São Josemaria Escrivá
Cristo que passa 159 a 162
159
O optimismo cristão
Alguma vez poderá surgir a
tentação de pensar que tudo isto é tão belo como um sonho irrealizável.
Falei-vos de renovar a fé
e a esperança; permanecei firmes, com a certeza absoluta de que as nossas
aspirações serão ultrapassadas pelas maravilhas de Deus.
Mas torna-se indispensável
que nos apoiemos verdadeiramente na virtude cristã da esperança.
Não nos acostumemos aos
milagres que se operam perante nós: ao admirável portento que é o Senhor descer
todos os dias às mãos do sacerdote.
Jesus quer que estejamos
despertos, para que nos convençamos da grandeza do seu poder, e para que
ouçamos novamente a sua promessa: venite post me, et faciam vos fieri
piscatores hominum, se Me seguirdes, far-vos-ei pescadores de homens; sereis
eficazes e atraireis as almas a Deus.
Devemos, portanto, confiar
nessas palavras do Senhor: meter-se na barca, pegar nos remos, içar as velas e
lançar-nos a esse mar do mundo que Cristo nos deixa em herança.
Duc in altum et laxate
rectia vestra in capturam!: fazei-vos ao largo e lançai as vossas redes para
pescar.
Este zelo apostólico que
Cristo infundiu no nosso coração não se deve esgotar - extinguir - por uma
falsa humildade.
Se é verdade que arrastamos
connosco as nossas misérias, também é verdade que o Senhor conta com os nossos
erros.
Não escapa ao seu olhar
misericordioso que nós, os homens, somos criaturas com limitações, com
fraquezas, com imperfeições, inclinadas ao pecado.
Por isso, manda-nos lutar,
reconhecer os nossos defeitos; não para nos acobardarmos, mas para nos
arrependermos e fomentarmos o desejo de sermos melhores.
Aliás, temos de
lembrar-nos sempre de que somos apenas instrumentos: Que é, pois, ApoIo? e que
é Paulo? Ministros daquele em quem vás crestes, segundo o dom que o Senhor deu
a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas Deus é que deu o crescimento.
A doutrina, a mensagem que
temos de difundir, tem uma fecundidade própria e infinita, que não é nossa, mas
de Cristo.
É o próprio Deus quem está
empenhado em realizar a obra salvadora, em redimir o, mundo.
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Tenhamos, pois, Fé, sem
permitir que o desalento nos domine; sem nos determos em cálculos meramente
humanos.
Para superar os
obstáculos, há que começar a trabalhar, metendo-se em cheio nessa tarefa, de
maneira que o nosso próprio esforço nos leve a abrir novos caminhos.
Perante qualquer
dificuldade, o remédio é este: santidade pessoal, entrega ao Senhor.
Ser santos é viver tal
como o nosso Pai do Céu dispôs que vivêssemos.
Dir-me-eis que é difícil.
Sim, o ideal é muito
elevado.
Mas ao mesmo tempo é
fácil: está ao alcance da mão.
Quando uma pessoa adoece,
nem sempre se consegue encontrar o remédio adequado para a tratar.
Mas no plano sobrenatural
não acontece assim.
O remédio está sempre
perto de nós: é Jesus Cristo, presente na Sagrada Eucaristia, que também nos dá
a sua graça nos outros Sacramentos que instituiu.
Repitamos com a palavra e
com as obras: Senhor, confio em Ti, basta-me a tua providência ordinária, a tua
ajuda de cada dia.
Não temos por que pedir a
Deus grandes milagres.
Temos de lhe suplicar,
pelo contrário, que aumente a nossa fé, que ilumine a nossa inteligência, que
fortaleça a nossa vontade.
Jesus está sempre junto de
nós e permanece fiel.
Desde o começo da minha
pregação, preveni-vos contra um falso endeusamento.
Não te assustes ao
veres-te tal como és: assim, feito de barro.
Não te preocupes.
Porque, tu e eu somos
filhos de Deus, - este é o endeusamento bom - escolhidos desde a eternidade,
com uma vocação divina: escolheu-nos o Pai, por Jesus Cristo, antes da criação
do mando, para que sejamos santos diante dele.
Nós, que somos
especialmente de Deus, seus instrumentos apesar da nossa pobre miséria pessoal,
seremos eficazes se não perdermos o conhecimento da nossa fraqueza.
As tentações dão-nos a
dimensão da nossa própria fraqueza.
Se sentimos desalento ao
experimentar - talvez de um modo particularmente vivo - a nossa mesquinhez, é o
momento de nos abandonarmos por completo, com docilidade, nas mãos de Deus.
Conta-se que, certo dia,
um mendigo saiu ao encontro de Alexandre Magno, pedindo uma esmola.
Alexandre parou e ordenou
que o fizessem senhor de cinco cidades.
O pobre, confundido e
atordoado, exclamou: eu não pedia tanto!
