15/09/2019

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá


Amigos de Deus


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Os discípulos, todavia - escreve S. João - não sabiam que era Jesus. Disse-lhes, pois, Jesus: Moços, tendes alguma coisa de comer?
Esta cena tão familiar de Cristo, a mim, enche-me de alegria.
Que diga isto Jesus Cristo, Deus!
Ele, que já tem corpo glorioso!
Lançai a rede para o lado direito da barca e encontrareis.
Lançaram a rede e já não a podiam tirar por causa da grande quanti­dade de peixes.
Agora compreendem.
Recordam o que tinham ouvido tantas vezes dos lábios do Mestre: pescadores de homens, apóstolos!...
E compreendem que tudo é possível, porque é Ele quem dirige a pesca.

Então aquele discípulo que Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor!
O amor vê.
E de longe.
O amor é o primeiro a captar aquela delicadeza.
O Apóstolo adolescente, com o firme carinho que sentia por Jesus, pois amava Cristo com toda a pureza e toda a ternura de um coração que nunca se corrompera, exclamou: É o Senhor!

Simão Pedro, mal ouviu dizer que era o Senhor, cingiu a túnica e lançou-se ao mar.
Pedro é a fé.
 E lança-se ao mar, com uma audácia maravilhosa.
Com o amor de João e a fé de Pedro, aonde podemos nós chegar!?

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As almas são de Deus

Os outros discípulos foram com a barca, porque não estavam distantes de terra, senão duzentos côvados, tirando a rede cheia de peixes. Em seguida põem a pesca aos pés do Senhor, porque é sua, para que aprendamos que as almas são de Deus, que ninguém nesta terra pode atribuir a si mesmo essa propriedade, que o apostolado da Igreja - a palavra e a realidade da salvação - não se baseia no prestígio de algumas pessoas, mas na graça divina.

Jesus Cristo interroga Pedro por três vezes, como se lhe quisesse dar a oportunidade de reparar a sua tripla negação.
Pedro já aprendeu, escarmentado com a sua própria miséria: está pro­fundamente convencido de que são inúteis aqueles seus alardes temerários; tem consciência da sua debilidade.
Por isso, põe tudo nas mãos de Cristo: Senhor, tu sabes que eu te amo... Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo.
E que responde Cristo?
Apascenta os meus cordeiros; apascenta as minhas ovelhas.
Não as tuas, não as vossas; as minhas!
Porque foi Ele quem criou o homem, Ele quem o redimiu, Ele quem comprou cada alma, uma a uma, repito, com o preço do seu Sangue.

Quando os donatistas, no século V, lançavam os seus ataques contra os católicos, diziam ser impossível que o bispo de Hipona, Agostinho, professasse a verdade, porque tinha sido um grande pecador. E Santo Agostinho sugeria aos seus irmãos na fé como haviam de replicar: Agostinho é bispo na Igreja Católica.
Ele leva a carga, de que há-de dar contas a Deus.
Conheci-o entre os bons.
Se é mau, ele o sabe; se é bom, nem por isso deposito nele a minha esperança.
Porque a primeira coisa que aprendi na Igreja Católica foi a não pôr a minha esperança num homem.

Não fazemos o nosso apostolado.
Então, como havemos de dizer?
Fazemos - porque Deus o quer, porque assim no-lo mandou: ide por todo o mundo e pregai o Evangelho - o apostolado de Cristo.
Os erros são nossos; os frutos, do Senhor.

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Audácia para falar de Deus

E como realizaremos esse apostolado?
Antes de mais, com o exemplo, vivendo de acordo com a Vontade do Pai, como Jesus Cristo nos revelou com a sua vida e os seus ensinamentos.
Fé verdadeira é aquela que não permite que as acções contradigam o que se afirma com as palavras.
Devemos medir a autenticidade da nossa fé examinando a nossa con­duta pessoal. Se não nos esforçamos por realizar com os nossos actos o que confessamos com os lábios, não somos sinceramente crentes

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Vem agora a propósito recordar um episódio que põe em evidência o esplêndido vigor apostólico dos primeiros cristãos.
Não tinha passado um quarto de século desde que Jesus subira aos céus e já em muitas cidades e povoados se propagava a sua fama.
A Éfeso chega um homem chamado Apolo, varão eloquente e versado nas Escrituras.
Estava instruído no caminho do Senhor; pregava com fervor de espírito e ensinava com exactidão o que dizia respeito a Jesus, embora só conhecesse o baptismo de João.

Na mente desse homem já se tinha insinuado a luz de Cristo.
Ouvira falar d'Ele e anuncia-o aos outros.
Mas ainda lhe faltava um pouco de caminho para se informar melhor, abraçar totalmente a fé e amar deveras o Senhor.
Áquila e Priscila, um casal em que ambos são cristãos, ouvem as suas palavras e não ficam inactivos, indiferentes.
Não pensam: este já sabe bastante; não temos por que lhe dar lições.
Como eram almas com autêntica preocupação apostólica, foram ter com Apolo, levaram-no consigo e instruíram-no mais a fundo na doutrina do Senhor.

