26/12/2014

Ano litúrgico, Cristo no tempo

Ao oferecer-te aquela História de Jesus, pus como dedicatória: Que procures a Cristo. Que encontres a Cristo. Que ames a Cristo. – São três etapas claríssimas. Tentaste, pelo menos, viver a primeira? (Caminho, 382)

A história humana é e será sempre uma “história de salvação”, e é isto o que a Igreja celebra no ano litúrgico. As festas e tempos não são “aniversários”, uma mera repetição de alguns momentos históricos da vida do Senhor; são a celebração da sua presença, a actualização da salvação que o Padre, por Jesus Cristo, nos comunica no Espírito Santo.

A Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II apresenta o ano litúrgico com estas palavras: «A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar, em determinados dias do ano, a memória sagrada da obra de salvação do seu divino Esposo» (Sacrosanctum Concilium, 102). Cada ano litúrgico é, pois, uma nova oportunidade de graça e de presença do Senhor da história na nossa própria história quotidiana, nos acontecimentos -também nos mais insignificantes- de cada dia.

Aquele que é o mesmo, que era e que será, vem a nós no tempo, aqui e agora, para viver o presente, o de cada um, com os seus irmãos os homens.

O ano litúrgico está impregnado pela presença de salvação do Senhor para que em cada tempo litúrgico -com as suas características concretas- os cristãos possamos ser mais semelhantes a Ele, não só no sentido moral de imitação, de mudança de costumes e de melhoramento na conduta, mas de verdadeira identificação sacramental -imediata- com a vida de Cristo. Assim, a nossa vida diária converte-se num culto agradável ao Pai por acção do Espírito (cfr. Rom. 12, 1-2).

Já a partir dos primeiros séculos, à celebração dos mistérios de Cristo, a Igreja uniu a celebração da Virgem e do dia da passagem para casa do Pai dos mártires e dos santos. Com a sua vida, souberam dar testemunho da vida de Cristo, especialmente da Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão gloriosa ao Céu. Por isso ao longo do ano litúrgico são apresentados aos fiéis cristãos como exemplo de amor a Deus.


Frequentemente, o Senhor fala-nos do prémio que nos ganhou com a sua Morte e Ressurreição. Vou preparar um lugar para vós. Depois que Eu tiver ido e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo para que, onde eu estou, estejais vós também (Cfr. Jo. XIV, 2-3). O Céu é a meta do nosso caminho terreno. Jesus Cristo precedeu-nos e ali, na companhia da Virgem e de S. José -a quem tanto venero- dos Anjos e dos Santos, aguarda a nossa chegada. (Amigos de Deus, 220)

Ev. Coment. L. esp. (Amigos de Deus)

Oitava do Natal

Santo Estevão – Primeiro Mártir

Evangelho: Mt 10 17-22

17 Acautelai-vos dos homens, porque vos farão comparecer nos seus tribunais e vos açoitarão nas sinagogas. 18 Sereis levados por Minha causa à presença dos governadores e dos reis, para dar testemunho diante deles e diante dos gentios. 19 Quando vos entregarem, não cuideis como ou o que haveis de falar, porque naquela hora vos será inspirado o que haveis de dizer. 20 Porque não sereis vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é o que falará em vós. 21 O irmão entregará à morte o seu irmão e o pai o seu filho; os filhos se levantarão contra os pais e lhes darão a morte. 22 Vós, por causa do Meu nome, sereis odiados por todos; aquele, porém, que perseverar até ao fim será salvo.

Comentário:

A garantia dada por Jesus Cristo é consoladora: «Porque não sereis vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é o que falará em vós.»

A não ser assim, quem poderia resistir às violências sem nome, perseguições encarniçadas, assassínios impiedosos?

Quem, além do mais, se atreveria, ainda nos tempos de hoje em que recrudesce o ódio aos cristãos, a afirmar-se como seguidor fiel e dedicado do Salvador?

E, no entanto, todos os dias, por cada cristão perseguido e aniquilado surge uma, duas e mais dezenas de homens, mulheres e jovens que abraçam decididamente a Fé Cristã.