E Alexandre respondeu: tu
pediste como quem és; eu dou-te como quem sou.
Mesmo nos momentos em que
percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e devemos olhar para
Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, sabendo-nos participantes da vida
divina.
Nunca existe razão
suficiente para voltarmos atrás: o Senhor está ao nosso lado.
Temos que ser fiéis,
leais, encarar as nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo
para compreender os erros dos outros e superar os nossos próprios erros.
Assim, todos esses
desalentos - os teus, os meus, os de todos os homens - servem também de suporte
ao reino de Cristo.
Reconheçamos as nossas
fraquezas, mas confessemos o poder de Deus.
O optimismo, a alegria, a
convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós têm de informar a vida
cristã.
Se nos sentirmos parte
dessa Igreja Santa, se nos considerarmos sustentados pela rocha firme de Pedro
e pela acção do Espírito Santo, decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de
cada instante: semear todos os dias um pouco.
E a colheita fará
transbordar os celeiros.
161
Terminemos este tempo de
oração.
Recordai - saboreando, na
intimidade da alma, a infinita bondade divina - que, pelas palavras da
Consagração, Cristo vai tornar-se realmente presente na Hóstia, com o seu
Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Adorai-O com reverência e
devoção; renovai na sua presença o oferecimento sincero do vosso amor;
dizei-lhe sem medo que Lhe quereis; agradecei-lhe esta prova diária de
misericórdia tão cheia de ternura, e fomentai o desejo de vos aproximardes da
comunhão com confiança.
Eu surpreendo-me perante
este mistério de Amor: o Senhor procura como trono o meu pobre coração, para
não me abandonar, se eu não me afastar d'Ele.
Reconfortados pela
presença de Cristo, alimentados pelo seu Corpo, seremos fiéis durante esta vida
terrena, e mais tarde no Céu, junto de Jesus e de Sua Mãe, chamar-nos-emos
vencedores.
Onde está, ó morte, a tua
vitória?
Onde está, ó morte, o teu
aguilhão?
Demos graças a Deus que
nos trouxe a vitória, pela virtude de Nosso Senhor Jesus Cristo.
162
Deus Pai dignou-Se
conceder-nos, no Coração do Filho, infinitos dilectionis thesauros, tesouros
inesgotáveis de amor, de misericórdia, de ternura.
Se quisermos descobrir com
evidência que Deus nos ama - que não só escuta as nossas orações, mas até Se
nos antecipa - basta-nos seguir o mesmo raciocínio de S. Paulo: Aquele que nem
ao seu próprio Filho perdoou, mas O entregou à morte por nós, corno não nos
dará, com Ele, todas as coisas?
A graça renova o homem por
dentro e converte-o, de pecador e rebelde, em servo bom e fiel.
E a fonte de todas as
graças é o amor que Deus tem por nós e nos revelou - e não só com palavras,
também com actos.
O amor divino faz com que
a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima, o Verbo, o Filho de Deus Pai, tome a
nossa carne, isto é, a nossa condição humana, menos o pecado.
E o Verbo, a Palavra de
Deus, é Verbum spirans amorem, a Palavra de que procede o Amor.
O Amor revela-se na
Encarnação, nessa caminhada redentora de Jesus Cristo pela Terra, até ao
sacrifício supremo da Cruz.
E na Cruz manifesta-se com
um novo sinal: um dos soldados abriu o lado de Jesus com uma lança e no mesmo
instante saiu sangue e água .
Água e sangue de Jesus que
nos falam de uma entrega realizada até ao último extremo, até ao consummatum
est , ao "tudo está consumado", por amor.
Na festa de hoje, ao
considerarmos uma vez mais os mistérios centrais da nossa fé, maravilhamo-nos
de que as realidades mais profundas - o amor de Deus Pai que entrega o seu
Filho; o amor do Filho que O leva a caminhar sereno até ao Gólgota - se
traduzam em gestos muito próximos dos homens.
Deus não Se nos dirige
numa atitude de poder e de domínio; aproxima-Se de nós tomando a forma de
servo, tornado semelhante aos homens.
Nunca Jesus Se mostra
distante e altivo.
Por vezes, durante os anos
de pregação, podemos vê-Lo desgostoso por lhe doer a maldade humana.
Mas, se repararmos melhor,
logo perceberemos que o que Lhe provoca o desgosto ou a cólera é o amor, que o
desgosto e a cólera são apenas um novo modo de nos arrancar à infidelidade e ao
pecado. Porventura quero Eu a morte do ímpio - diz o Senhor Deus - e não que se
converta do seu mau caminho e que viva?
Essas palavras
explicam-nos toda a vida de Cristo e fazem-nos compreender por que Se
apresentou perante nós com um coração de carne, com um coração como o nosso,
prova irrefutável de amor e testemunho constante do mistério inenarrável da
caridade divina.
(cont)