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Admirai também o comportamento de S. Paulo: prisioneiro, por divulgar os ensinamentos de Cristo, não desaproveita ocasião alguma para difundir o Evangelho. Diante de Festo e Agripa, não duvida em declarar: Graças ao auxílio de Deus, perseverei até ao dia de hoje, dando testemunho da verdade a pequenos e grandes, não pregando senão o que Moisés e os profetas disseram que havia de suceder: que Cristo havia de padecer, e que seria o primeiro a ressuscitar dos mortos, e que anunciaria a luz a este povo e aos gentios.

O apóstolo não se cala, não oculta a sua fé nem a actividade apostólica que tinha provocado o ódio dos seus perseguidores; continua a anunciar a salvação a toda a gente.
E com uma audácia maravilhosa enfrenta-se com Agripa: Crês, ó rei Agripa, nos profetas? Eu sei que crês.
Quando Agripa comenta: Por pouco não me persuades a fazer-me cris­tão, Paulo disse-lhe: Prouvera a Deus que, por pouco ou muito, não somente tu, mas também quantos me ouvem se fizessem hoje tais como eu sou, menos estas cadeias.

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Donde tirava S. Paulo esta força?
Omnia possum in eo qui me confortat!
Tudo posso, porque só Deus me dá esta fé, esta esperança, esta caridade.
Custa-me muito acreditar na eficácia sobrenatural de um apostolado que não esteja apoiado, solidamente centrado, numa vida de contínua intimidade com o Senhor.
E isto no meio do trabalho, dentro de casa ou no meio da rua, com todos os problemas mais ou menos importantes que surgem todos o dias.
Em qualquer sítio onde se esteja, mas com o coração em Deus.
E então as nossas palavras e as nossas acções - até as nossas misérias! - exalarão o bonus odor Christi, o bom odor de Cristo, que os outros forçosamente hão-de sentir: aí está um verdadeiro cristão.

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Se cedesses à tentação de perguntar a ti mesmo: quem me manda a mim meter-me nisto? teria de responder-te: manda-to, pede-to o próprio Cristo.
A messe é grande e os operários são poucos.
Rogai, pois, ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe.
Não digas, comodamente: eu para isto não sirvo; para isto já há outros; não estou feito para isto...
Não.
Para isto não há outros.
Se tu pudesses falar assim, todos podiam dizer a mesma coisa.
O pedido de Cristo dirige-se a todos e cada um dos cristãos. Ninguém está dispensado: nem por razões de idade, nem de saúde, nem de ocupação.
Não há desculpas de nenhum género.
Ou produzimos frutos de apostolado ou a nossa fé será estéril.

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Além disso, quem disse que para falar de Cristo, para difundir a sua doutrina, era preciso fazer coisas especiais, fora do comum?
Faz a tua vida normal; trabalha onde estás a trabalhar, procurando cumprir os deveres do teu estado, acabar bem o que é próprio da tua profissão ou do teu ofício, superando-te, melhorando-te dia-a-dia.
Sê leal, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo.
Sê mortificado e alegre.
Será esse o teu apostolado.
E, sem saberes porquê, tendo perfeita consciência das tuas misérias, os que te rodeiam virão ter contigo e, numa conversa natural, simples - à saída do trabalho, numa reunião familiar, no autocarro, ao dar um passeio, em qualquer parte - falareis de inquietações que em todas as almas existem, embora às vezes alguns não queiram dar por isso.
Mas cada vez as perceberão melhor, desde que comecem a procurar Deus a sério.

Pede a Maria, Regina apostolorum, que te decidas a participar nas ân­sias de sementeira e de pesca que estão no Coração do seu Filho. Garanto-te que, se começares, terás a barca cheia, como os pescadores da Galileia.
E Cristo na margem, à tua espera. Porque a pesca é sua.

(cont)


Pequena agenda do cristão

DOMINGO



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Viver a família.

Senhor, que a minha família seja um espelho da Tua Família em Nazareth, que cada um, absolutamente, contribua para a união de todos pondo de lado diferenças, azedumes, queixas que afastam e escurecem o ambiente. Que os lares de cada um sejam luminosos e alegres.

Lembrar-me:
Cultivar a Fé

São Tomé, prostrado a Teus pés, disse-te: Meu Senhor e meu Deus!
Não tenho pena nem inveja de não ter estado presente. Tu mesmo disseste: Bem-aventurados os que crêem sem terem visto.
E eu creio, Senhor.
Creio firmemente que Tu és o Cristo Redentor que me salvou para a vida eterna, o meu Deus e Senhor a quem quero amar com todas as minhas forças e, a quem ofereço a minha vida. Sou bem pouca coisa, não sei sequer para que me queres mas, se me crias-te é porque tens planos para mim. Quero cumpri-los com todo o meu coração.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?

