ESTAR VIVO
Tenho um amigo que já passou há muito a barreira da idade a que se convencionou chamar “a terceira” e que sempre me responde, quando lhe pergunto como está, “Estou vivo”. Este facto, evidente e por isso não merecedor de ser posto em destaque, é, para ele (e para os seus amigos) motivo de júbilo; é com muita alegria que afirma “Estou vivo!”.
Vem isto a propósito de um banal conhecimento, ou seja, o de que a vida é o valor mais alto que existe, por ser o primeiro e a condição necessária para a existência dos outros valores. De facto, a felicidade, a dignidade, a liberdade, a verdade, a coragem, a justiça e tantos outros valores universalmente reconhecidos como fontes de uma vida moral – não poderiam existir se não servissem de luz e farol a quem está vivo. A vida é, reconhecidamente, o primeiro e o mais importante valor e bem. Poucas verdades terão tão ampla, e universal concordância: todos aceitamos esta evidência e quer o ordenamento político das nações, através das respectivas Constituições, quer as instâncias supranacionais (tais como as Nações Unidas, a União Europeia e o Conselho da Europa) reconhecem expressamente o valor único da vida, ao preceituarem o direito à vida (como lapidarmente afirma a Constituição da República Portuguesa, no artigo 25, “a vida humana é inviolável”).
Infelizmente, e contra toda a lógica, esta formidável fortaleza da protecção e do respeito pela vida humana, abriu fendas consideráveis nos últimos anos. Em Portugal, como em outros países, a lei autorizou o abortamento em determinadas e restritivas condições, assistindo-se ao estranho malabarismo jurídico – intelectual de um Tribunal Constitucional chegar à conclusão (por maioria de um voto) de que a legalização do abortamento não ofendia a norma constitucional. A teoria do plano inclinado, segundo a qual o que se permite excepcionalmente rapidamente se torna usual, aplica-se claramente ao abortamento: inicialmente tolerado em situações especiais, tornou-se acessível a qualquer mulher nas primeiras dez semanas (e já há quem clame por um alongamento deste período) e viu alargados os prazos nas chamadas indicações.
No outro extremo da vida humana, na velhice, há sinais que levam a admitir como provável a proposta de leis que legalizem a eutanásia e o suicídio assistido (que para já apenas são tolerados em 2 países e 1 estado americano). O testamento vital, já em discussão na Assembleia da República, pode ser o cavalo de Tróia que permita a disfarçada introdução da eutanásia por omissão na nossa realidade nacional.
Assim, a vida, supremo valor, como tal reconhecida por todos, começa a ser ofendida, desprestigiada, negada. É indispensável, é necessário que todas as pessoas de boa vontade examinem estes problemas e se proclamem defensoras da vida, independentemente das suas convicções políticas ou da presença ou ausência de um credo religioso. Só assim podemos garantir a vida, a saúde, a dignidade, o bem das nossas crianças e dos nossos velhos. Para que possamos afirmar, em plena alegria, que estamos vivos.
Fonte: agenciaecclesia.pt
Walter Osswald, Professor catedrático aposentado (da Faculdade de Medicina do Porto) - Conselheiro do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa