Advento IV Semana
Evangelho: Lc 1 57-66
57 Completou-se para Isabel o tempo de
dar à luz e deu à luz um filho. 58 Os seus vizinhos e parentes
ouviram falar da graça que o Senhor lhe tinha feito e congratulavam-se com ela.
59 Aconteceu que, ao oitavo dia, foram circuncidar o menino e
chamavam-lhe Zacarias, do nome do pai. 60 Interveio, porém, sua mãe
e disse: «Não; mas será chamado João». 61 Disseram-lhe: «Ninguém há
na tua família que tenha este nome». 62 E perguntavam por acenos ao
pai como queria que se chamasse. 63 Ele, pedindo uma tabuinha,
escreveu assim: «O seu nome é João». Todos ficaram admirados.64 E
logo se abriu a sua boca, soltou-se a língua e falava bendizendo a Deus. 65
O temor se apoderou de todos os seus vizinhos, e divulgaram-se todas estas
maravilhas por todas as montanhas da Judeia. 66 Todos os que as
ouviram as ponderavam no seu coração, dizendo: «Quem virá a ser este menino?».
Porque a mão do Senhor estava com ele.
Comentário:
O maior dos
profetas no Antigo Testamento e o menor no Reino dos Céus! Assim o apelidou
Jesus.
De facto o Reino de Deus só estará definitivamente instalado na terra
depois da Ressurreição de Cristo, muito depois da morte de João.
Este primo direito do Senhor talvez tenha sido o “primeiro dos últimos” - que o
Senhor refere na Sua pregação.
Seja como for a figura deste homem é incontornável já que está intimamente
ligada à história da salvação da humanidade.
(ama,
comentário sobre Lc 1, 57-66. 80, 2014.06.24)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 151 a 158
151
Os paus pintados de
vermelho
Ficaram
bem gravados na minha cabeça de menino aqueles sinais que, nas montanhas da
minha terra, colocavam nas bermas dos caminhos. Chamaram-me a atenção uns paus
altos, geralmente pintados de vermelho. Explicaram-me então que, quando a neve
cai e cobre os caminhos, sementeiras e pastos, bosques, rochedos e barrancos,
essas estacas saltam à vista como pontos de referência seguros. E assim toda a
gente sabe sempre por onde vai o caminho.
Na
vida interior acontece uma coisa parecida. Há primaveras e verões, mas também
chegam os invernos, dias sem sol e noites órfãs de lua. Não podemos permitir
que a intimidade com Jesus Cristo dependa do nosso estado de espírito ou das
mudanças do nosso carácter. Essas atitudes são sinal de egoísmo, de comodismo
e, evidentemente, não se coadunam com o amor.
Por
isso, nos momentos de nevão e de borrasca, algumas práticas de piedade sólidas,
nada sentimentais, bem arreigadas e ajustadas às circunstâncias próprias de
cada um, serão como os tais paus pintados de vermelho, que continuam a
marcar-nos o rumo, até que o Senhor decida que brilhe de novo o sol, se derreta
o gelo e o coração volte a vibrar, inflamado com um fogo que, na realidade,
nunca esteve apagado - foi apenas um rescaldo oculto pela cinza de uma
temporada de provação, de menos empenho ou de reduzido sacrifício.
152
Não
oculto que, ao longo destes anos, houve quem viesse ter comigo e me dissesse,
compungido pela dor: Padre, não sei o que se passa comigo, sinto--me cansado e
frio; a minha piedade, que dantes era tão segura e simples, parece-me uma
comédia... Pois aos que passam por essa situação e a todos vós respondo: uma
comédia? Magnífico! O Senhor está a brincar connosco como um pai com os filhos.
Lê-se
na Escritura: Iudens in orbe terrarum, que Ele brinca em toda a superfície da
terra. Mas Deus não nos abandona, porque imediatamente acrescenta: deliciæ meæ
esse cum filiis hominum, a minha delícia é estar com os filhos dos homens. O
Senhor brinca connosco. E quando nos parecer que estamos a representar uma
comédia, por nos sentirmos gelados e apáticos, quando estivermos aborrecidos e
sem vontade de fazer nada, quando nos custar cumprir o nosso dever e alcançar
as metas espirituais que nos tínhamos proposto, é altura de pensar que Deus
brinca connosco e espera então que saibamos representar a nossa comédia com
galhardia.
Não
me importo de vos contar que, em algumas ocasiões, o Senhor me concedeu muitas
graças, mas que geralmente vou a contrapelo. Prossigo o meu plano de vida, não
porque me agrade, mas porque devo fazê-lo por Amor. Mas, Padre, pode-se
representar uma comédia diante de Deus? Não será uma hipocrisia? Não te
inquietes, pois chegou para ti o momento de entrares numa comédia humana que
tem um espectador divino. Persevera, pois o Pai, o Filho e o Espírito Santo
assistem a essa tua comédia. Faz tudo por amor de Deus, para lhe agradar, mesmo
que te custe.
Que
bonito é ser jogral de Deus! Como é belo representar essa comédia por Amor, com
sacrifício, sem nenhuma satisfação pessoal, para agradar ao nosso Pai Deus, que
brinca connosco! Põe-te diante do Senhor e diz-lhe confiadamente: não me
apetece nada fazer isto, mas oferecê-lo-ei por Ti. E ocupa-te a sério desse
trabalho, ainda que penses que é uma comédia. Abençoada comédia! Garanto-te que
não se trata de hipocrisia, porque os hipócritas, para os seus fingimentos,
necessitam de público. Pelo contrário, os espectadores desta nossa comédia,
deixa-me repetir-to, são o Pai, o Filho e o Espírito Santo; a Virgem
Santíssima, S. José e todos os Anjos e Santos do Céu. Na nossa vida interior
não há outro espectáculo senão esse: é Cristo que passa quasi in occulto, ocultamente.
153
Iubilate
Deo. Exsultate Deo adiutori nostro. Louvai a Deus. Exultai de alegria no
Senhor, nossa única ajuda. Jesus, quem não compreende isto, não conhece nada de
amores, nem de pecados, nem mesmo de misérias! Eu sou um pobre homem e entendo
de pecados, de amores e de misérias. Sabeis o que é elevar-se até ao coração de
Deus? Compreendeis o que é uma alma pôr-se diante do Senhor, abrir-lhe o
coração e contar-lhe as suas queixas? Eu queixo-me, por exemplo, quando leva
para junto d'Ele gente nova, que ainda o poderia servir e amar muitos anos na
terra, porque não consigo compreender isso. Mas são gemidos de confiança, pois
sei que, se me afastasse dos braços de Deus, logo a seguir tropeçaria. Por
isso, acrescento imediatamente, devagar, enquanto aceito os desígnios do Céu:
faça-se, cumpra-se, seja louvada e eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima
Vontade de Deus sobre todas as coisas. Amen. Amen.
Este
é o modo de proceder que nos ensina o Evangelho, a habilidade mais santa e a
fonte de eficácia no apostolado; este é o manancial do nosso amor e da nossa
paz de filhos de Deus, a via pela qual podemos transmitir aos homens carinho e
serenidade. Só assim conseguiremos acabar os nossos dias no Amor, tendo
santificado o nosso trabalho, procurando aí a felicidade escondida das coisas
de Deus. Conduzir-nos-emos com a santa desvergonha das crianças e rejeitaremos
a vergonha - a hipocrisia - dos adultos, que receiam voltar para o Pai, depois
do fracasso de uma queda.
Termino
com a saudação do Senhor que se lê hoje no Santo Evangelho: pax vobis! A paz
seja convosco... E encheram-se de alegria os discípulos, ao ver o Senhor, esse
Senhor que nos acompanha até ao Pai.