Temas para meditar e reflectir

Vocação Cristã

A vocação cristã, dom e chamada do Pai, leva-nos, sob a acção do Espírito Santo, à configuração com Jesus Cristo. 
Revestidos de Cristo no sacramento do Baptismo e fortalecidos na Eucaristia com a comunhão do Seu Corpo e do Seu Sangue, fomos feitos partícipes da Sua condição e da Sua missão filais. 
Nós cristãos devemos sentir-nos enviados por Cristo – como Ele próprio foi enviado pelo Seu Pai – a anunciar, com a nossa vida e as nossas obras, o Evangelho do Reino de Deus.

(Javier Echevarría, Itinerarios de Vida Cristiana, Planeta, pg. 23, trad ama)







Evangelho e comentário


TEMPO COMUM



Evangelho: Lc 15, 1-10

Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles». Jesus disse-lhes então a seguinte parábola: «Quem de vós, que possua cem ovelhas e tenha perdido uma delas, não deixa as outras noventa e nove no deserto, para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar? Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, chama os amigos e vizinhos e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’. Eu vos digo: Assim haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se arrependa, do que por noventa e nove justos, que não precisam de arrependimento. Ou então, qual é a mulher que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e procura cuidadosamente a moeda até a encontrar? Quando a encontra, chama as amigas e vizinhas e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida’. Eu vos digo: Assim haverá alegria entre os Anjos de Deus por um só pecador que se arrependa».

Comentário:

«Alegrai-vos comigo» quer o Senhor dizer-nos quando alguém transviado regressa à Casa Paterna.
Deus quer partilhar com todos os seus Filhos a Sua alegria!
Tal espanta-nos e comove-nos.
Um Deus assim que é AMOR, não guarda só para Si absolutamente nada, deseja partilhar tudo com toda a Sua Família Divina, a que está no Céu – os Anjos e Santos – e a que está na terra que somos todos os homens.

Rezemos com frequência diária para que se convertam e regressem muitos dos nossos irmãos transviados e assim, dando glória a Deus, partilharemos da Sua Alegria.

(ama, comentário sobre Lc 15, 1-10, Porto, 05.11.2015)


Não te fias em nada de ti, e te fias em tudo de Deus


Nunca te tinhas sentido tão livre, libérrimo, como agora que a tua liberdade está tecida de amor e desprendimento, de segurança e insegurança, porque já não te fias em nada de ti, e te fias em tudo de Deus. (Sulco, 787)

O amor de Deus é ciumento; não fica satisfeito, se nos apresentarmos com condições no encontro marcado: espera com impaciência que nos entreguemos totalmente, que não guardemos no coração recantos escuros, onde o gozo e a alegria da graça e dos dons sobrenaturais não consigam chegar. Talvez pensem: responder sim a esse Amor exclusivo não é, porventura, perder a liberdade?

(…) Cada um de nós sabe por experiência que, algumas vezes, seguir Cristo Nosso Senhor implica dor e fadiga. Negar esta realidade significaria não se ter encontrado com Deus. A alma apaixonada sabe que essa dor é uma impressão passageira e bem depressa descobre que o seu peso é leve e a sua carga suave, porque Ele a leva às costas, tal como se abraçou ao madeiro quando estava em jogo a nossa felicidade eterna. Mas há homens que não entendem, que se revoltam contra o Criador – uma rebelião impotente, mesquinha, triste –, que repetem cegamente a queixa inútil que o Salmo regista: Quebremos os seus laços! Para longe de nós o seu jugo. Resistem a realizar, com silêncio heróico, com naturalidade, sem brilho e sem lamentações, o trabalho duro de cada dia. Não compreendem que a Vontade divina, mesmo quando se apresenta com matizes de dor, de exigências que ferem, coincide exactamente com a liberdade, que só reside em Deus e nos seus desígnios.

São almas que fazem barricadas com a liberdade. A minha liberdade, a minha liberdade! Têm-na e não a seguem; olham-na e põem-na como um ídolo de barro dentro do seu entendimento mesquinho. É isso liberdade? Que aproveitam dessa riqueza sem um compromisso sério, que oriente toda a existência? Um tal comportamento opõe-se à categoria própria, à nobreza, da pessoa humana. Falta a rota, o caminho claro que oriente os seus passos na terra; essas almas – decerto já as encontraram, como eu – depressa se deixarão arrastar pela vaidade pueril, pela presunção egoísta, pela sensualidade. (Amigos de Deus, 28–29)