Tempo comum XXIII Semana
São João Crisóstomo – Doutor da Igreja
Evangelho:
Lc 6, 43-49
43 Porque não há
árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto. 44
Porquanto cada árvore se conhece pelo seu fruto; pois nem se colhem figos dos
espinheiros, nem se vindimam uvas dos abrolhos. 45 O homem bom, do
bom tesouro do seu coração tira o bem; o homem mau, do mau tesouro tira o mal;
porque a boca fala da abundância do coração. 46 «Porque Me chamais
Senhor, Senhor, e não fazeis o que Eu vos digo? 47 Todo aquele que vem a Mim,
ouve as Minhas palavras, e as põe em prática, vou mostrar-vos a quem é
semelhante. 48 É semelhante a um homem que, edificando uma casa,
cavou profundamente e pôs os alicerces sobre a rocha. Vindo uma inundação,
investiu a torrente contra aquela casa e não pôde movê-la, porque estava bem
edificada. 49 Mas quem ouve e não pratica, é semelhante a um homem
que edificou a sua casa sobre a terra, sem alicerces. Investiu a torrente
contra ela, e logo caiu, e foi grande a ruína daquela casa».
Comentário:
Fica absolutamente
claro o que é um homem forte, determinado e inamovível no Seu amor a Cristo:
Ouvir e pôr em
prática as Sua palavras o que, equivale dizer: Fazer – em tudo a Vontade de
Deus.
(ama,
comentário sobre Lc 6, 43-49, 2014.05.30)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
INSTRUÇÃO
SOBRE ALGUNS ASPECTOS DA
“TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO”
V - A VOZ DO MAGISTÉRIO
1.
Para responder ao desafio lançado à nossa época pela opressão e pela fome, o
Magistério da Igreja, com a preocupação de despertar as consciências cristãs
para o sentido da justiça, da responsabilidade social e da solidariedade para
com os pobres e os oprimidos, relembram repetidamente a actualidade e a
urgência da doutrina e dos imperativos contidos na Revelação.
2.
Limitamo-nos a mencionar aqui apenas algumas destas intervenções: os
pronunciamentos pontifícios mais recentes, Mater et Magistra e Pacem in terris,
Populorum progressio e Evangelii nuntiandi. Mencionemos ainda a carta ao
Cardeal Roy, Octogésima adveniens.
3.
O Concílio Vaticano II, por sua vez, tratou as questões da justiça e da
liberdade na Constituição pastoral Gaudium et spes.
4.
O Santo Padre insistiu em diversas oportunidades neste tema, particularmente
nas encíclicas Redemptor hominis, Dives in Misericórdia e Laborem exercens. As
numerosas intervenções que relembram a doutrina dos direitos do homem tocam
directamente nos problemas da libertação da pessoa humana em face dos diversos
tipos de opressão de que é vítima. É preciso citar, especialmente neste
contexto, o discurso proferido diante da XXXVI Assembleia geral da ONU, em New-York,
no dia 2 de Outubro de 1979.[14] No dia 28 de Janeiro do mesmo ano, João Paulo
II, ao abrir a Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em
Puebla, havia recordado que a verdade completa sobre o homem é a base da
verdadeira libertação. [15] Este texto constitui um documento de referência
directa para a teologia da libertação.
5.
Por duas vezes, em 1971 e 1974, o Sínodo dos Bispos tratou de temas que se
referem directamente à concepção cristã da libertação: o tema da justiça no
mundo e o tema da relação entre a libertação das opressões e a libertação
integral ou a salvação do homem. Os trabalhos dos Sínodos de 1971 e de 1974
levaram Paulo VI a esclarecer, na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi, a
relação que existe entre a evangelização e a libertação ou a promoção humana. [16]
6.
A preocupação da Igreja pela libertação e pela promoção humana traduziu-se
também no facto da constituição da Pontifícia Comissão Justiça e Paz.
7.