Porque, e esta é a verdade, a Igreja fundada por Jesus Cristo, não perecerá nem soçobrará não importando as ondas alterosas que tentam submergi-la.

(ama, comentário sobre Mt 10, 17-22, 2013.12.26)
 

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Amigos de Deus 177 a 182

177         
Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação... que cada um saiba usar o seu corpo santa e honestamente, não se abandonando às paixões, como fazem os pagãos que não conhecem a Deus. Pertencemos totalmente a Deus, com a alma e com o corpo, com a carne e com os ossos, com os sentidos e com as potências. Pedi-lhe com confiança: Jesus, guarda o nosso coração! Faz com que o meu coração seja grande, forte e terno, afectuoso e delicado, transbordante de caridade para Ti, para servir todas as almas.

O nosso corpo é santo, templo de Deus, precisa S. Paulo. Esta exclamação do Apóstolo recorda-me o chamamento à santidade, que o Mestre dirige a todos os homens: Estote perfecti sicut et Pater vester caelestis perfectus est. O Senhor pede a todos, sem discriminação alguma, correspondência à graça. O Senhor exige a cada um, de acordo com a sua situação pessoal, a prática das virtudes próprias dos filhos de Deus.

Por isso, ao recordar-vos que o cristão tem de guardar uma castidade perfeita, estou a referir-me a todos: aos solteiros, que devem cingir-se a uma completa continência, e aos casados, que vivem castamente, cumprindo as obrigações próprias do seu estado.

Com o espírito de Deus, a castidade, longe de ser um peso incómodo e humilhante, torna-se uma afirmação gozosa, porque o querer, o domínio e a vitória não são dados pela carne nem vêm do instinto, mas procedem da vontade, sobretudo se está unida à do Senhor. Para ser castos e não simplesmente continentes ou honestos, temos de submeter as paixões à razão, por uma causa elevada, por um impulso de Amor.

Comparo esta virtude a umas asas que nos permitem levar os mandamentos, a doutrina de Deus por todos os ambientes da terra, sem receio de ficar enlameados. Essas asas, tal como as da aves majestosas que sobem mais alto que as nuvens, pesam e pesam muito, mas, se faltassem, não seria possível voar. Gravai isto na vossa mente, decididos a não ceder quando sentirdes a garra da tentação, que se insinua apresentando a pureza como uma carga insuportável. Ânimo! Subi até ao sol, em busca do Amor!

178         
Com Deus nos nossos corpos

Causou-me sempre muita pena o costume de algumas pessoas - tantas! - que escolhem como nota constante dos seus ensinamentos a impureza. Com isso, conseguem - comprovei-o em bastantes almas - exactamente o contrário do que pretendem, porque a impureza é matéria mais pegajosa que o pez e deforma as consciências com complexos ou medos, como se a pureza da alma fosse um obstáculo quase insuperável. Nós não faremos assim! Temos de tratar da santa pureza com pensamentos positivos e limpos, com palavras modestas e claras.

Discorrer sobre este tema, significa dialogar sobre o Amor. Tenho de vos dizer que para esse efeito me ajuda considerar a Humanidade Santíssima de Nosso Senhor, a maravilha inefável de Deus que se humilha, até fazer-se homem. E que não se sente aviltado por ter tomado carne igual à nossa, com todas as suas limitações e fraquezas, menos o pecado, porque nos ama com loucura! Ele não se rebaixa com o seu aniquilamento e, em troca, levanta-nos, deificando-nos o corpo e a alma. Responder afirmativamente ao seu Amor com um carinho claro, ardente e ordenado, isso é a virtude da castidade.

Temos de gritar a todo o mundo com a palavra e com o testemunho da nossa conduta: não empeçonhemos o coração, como se fôssemos pobres animais dominados pelos instintos mais baixos. Um escritor cristão exprime-o assim: Reparai que o 0coração do homem não é pequeno, pois abraça muitas coisas. Medi essa grandeza, não pelas suas dimensões físicas, mas pelo poder do seu pensamento, capaz de alcançar o conhecimento de tantas verdades. É possível preparar o caminho do Senhor no coração, traçar uma vereda direita, para que passem por ali o Verbo e a Sabedoria de Deus. Preparai com uma conduta honesta e com obras irrepreensíveis o caminho do Senhor, aplanai a estrada para que o Verbo de Deus caminhe por vós sem tropeçar e vos dê o conhecimento dos seus mistérios e da sua vinda.