154
Aqui
estamos, consummati in unum, em unidade de petição e de intenções, dispostos a
começar este tempo de conversa com o Senhor com renovado desejo de sermos
instrumentos eficazes nas suas mãos. Diante de Jesus Sacramentado - como gosto
de fazer um acto de fé explícita na presença real do Senhor na Eucaristia! - fomentai
nos vossos corações o desejo de transmitir, pela vossa oração, um impulso
fortíssimo que chegue a todos os lugares da terra, até ao último recanto do
planeta, onde houver alguém gastando a sua existência ao serviço de Deus e das
almas. Com efeito, graças à inefável realidade da Comunhão dos Santos, somos
solidários - cooperadores, diz S. João - na tarefa de difundir a verdade e a
paz do Senhor.
É
lógico que pensemos no nosso modo de imitar o Mestre; que nos detenhamos a
reflectir sobre isso, para aprendermos directamente da vida do Senhor algumas
das virtudes que devem resplandecer na nossa conduta, se aspiramos deveras a
estender o reinado de Cristo.
155
A prudência, virtude
necessária
Na
passagem do Evangelho de S. Mateus da missa de hoje, lemos: tunc abeuntes
pharisæi, consilium inierunt ut caperent eum in sermone, reuniram-se os
fariseus a fim de combinarem entre si como poderiam apanhar Jesus nas suas
palavras. Não esqueçais que este sistema, próprio dos hipócritas, continua a
ser táctica corrente no nosso tempo. Julgo que a erva má dos fariseus nunca se
extinguirá do mundo; tem gozado sempre de uma prodigiosa fecundidade. Talvez o
Senhor permita que ela cresça para nos tornar prudentes, a nós, seus filhos,
porque a virtude da prudência é imprescindível para quem quer que tenha de dar
critério, de fortalecer, de corrigir, de animar, de alentar os outros. Aliás,
qualquer cristão deve actuar em relação aos que o rodeiam precisamente assim,
como apóstolo, aproveitando as circunstâncias do seu trabalho quotidiano.
Levanto
neste momento o coração a Deus e peço, por mediação da Virgem Santíssima - que
está na Igreja, mas sobre a Igreja: entre Cristo e a Igreja, para proteger,
reinar e ser Mãe dos homens, como o é de Jesus, Senhor Nosso-; peço que conceda
a prudência a todos nós, mas especialmente àqueles que, metidos na torrente
circulatória da sociedade, desejam trabalhar por Deus. Realmente, convém-nos
aprender a ser prudentes.
156
Continua
o episódio evangélico: e enviaram discípulos seus (dos fariseus) juntamente com
alguns herodianos, que lhe disseram: Mestre.... vede com que intenção retorcida
lhe chamam Mestre; fingem-se admiradores e amigos, dão-lhe um tratamento reservado
à autoridade de quem se espera receber ensinamentos. Magister, scimus quia
verax es, sabemos que és verdadeiro... Que astúcia tão infame! Já vistes maior
duplicidade? Andai por este mundo com cuidado. Não sejais desconfiados; mas
deveis sentir sobre os vossos ombros - recordando a imagem do Bom Pastor que
aparece nas catacumbas - o peso dessa ovelha, que não é uma alma apenas, mas a
Igreja inteira, a Humanidade inteira.
Ao
mesmo tempo que aceitais com brio esta responsabilidade, haveis de ser audazes
e haveis de ser prudentes para defender e proclamar os direitos de Deus. E
então, pela integridade do vosso comportamento, muitos vos considerarão e vos
chamarão mestres, sem vós o pretenderdes, pois não procuramos a glória terrena.
Mas não estranheis se, entre tantos que se aproximam de vós, se infiltrarem
alguns que só pretendem adular-vos. Gravai nas vossas almas o que me tendes
ouvido repetidas vezes: nem as calúnias, nem as murmurações, nem os respeitos
humanos, nem o que dirão, nem muito menos os louvores hipócritas nos hão-de
impedir jamais de cumprir o nosso dever.
