deus,
que é uma só Natureza em Três Pessoas, e existe alteridade entre Deus e a
criatura, que são por natureza diferentes. Finalmente, na sagrada eucaristia,
como também nos outros Sacramentos — e analogamente nas suas obras e nas suas
palavras —, Cristo dá-se-nos a si mesmo e torna-nos participantes da sua
natureza divina 17 sem suprimir, contudo, a nossa natureza criada,
da qual Ele mesmo participa por meio da sua encarnação.
15. Se se consideram no
seu conjunto estas verdades, descobre-se, com profunda admiração, que na
realidade cristã se actuam, ultrapassando qualquer medida, todas as aspirações
presentes na oração das outras religiões, sem que isto implique que o eu
pessoal e a sua criaturalidade devam ser anulados e desaparecer no mar do
Absoluto. «Deus é amor» (1 Jo. 4, 8): esta afirmação profundamente cristã pode
conciliar a união perfeita com a alteridade entre o amante e o amado, em eterna
«quase-troca» e eterno diálogo. Deus mesmo constitui este eterno diálogo, e nós
podemos, com plena verdade, tornar-nos participantes de Cristo, como «filhos
adoptivos», e gritar com o Filho no Espírito Santo: «Abbá, Pai». Neste sentido,
os Padres têm totalmente razão quando falam da divinização do homem, o qual,
incorporado em Cristo, Filho de Deus por natureza, se torna participante, pela
sua graça, da natureza divina, «filho no Filho». O cristão, recebendo o
Espírito Santo, glorifica o Pai e participa realmente da Vida Trinitária de
Deus.
V.
QUESTÕES DE MÉTODO
16. A maior parte das
grandes religiões que têm procurado a união com Deus na oração, têm indicado
também os caminhos para a obter. Pois que «a Igreja católica nada rejeita do
que nessas religiões existe de verdadeiro e santo», 18 não se
deverão desprezar, por preconceito, tais indicações, só por não serem de origem
cristã. Poder-se-á, pelo contrário, colher nelas o que contêm de bom, tendo o
cuidado naturalmente de não perder nunca de vista a concepção cristã da oração,
a sua lógica e as suas exigências, sendo do ponto de vista desta totalidade que
aqueles fragmentos deverão ser formulados de novo e assim assumidos. Dentre
tais «fragmentos» deve-se nomear, em primeiro lugar, a aceitação humilde dum
mestre experimentado na vida de oração e das suas directrizes; deste aspecto
sempre se teve consciência na experiência cristã desde os tempos antigos, em
particular desde a época dos Padres do deserto. O mestre, experimentado no
«sentire cum Ecclesia», deve não somente guiar e chamar a atenção sobre certos
perigos, mas, como «pai espiritual», deve introduzir também, de modo vital,
tratando de coração para coração, na vida de oração, que é dom do Espírito
Santo.
17. A tardia era clássica
não cristã distinguia, de bom grado, três estádios na vida de perfeição: as
vias da purificação, da iluminação e da união. Tal doutrina serviu de modelo
para muitas escolas de espiritualidade cristã. O esquema, em si válido, carece
todavia de alguns esclarecimentos que permitam uma sua correcta interpretação
cristã, evitando perigosos equívocos.
18. A procura de Deus
através da oração deve ser precedida e acompanhada pela ascese e pela
purificação dos próprios pecados e erros, porque, segundo a palavra de Jesus,
somente «os puros de coração verão a Deus» (Mt. 5, 8). O Evangelho visa
sobretudo uma purificação moral de falta de verdade e de amor e, a um nível
mais profundo, de todos os instintos egoísticos que impedem o homem de reconhecer
e aceitar a vontade de Deus na sua pureza. Não são as paixões enquanto tais que
são negativas (como pensavam os estoicos e os neoplatónicos): mas a sua
tendência egoísta. É dela que o cristão se deve libertar, para chegar àquele
estado de liberdade positiva que a era clássica cristã chamava «apátheia», a
Idade Média «impassibilitas», e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio «indiferencia».