Revela-nos a Escritura Santa que a grandiosa obra da santificação, tarefa oculta e magnífica do Paráclito, se verifica na alma e no corpo. Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? - clama o Apóstolo. Tomarei eu, pois, os membros de Cristo e fá-los-ei membros de uma prostituta? (...) Não sabeis, porventura, que os vossos corpos são templos do Espírito Santo, que habita em vós, o qual vos foi dado por Deus e que não pertenceis a vós mesmos, porque fostes comprados por um grande preço? Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo.

179         
Alguns, quando ouvem falar de castidade, sorriem. É um sorriso - um esgar - sem alegria, morto, de mentes retorcidas. A grande maioria, repetem, não acredita nisso! Eu costumava dizer aos rapazes que me acompanhavam pelos hospitais e bairros da periferia de Madrid, há muitos anos atrás: pensai que há um reino mineral; outro, mais perfeito, o reino vegetal, no qual, à mera existência se acrescenta a vida; e, depois outro, o reino animal, formado quase sempre por seres com sensibilidade e movimento.

Explicava-lhes também, de um modo pouco académico mas expressivo, que deveríamos instituir outro reino: o hominal, o reino dos humanos. Na verdade, as criaturas racionais possuem uma inteligência admirável, reflexo da Sabedoria divina, que lhes permite raciocinar por sua conta e exercer essa liberdade maravilhosa, com que podem aceitar ou recusar uma coisa ou outra por seu arbítrio.

Pois neste reino dos homens - comentava-lhes eu, com a experiência do meu trabalho sacerdotal tão intenso - para uma pessoa normal, o tema do sexo ocupa um quarto ou quinto lugar. Primeiro, estão as aspirações da vida espiritual, aquela que cada um tiver; a seguir, as questões que interessam ao homem e à mulher corrente: o pai, a mãe, o seu lar; depois a profissão e, muito além, em quarto ou quinto lugar aparece o impulso sexual.

Por isso, sempre que conheci pessoas que convertiam este assunto no tema central da sua conversa e dos seus interesses, pensei que eram anormais, uns pobres desgraçados, talvez doentes. E acrescentava, provocando com isto um momento de riso e de piada entre os rapazes, que esses infelizes me faziam tanto dó como um rapaz com a cabeça grande, enorme, de um metro de perímetro! São gente infeliz e, da nossa parte, além das orações, nasce uma fraterna compaixão, porque desejamos que se curem de tão triste doença. O que não são é nem mais homens nem mais mulheres que aqueles que como nós, não estão obcecados pelo sexo.

180         
A castidade é possível

Todos nós temos paixões e todos enfrentamos, em qualquer idade, as mesmas dificuldades. Temos, por isso, de lutar. Lembrai-vos do que escrevia S. Paulo: datus est mihi stimulus carnis meæ, angelus Satanæ, qui me colaphizet, rebela-se o estímulo da carne, que é como um anjo de Satanás, que me esbofeteia para que eu não seja soberbo.

Não se pode viver uma vida limpa sem assistência divina. Deus quer que sejamos humildes e peçamos o seu auxílio. Deves pedir com confiança a Nossa Senhora, agora mesmo, na solidão acompanhada do teu coração, silenciosamente: Minha Mãe, este meu pobre coração rebela-se tolamente... se tu não me proteges... E amparar-te-á para que o guardes puro e percorras o caminho a que Deus te chamou.

Filhos: humildade, humildade! Aprendamos a ser humildes. Para guardar o Amor é preciso prudência, é preciso vigiar com cuidado e não se deixar dominar pelo medo. Entre os clássicos de espiritualidade, muitos comparam o demónio a um cão raivoso, preso a uma corrente: se não nos aproximarmos, não morde, ainda que ladre continuamente. Se fomentardes a humildade nas vossas almas, de certeza que evitareis as tentações, reagireis com a valentia de fugir e socorrer-vos-eis diariamente do auxílio do Céu para avançar com garbo por este caminho de apaixonados.