157
Lembrais-vos
da parábola do bom Samaritano? Ficou aquele homem caído no caminho, maltratado
pelos ladrões que lhe roubaram tudo, até ao último centavo. Passam por aquele
lugar um sacerdote da Antiga Lei e pouco depois um levita; ambos seguem o seu
caminho sem se preocuparem. Mas um Samaritano, que ia de viagem, chegou perto
dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximando-se, ligou-lhe as feridas,
deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o
para uma estalagem e cuidou dele em tudo. Reparai que o Senhor não refere este
exemplo só para uso de algumas almas, pois logo acrescenta, respondendo ao que
lhe tinha feito a pergunta - a cada um de nós -: Vai, e faz tu o mesmo.
Portanto,
quando nos apercebemos de que na nossa vida ou na dos outros alguma coisa corre
mal, alguma coisa precisa do auxílio espiritual e humano, que nós, filhos de
Deus, podemos e devemos prestar, uma clara manifestação de prudência consistirá
em dar-lhe remédio oportuno, a fundo, com caridade e com fortaleza, com
sinceridade. Não valem as inibições. É errado pensar que com omissões ou adiamentos
se resolvem os problemas.
Sempre
que a situação o requeira, a prudência exige que se aplique o remédio
totalmente e sem paliativos, depois de pôr a chaga a descoberto.
Ao
notar os menores sintomas do mal, sede simples, verazes, quer sejais vós a
curar os outros, quer sejais vós a receber essa assistência. Nesses casos,
deve-se permitir à pessoa que está em condições de curar em nome de Deus que
aperte de longe a zona infectada e depois de mais perto, até sair todo o pus,
de modo que o foco da infecção acabe por ficar bem limpo. Em primeiro lugar,
temos que proceder assim connosco mesmos e com quem, por motivos de justiça ou
caridade, temos obrigação de ajudar. Rezo nesse sentido especialmente pelos
pais e por quem se dedica a tarefas de formação e de ensino.
158
Os respeitos humanos
Que
nenhuma razão hipócrita vos detenha; aplicai o remédio próprio; mas fazei-o com
mãos maternais, com a infinita delicadeza das nossas mães, quando nos curavam
as feridas, grandes ou pequenas, provocadas pelas nossas brincadeiras e pelas
nossas quedas da infância. Se é preciso esperar umas horas, espera-se; nunca
mais tempo do que o imprescindível, pois outra atitude seria comodismo,
cobardia, coisa bem diferente da prudência. Rejeitai, todos vós, principalmente
os que tendes o encargo de formar outras pessoas, o medo de desinfectar a ferida.
É
possível que alguém sussurre arteiramente ao ouvido dos que devem curar e não
se decidem ou não querem enfrentar-se com a sua missão: Mestre, sabemos que és
verdadeiro. Não tolereis o elogio irónico. Os que não se esforçam por levar a
cabo a sua tarefa com diligência nem são mestres, pois não ensinam o caminho
autêntico, nem são verdadeiros, pois com a sua falsa prudência consideram
exageradas ou desprezam as normas claras - mil vezes comprovadas pela recta
conduta, pela idade, pela ciência do bom governo, pelo conhecimento da fraqueza
humana e pelo amor a cada ovelha - que nos levam a falar, a intervir, a mostrar
interesse.
Os
falsos mestres são dominados pelo medo de apurar a verdade. Aflige-os a simples
ideia - que constitui uma obrigação - de recorrer ao antídoto doloroso em
determinadas circunstâncias. Em tal atitude - convencei-vos disso - não há
prudência, nem piedade, nem sensatez; o que essa atitude reflecte é
pusilanimidade, falta de responsabilidade, insensatez e pouca inteligência.
Esses são os mesmos que depois, perante o desastre, dominados pelo pânico,
pretendem atalhar o mal quando já é tarde. Não se lembram de que a virtude da
prudência exige recolher e transmitir a tempo o conselho sereno da maturidade,
da experiência antiga, do olhar límpido, da língua sem travas.
(cont)