Numerosos Episcopados, de acordo com a Santa Sé, têm lembrado também a urgência
e os caminhos para uma autêntica libertação humana. Neste contexto convém fazer
menção especial dos documentos das Conferências Gerais do Episcopado
Latino-Americano de Medellin, em 1968, e de Puebla, em 1979. Paulo VI esteve
presente na abertura de Medellin, João Paulo II na de Puebla. Ambos os Papas
trataram do tema da conversão e da libertação.
8.
Seguindo as pegadas de Paulo VI, insistindo na especificidade da mensagem do
Evangelho, [17] especificidade que deriva da sua origem divina, João Paulo II,
no discurso de Puebla, lembrou quais são os três pilares sobre os quais deve
assentar uma autêntica teologia da libertação: a verdade sobre Jesus Cristo, a
verdade sobre a Igreja e a verdade sobre o homem. [18]
VI - UMA NOVA
INTERPRETAÇÃO DO CRISTIANISMO
1.
Não se pode esquecer a ingente soma de trabalho desinteressado realizado por
cristãos, pastores, sacerdotes, religiosos e leigos que, impelidos pelo amor a
seus irmãos que vivem em condições desumanas, se esforçam por prestar auxílio e
proporcionar alívio aos inumeráveis males que são frutos da miséria. Entre
eles, alguns preocupam-se por encontrar os meios eficazes que permitam pôr fim,
o mais depressa possível, a uma situação intolerável.
2.
O zelo e a compaixão, que devem ocupar um lugar no coração de todos os
pastores, correm por vezes o risco de se desorientar ou de serem desviados para
iniciativas não menos prejudiciais ao homem e à sua dignidade do que a própria
miséria que se combate, se não se prestar suficiente atenção a certas
tentações.
3.
O sentimento angustiante da urgência dos problemas não pode levar a perder de
vista o essencial, nem fazer esquecer a resposta de Jesus ao Tentador (Mt 4,
4): “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de
Deus” (Dt 8, 3). Assim, sucede que alguns, diante da urgência de repartir o
pão, são tentados a colocar entre parênteses e a adiar para amanhã a
evangelização: primeiro o pão, a Palavra mais tarde. É um erro fatal separar as
duas coisas, até chegar a opô-las. O senso cristão, aliás, espontaneamente
sugere a muitos que façam uma e outra. [19]
4.
A alguns parece até que a luta necessária para obter justiça e liberdade
humanas, entendidas no sentido económico e político, constitua o essencial e a
totalidade da salvação. Para estes, o Evangelho se reduz a um evangelho
puramente terrestre.
5.
É em relação à opção preferencial pelos pobres, reafirmada com vigor e sem
meios termos, após Medellín, na Conferência de Puebla [20] de um lado, e à
tentação de reduzir o Evangelho da salvação a um evangelho terrestre, de outro
lado, que se situam as diversas teologias da libertação.
6.
Lembremos que a opção preferencial, definida em Puebla, é dupla: pelos pobres e
pelos jovens. [21] É significativo que a opção pela juventude seja, de maneira geral,
totalmente silenciada.
7.
Dissemos acima (cf. IV, 1) que existe uma autêntica “teologia da libertação”,
aquela que lança raízes na Palavra de Deus, devidamente interpretada.
8.
Mas sob um ponto de vista descritivo, convém falar das teologias da libertação,
pois a expressão abrange posições teológicas, ou até mesmo ideológicas, não
apenas diferentes, mas até, muitas vezes, incompatíveis entre si.
9.
No presente documento tratar-se-á somente das produções daquela corrente de
pensamento que, sob o nome de “teologia da libertação”, propõem uma
interpretação inovadora do conteúdo da fé e da existência cristã, interpretação
que se afasta gravemente da fé da Igreja, mais ainda, constitui uma negação
prática dessa fé.
10.
Conceitos tomados por empréstimo, de maneira a-crítica, à ideologia marxista e
o recurso a teses de uma hermenêutica bíblica marcada pelo racionalismo
encontram-se na raiz da nova interpretação, que vem corromper o que havia de
autêntico no generoso empenho inicial em favor dos pobres.