19 Tudo isto é impossível sem uma radical abnegação, como se vê também
em S. Paulo, que usa abertamente a palavra «mortificação» (das tendências
pecaminosas). 20 Só esta abnegação torna o homem livre para realizar
a vontade de Deus e de participar na liberdade do Espírito Santo.
19. Terá, por isso, de ser
interpretada correctamente a doutrina daqueles mestres que recomendam
«esvaziar» o espírito de todas as representações sensíveis e de todos os
conceitos, mantendo, porém, uma amorosa atenção a Deus, de modo que permaneça
no orante um vazio que pode ser então «cheio» pela riqueza divina. O vazio de
que Deus precisa é o da renúncia ao próprio egoísmo, não necessariamente o da
renúncia às coisas criadas que Ele nos deu e no meio das quais nos colocou. Não
há dúvida que na oração nos devemos concentrar inteiramente em Deus e afastar o
mais possível aquelas coisas deste mundo que nos prendem ao nosso egoísmo.
Santo Agostinho é um mestre insigne sobre este ponto: se queres encontrar a
Deus — diz —, abandona o mundo exterior e entra em ti mesmo. Todavia —
prossegue —, não fiques em ti mesmo, mas vai mais além, porque tu não és Deus:
Ele é mais profundo e maior do que tu. «Procuro a sua substância na minha alma
e não a encontro; meditei, todavia, sobre a pesquisa de Deus e, inclinado para
Ele, procurei conhecer, através das coisas criadas, ‘a realidade invisível de
Deus’ (Rm. 1, 20)». 21 «Fechar-se em si mesmos»: eis o verdadeiro
perigo. O grande Doutor da Igreja recomenda o concentrar-se em si mesmos, mas
também o ultrapassar o eu que não é Deus, mas só uma criatura. Deus é «interior
intimo meo, et superior summo meo». 22 Com efeito, Deus está em nós
e connosco, mas transcende-nos no seu mistério. 23
20. Do ponto de vista
dogmático, é impossível atingir o amor perfeito de Deus, se se prescinde da sua
auto-doação no Filho encarnado, crucificado e ressuscitado. N’Ele, sob a acção
do Espírito Santo, tomamos parte, por pura graça, na Vida intra-divina. Quando
Jesus diz: «Quem me vê, vê o Pai» (Jo. 14, 9) não se refere simplesmente à
visão e ao conhecimento exteriores da sua figura humana «a carne para nada
serve»: Jo. 6, 63). Aquilo a que Ele se refere é, pelo contrário, um «ver»
tornado possível pela graça da fé: um «ver» através da manifestação sensível de
Jesus, o que Ele, como Verbo do Pai, quer verdadeiramente mostrar-nos de Deus («O
Espírito é que vivifica [...]; as palavras que vos disse são espírito e vida»,
ibidem). Neste «ver» não se trata da abstracção puramente humana
(«abs-tractio») da figura em que Deus se revelou, mas de colher a realidade
divina na figura humana de Jesus; de colher a sua dimensão divina e eterna na
sua temporalidade. Como diz Santo Inácio nos Exercícios Espirituais, nós
deveríamos procurar colher «o perfume infinito e a doçura infinita da
Divindade» (n. 124), partindo da verdade revelada finita donde começámos. Ao elevar-nos,
Deus é livre de «esvaziar-nos» de tudo o que nos agarra a este mundo, livre de
atrair-nos completamente para a Vida trinitária do seu amor eterno. Todavia,
este dom pode ser concedido somente «em Cristo, mediante o Espírito Santo» e
não através das próprias forças, prescindindo da sua revelação.
21. No caminho da vida
cristã, à purificação segue a iluminação mediante o amor que o Pai nos dá no
Filho e a unção que d’Ele recebemos no Espírito Santo (cfr. 1 Jo. 2, 20). Desde
a antiguidade cristã, fala-se da «iluminação», recebida no Baptismo. É ela que
introduz os fiéis, iniciados nos divinos mistérios, no conhecimento de Cristo,
mediante a fé que age por meio da caridade. Alguns escritores eclesiásticos até
falam explicitamente da iluminação recebida no Baptismo como fundamento daquele
sublime conhecimento de Cristo Jesus (cfr. Fil. 3, 8) que é definido como «
theoria » ou contemplação. 24
Mediante a graça do
Baptismo, os fiéis são chamados a progredir no conhecimento e no testemunho dos
mistérios da fé «mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas
espirituais». 25 Nenhuma luz de Deus torna «superadas» as verdades
da fé. As eventuais graças de iluminação que Deus pode conceder ajudam a
esclarecer melhor a dimensão mais profunda dos mistérios professados e celebrados
pela Igreja, na esperança que o cristão possa contemplar a Deus como Ele é na
glória (cfr. 1 Jo. 3, 2).
(cont.)
__________________________
Notas:
16.
Cfr. Const. Past. Gaudium et spes, n. 19: « A razão mais sublime da dignidade
do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua
existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só
porque, criado por Deus por amor, é por Ele por amor constantemente conservado;
nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse
amor e se entregar ao seu Criador».
17.
Como escreve S. Tomás a respeito da eucaristia: « … proprius effectus huius
sacramenti est conversio hominis in Christum, ut dicat cum Apostolo: Vivo ego,
iam non ego; vivit vero in me Christus (Gál. 2, 20)» (In IV. Sent., d. 12, q.
2, a. 1).
18.
Declaração Nostra aetate, n. 2.
19.
Santo Inácio de Loyola, Ejercicios Espirituales, n. 23 e passim.
20.
Cfr. Col. 3, 5; Rm. 6, 11 e seg.; Gál. 5, 24.
21.
Santo Agostinho, Enarrationes in Psalmos XLI, 8: PL 36, 469.
22.
Santo Agostinho, Confessiones, 3, 6, 11: PL 32, 688. Cfr. De vera Religione 39,
7: PL 34, 154.
23.
O sentido cristão positivo do « esvaziamento » das criaturas resplandece de
modo exemplar no « Poverello » de Assis. S. Francisco, pelo facto de ter
renunciado às criaturas por amor do Senhor, contempla-as todas cheias da sua
presença e refulgentes na sua dignidade de criaturas de Deus; pelo que entoa a
secreta melodia do ser no seu Cântico das criaturas (cfr. C. Esser, Opuscula
sancti Francisci Assisiensis, Ed. Ad Claras aquas, Grottaferrata (Roma) 1978,
pp. 83-86). No mesmo sentido escreve na « Carta a todos os fiéis »: « Cada
criatura que se encontra no céu e na terra e no mar e na profundidade dos abismos
(Ap. 5, 13), tribute a Deus louvor, glória e honra e o abençoe, pois Ele é a
nossa vida e a nossa força. Ele que é o único bom (Lc. 18, 19), que é o único
altíssimo, omnipotente e admirável, glorioso e santo, digno de louvor e bendito
pelos infinitos séculos dos séculos. Amen » (ibidem, Opuscula …, 124). S.
Boaventura faz observar como em cada criatura Francisco percebia o apelo de
Deus e efundia a sua alma no grande hino de reconhecimento e de louvor (cfr.
Legenda S. Francisci, cap. 9, n. 1, in Opera Omnia, ed. Quaracchi 1898, Vol.
VIII, p. 530).
24.
Vejam-se, por exemplo: S. Justino, Apologia I, 61, 12-13: PG 6, 420-421;
Clemente de Alexandria, Paedagogus I, 6, 25-31: PG 8, 281-284; S. Basílio de
Cesareia, Homiliae diversae, 13, 1: PG 31, 424-425; S. Gregório Nazianzeno,
Orationes, 40, 3, 1: PG 36, 361.
25.
Const. dogm. Dei Verbum, n. 8.