181         
Reparai que aquele que está apodrecido pela concupiscência da carne não consegue andar espiritualmente e é incapaz de qualquer obra boa. É um aleijado que permanece estirado no chão como um trapo. Nunca vistes os doentes com paralisias progressivas, que não conseguem ter força nem pôr-se de pé? Às vezes nem sequer mexem a cabeça! Pois isso acontece, na vida sobrenatural, aos que não são humildes e aos que se entregaram cobardemente à luxúria. Não vêem, não ouvem, nem percebem nada. Estão paralíticos e parecem loucos. Cada um de nós deve invocar o Senhor e a Mãe de Deus e pedir-lhes a humildade e a decisão de aproveitar piedosamente o divino remédio da confissão. Não permitais que se instale na vossa alma um foco de podridão, ainda que seja muito pequeno. Falai! Quando a água corre, é límpida; quando estagna, forma um charco, enche-se de porcaria repugnante e em vez de água potável passa a ser um caldo de bichos.

Que a castidade é possível e constitui uma fonte de alegria, sabei-lo tão bem como eu, muito embora tenhais consciência de que exige, de quando em quando, alguma luta. Ouçamos de novo S. Paulo: Comprazo-me na lei de Deus, segundo o homem interior, mas, ao mesmo tempo, encontro nos meus membros outra lei, a qual resiste à lei do meu espírito e me subjuga à lei do pecado, que está nos membros do meu corpo. Oh, que homem tão infeliz eu sou! Quem me livrará deste corpo de morte?. Grita mais ainda, se precisas, mas não exageremos: sufficit tibi gratia mea, basta-te a minha graça, responde-nos o Senhor.

182         
Tive oportunidade de observar, em algumas ocasiões, como reluziam os olhos de um desportista, perante os obstáculos que tinha de saltar. Que vitória! Observai como domina as dificuldades! Assim nos contempla Deus, que ama a nossa luta: seremos sempre vencedores, porque nunca nos nega a omnipotência da sua graça. E não importa então que haja luta, porque Ele não nos abandona.

A castidade é combate e não renúncia, já que respondemos com uma afirmação gozosa, com uma entrega livre e alegre. Não deves limitar-te a fugir da queda ou da ocasião, nem o teu comportamento deve reduzir-se, de maneira alguma, a uma negação fria e matemática. Já te convenceste de que a castidade é uma virtude e, como tal, deve desenvolver-se e aperfeiçoar-se? Não basta ser continente, cada um segundo o seu estado. Insisto: temos de viver castamente, com virtude heróica. Este comportamento é um acto positivo, com o qual aceitamos de boa vontade o pedido de Deus: Præbe, fili mi, cor tuum mihi et oculi tui vias meas custodiant, entrega-me, meu filho, o teu coração e espraia os teus olhos pelos meus campos de paz.

Pergunto-te eu, agora: como encaras tu esta batalha? Bem sabes que a luta já está vencida, se a mantivermos desde o princípio. Afasta-te imediatamente do perigo, mal percebas as primeiras chispas de paixão, e até antes. Fala, além disso, com quem dirige a tua alma; se possível antes, porque abrindo o coração de par em par não serás derrotado. Um acto repetido várias vezes cria um hábito, uma inclinação, uma facilidade. É preciso, pois, batalhar para alcançar o hábito da virtude, o hábito da mortificação, para não recusar o Amor dos Amores.

Meditai no conselho de S. Paulo a Timóteo: Te ipsum castum custodi, conserva-te a ti mesmo puro, para estarmos, também, sempre vigilantes, decididos a defender o tesouro que Deus nos entregou. Ao longo da minha vida, quantas e quantas pessoas não ouvi queixarem-se: Ah! Se eu tivesse cortado ao princípio! E diziam-no cheias de aflição e de vergonha.