VII - A ANÁLISE MARXISTA
1.
A impaciência e o desejo de ser eficazes levaram alguns cristãos, perdida a
confiança em qualquer outro método, a voltarem-se para aquilo que chamam de “análise
marxista”.
2.
O seu raciocínio é o seguinte: uma situação intolerável e explosiva exige uma acção
eficaz que não pode mais ser adiada. Uma acção eficaz supõe uma análise
científica das causas estruturais da miséria. Ora, o marxismo aperfeiçoou um
instrumental para semelhante análise. Bastará pois aplicá-lo à situação do Terceiro
Mundo e especialmente à situação da América Latina.
3.
Que o conhecimento científico da situação e dos possíveis caminhos de
transformação social seja o pressuposto de uma acção capaz de levar aos objectivos
prefixados, é evidente. Vai nisto um sinal de seriedade no compromisso.
4.
O termo “científico”, porém, exerce uma fascinação quase mítica; nem tudo o que
ostenta a etiqueta de científico o é necessariamente. Por isso tomar emprestado
um método de abordagem da realidade é algo que deve ser precedido de um exame
crítico de natureza epistemológica. Ora, este prévio exame crítico falta a
várias “teologias da libertação”.
5.
Nas ciências humanas e sociais, convém estar atento antes de tudo à pluralidade
de métodos e de pontos de vista, cada um dos quais põe em evidência um só
aspecto da realidade; esta em virtude de sua complexidade, escapa a uma
explicação unitária e unívoca.
6.
No caso do marxismo, tal como se pretende utilizar na conjuntura de que
falamos, tanto mais se impõe a crítica prévia, quanto o pensamento de Marx
constitui uma concepção totalizante do mundo, na qual numerosos dados de
observação e de análise descritiva são integrados numa estrutura
filosófico-ideológica, que determina o significado e a importância relativa que
se lhes atribui. Os a priori ideológicos são pressupostos para a leitura da
realidade social. Assim, a dissociação dos elementos heterogéneos que compõem
esta amálgama epistemologicamente híbrida torna-se impossível, de modo que,
acreditando aceitar somente o que se apresenta como análise, se é forçado a
aceitar, ao mesmo tempo, a ideologia. Por isso não é raro que sejam os aspectos
ideológicos que predominem nos empréstimos que diversos “teólogos da libertação”
pedem aos autores marxistas.
7.
A advertência de Paulo VI continua ainda hoje plenamente aatual: através do
marxismo, tal como è vivido concretamente, podem distinguir-se diversos
aspectos e diversas questões propostas à reflexão e à acção dos cristãos.
Entretanto, “seria ilusório e perigoso chegar ao ponto de esquecer o vínculo
estreito que os liga radicalmente, aceitar os elementos da análise marxista sem
reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da luta de classes
e da sua interpretação marxista sem tentar perceber o tipo de sociedade totalitária
à qual este processo conduz”. [22]
8.
É verdade que desde as origens, mais acentuadamente porém nestes últimos anos,
o pensamento marxista se diversificou, dando origem a diversas correntes que
divergem consideravelmente entre si. Na medida, porém, em que se mantêm
verdadeiramente marxistas, estas correntes continuam a estar vinculadas a um
certo número de teses fundamentais que não são compatíveis com a concepção
cristã do homem e da sociedade. Neste contexto, certas fórmulas não são
neutras, mas conservam o significado que receberam na doutrina marxista
original. É o que acontece com a “luta de classes”. Esta expressão continua
impregnada da interpretação que Marx lhe deu e não poderia, por conseguinte,
ser considerada, como um equivalente, de carácter empírico, da expressão “conflito
social agudo”. Aqueles que se servem de semelhantes fórmulas, pretendendo reter
apenas certos elementos da análise marxista, que de resto seria rejeitada na
sua globalidade, alimentam pelo menos um grave mal-entendido no espírito de
seus leitores.
9.
Lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, da sua liberdade e dos
seus direitos, se encontram no centro da concepção marxista. Esta contém de facto
erros que ameaçam directamente as verdades de fé sobre o destino eterno das
pessoas. Ainda mais: querer integrar na teologia uma “análise” cujos critérios
de interpretação dependam desta concepção ateia, significa embrenhar-se em desastrosas
contradições. O desconhecimento da natureza espiritual da pessoa, aliás, leva a
subordiná-la totalmente à colectividade e deste modo a negar os princípios de
uma vida social e política em conformidade com a dignidade humana.
10.
O exame crítico dos métodos de análise tomados de outras disciplinas impõe-se
de maneira particular ao teólogo. É a luz da fé que fornece à teologia seus
princípios. Por isso a utilização, por parte dos teólogos, de elementos
filosóficos ou das ciências humanas tem um valor “instrumental” e deve ser objecto
de um discernimento crítico de natureza teológica. Por outras palavras, o
critério final e decisivo da verdade não pode ser, em última análise, senão um
critério teológico. É à luz da fé, e daquilo que ela nos ensina sobre a verdade
do homem e sobre o sentido último de seu destino, que se deve julgar da
validade ou do grau de validade daquilo que as outras disciplinas propõem, de
resto, muitas vezes à maneira de conjectura, como sendo verdades sobre o homem,
sobre a sua história e sobre o seu destino.
11.
Aplicados à realidade económica, social e política de hoje, certos esquemas de
interpretação tomados de correntes do pensamento marxista podem apresentar, à
primeira vista, alguma verosimilhança na medida em que a situação de alguns
países oferece analogias com aquilo que Marx descreveu e interpretou, em meados
do século passado. Tomando por base estas analogias, operam-se simplificações
que, abstraindo de factores essenciais específicos, impedem, de facto, uma
análise verdadeiramente rigorosa das causas da miséria, mantêm as confusões.
12.
Em certas regiões da América Latina, a monopolização de grande parte das
riquezas por uma oligarquia de proprietários desprovidos de consciência social,
a quase ausência ou as carências do estado de direito, as ditaduras militares
que conculcam os direitos elementares do homem, o abuso do poder por parte de alguns
dirigentes, as manobras selvagens de algum capital estrangeiro, constituem
outros tantos factores que alimentam um violento sentimento de revolta junto
àqueles que, deste modo, se consideram vítimas impotentes de um novo
colonialismo de cunho tecnológico, financeiro, monetário ou económico. A tomada
de consciência das injustiças é acompanhada por un pathos que pede muitas vezes
emprestado ao marxismo o seu discurso, apresentado abusivamente como sendo um
discurso “científico”.
13.
A primeira condição para uma análise é a total docilidade à realidade que se
pretende descrever. Por isso, uma consciência crítica deve acompanhar o uso das
hipóteses de trabalho que se adoptam. É necessário saber que correspondem a um
ponto de vista particular, o que tem por consequência inevitável sublinhar
unilateralmente certos aspectos do real, deixando outros na sombra. Esta
limitação, que deriva da natureza das ciências sociais, é ignorada por aqueles
que, à guisa de hipóteses reconhecidas como tais, recorrem a uma concepção
totalizante, como é o pensamento de Marx.
(cont)
(Revisão
da versão portuguesa por ama)
______________________________________________
Notas:
[14]
Cf. AAS 71, 1979, pp. 1144-1160.
[15]
Cf. AAS 71, 1979, p. 196.
[16]
Cf. Evangelii nuntiandi, nn. 25-33: AAS 68, 1976, pp. 23-28.
[17]
Cf. Evangelii nuntiandi, n. 32: AAS 68, 1976, p. 27.
[18]
Cf. AAS 71, 1979, pp. 188-196.
[19]
Cf. Gaudium et spes, n. 39; Pio XI, Quadragesimo anno: AAS 23, 1931, p. 207.
[20]
Cf. nn. 1134-1165 e nn. 1166-1205.
[21]
Cf. Doc. de Puebla, IV, 2.
[22]
Paulo PP. VI, Octogesima adveniens, n. 34: AAS 63, 1971, pp. 424-425.