(cont)







Temas para meditar - 315


Amor de Deus


Poderia, é verdade, dar-te a tua coroa sem nada disto, mas quero estar-te agradecido e que venhas depois receber o teu prémio confiadamente. Por isso, Eu, que posso alimentar-Me por Mim mesmo, prefiro dar voltas ao teu redor, pedindo, e estender a Minha mão à tua porta. O Meu amor chegou a tanto, que quero que tu Me alimentes. Por isso prefiro, como amigo, a tua mesa; disso Me glorio e te mostro ante todo o mundo como Meu benfeitor.


(são joão crisóstomo, Homília 15 sobre a Epístola aos Romanos)

Tratado do verbo encarnado 71

Questão 9: Da ciência de Cristo em geral

Art. 4 — Se Cristo tinha alguma ciência experimental adquirida.

O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não tinha nenhuma ciência experimental adquirida.

1 — Pois, tudo o conveniente a Cristo ele tinha excelentissimamente. Ora, Cristo não tinha uma ciência adquirida excelentíssima, pois, não se aplicou ao estudo das letras pelo qual se adquire perfeitissimamente a ciência. Assim, refere o Evangelho: E admiravam-se os Judeus dizendo — Como sabe este, letras, não as tendo estudado? Logo, parece que Cristo não tinha nenhuma ciência adquirida.

2 Demais. — Ao completo nada se lhe pode acrescentar. Ora, a potência da alma de Cristo ficou completada pelas espécies inteligíveis infundidas por Deus, como se disse. Logo, não se lhe podiam acrescentar à alma quaisquer espécies adquiridas.

Demais. — Quem já possui o hábito da ciência não adquire novos hábitos pelo que conhece por meio dos sentidos, porque então nele coexistiriam duas formas da mesma espécie, mas, o hábito que havia antes é confirmado e aumentado. Logo, como Cristo tinha o hábito da ciência infusa, parece que, pelo que percebia pelos sentidos, não adquiriu nenhuma outra ciência.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Sendo Filho de Deus, aprendeu a obediência pelas coisas que padeceu, isto é, que experimentou, comenta a Glosa. Logo, Cristo teve uma ciência experimental, que é a ciência adquirida.

Como do sobredito resulta, nada do que Deus infundiu na nossa natureza faltou à natureza humana assumida pelo Verbo de Deus. Ora, é manifesto que em a natureza humana Deus não somente infundiu o intelecto possível, mas também o intelecto agente. Donde necessariamente se conclui, que a alma de Cristo não somente tinha o intelecto possível, mas também o agente. Se pois, nos outros seres, Deus e a natureza não fizeram nada em vão, como diz o Filósofo, com muito maior razão nada fez de vão na alma de Cristo. Ora, é vão o que não tem uma operação própria, no dizer de Aristóteles, pois, todo ser é feito para as suas operações, como também ele o diz. Ora, a operação própria do intelecto agente é tornar as espécies inteligíveis em acto, abstraindo-as dos fantasmas, donde o dizer-se que o intelecto agente é o que tem o poder de fazer todas as coisas. Donde é necessário concluir-se que em Cristo havia certas espécies inteligíveis, pela acção do intelecto agente recebidos no seu intelecto possível. O que é ele ter tido uma ciência adquirida, a que alguns chamam experimental.

Portanto, embora noutro lugar tivesse escrito diferentemente, devemos dizer que Cristo teve uma ciência adquirida. A qual é propriamente uma ciência ao modo humano, não só por parte do sujeito recipiente, mas ainda pelo lado da causa agente. Pois, atribuímos a Cristo essa ciência segundo o lume do intelecto agente, conatural à alma humana. Ao passo que a ciência infusa lhe é atribuída segundo o lume infuso do alto, e esse modo de conhecer é proporcionado à natureza angélica. Mas a ciência da bem-aventurança, pela qual é vista a própria essência mema de Deus, é própria e conatural só a Deus, como dissemos na Primeira Parte.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Há dois modos de se adquirir a ciência: a invenção e a disciplina. A invenção é o modo principal, o pela disciplina é secundário. Donde o dizer Aristóteles: Ultimo é o que sabe tudo por si mesmo, bom, porém, quem aproveita tudo que lhe ensinam. Por isso, a Cristo antes cabia ter a ciência adquirida pela invenção do que pela disciplina, sobretudo porque Deus o ia dar a todos como Doutor, segundo a Escritura: Alegrai-vos no Senhor vosso Deus, porque ele vos deu um doutor que ensinará a justiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A inteligência é capaz de uma dupla contemplação. Uma, do que lhe é superior. E por esta a alma de Cristo tinha a plenitude que lhe dava a ciência infusa. A outra é do que lhe é inferior, isto é, dos fantasmas, cuja natureza é mover a inteligência humana por virtude do intelecto agente. Ora, era necessário, que também por essa contemplação a alma de Cristo tivesse a plenitude da ciência. Não que a primeira plenitude não bastasse por si mesma, à inteligência humana, mas porque lhe era necessária a perfeição também relativamente aos fantasmas.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Uma é a natureza do hábito adquirido e outra, a do hábito infuso. Assim, o hábito da ciência adquire-se pela relação da alma humana com os fantasmas, por isso, pelo mesmo ponto de vista não pode um hábito ser repetidamente adquirido. Mas, o hábito da ciência infusa tem outra natureza, como descendo de um superior, para a alma e não segundo uma proporção com os fantasmas. Logo, não há paridade entre um e outro hábito.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Jesus Cristo e a Igreja - 48

O que é o Santo Graal e que relações tem com o Santo Cálice?

A palavra “graal”, etimologicamente, vem do latim tardio “gradalis” ou “gratalis”, que deriva do latim clássico “crater”, vaso. Nos livros de cavalaria da Idade Média, entende-se que é o recipiente ou cálice em que Jesus consagrou o seu sangue, na Última Ceia, e que depois utilizou José de Arimateia para recolher o sangue e a água derramados ao lavar o corpo de Jesus. Anos depois, segundo esses livros, José levou-o consigo para as Ilhas Britânicas (ver a pergunta “Quem foi José de Arimateia?" e fundou uma comunidade de guardas da relíquia, que mais tarde ficaria ligada aos Templários.

É provável que esta lenda tenha nascido no País de Gales, inspirando-se em fontes antigas latinizadas, como poderiam ser as Actas de Pilatos, uma obra apócrifa do século V. Com a saga celta de Perceval ou Parsifal – relacionada com as histórias do rei Artur e desenvolvida em obras como Le Conte du Graal, de Chrétien de Troyes, Percival de Wolfram von Eschenbach ou Le Morte Darthur, de Thomas Malory – a lenda é enriquecida e difunde-se. O Graal converte-se numa pedra preciosa que, guardada durante um tempo por anjos, foi confiada à guarda dos cavaleiros da Ordem do Santo Graal e do seu chefe, o rei do Graal. Todos os anos, na Sexta-feira Santa, desce uma pomba do céu e, depois de depositar uma hóstia sobre a pedra, renova o seu poder e a sua força misteriosa, que comunica uma perpétua juventude e pode saciar qualquer desejo de comer e beber. De vez em quando, umas inscrições na pedra revelam os nomes daqueles que estão
chamados à bem-aventurança eterna na cidade do Graal, em Montsalvage.
Esta lenda, pela sua temática, está relacionada com o cálice que utilizou Jesus na última ceia e sobre o qual existem várias tradições antigas. Fundamentalmente, são três. A mais antiga é do século VII, e conta que um peregrino anglo-saxónico afirma ter visto e tocado o cálice que utilizou Jesus, na igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém. Era de prata e tinha duas asas à vista.

Uma segunda tradição diz que esse cálice é o que se conserva na catedral de São Lourenço de Génova.
É chamado o Sacro Catino. É de vidro verde, com a forma de um prato, e teria sido levado para Génova pelos cruzados, no século XII. Segundo uma terceira tradição, o cálice da Última Ceia é aquele que se conserva na catedral de Valência (Espanha) e se venera como o Santo Cálice. Trata-se de um cálice de calcedónia, de cor muito escura, que teria sido levado para Roma por São Pedro e utilizado ali pelos seus sucessores até que, no século III, devido às perseguições foi entregue à guarda de São Lourenço, que o levou para Huesca. Depois de ter estado em diversos lugares de Aragão teria sido levado para Valência, no século XV.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.