JESUS CRISTO NOSSO SALVADOR
Iniciação à Cristologia
PRIMEIRA PARTE
A PESSOA DE JESUS CRISTO
Capítulo III
A REALIDADE DA ENCARNAÇÂO DO FILHO DE DEUS
4. O nome de «Filho de Deus» na Sagrada Escritura
a) O título de «Filho de Deus»
O Antigo
Testamento dá o título de «Filho de Deus» aos anjos (cf. Dt 32,8),
ao povo eleito (cf. 4,22) e aos seus reis (cf. Sam 7,14).
Significa então uma filiação adoptiva, umas relações de uma intimidade
particular entre Deus e a sua criatura. Por isso, quando se chama «Filho de
Deus» ao Messias (cf. Sal 2,7) os judeus entendiam que o designava
como um simples homem singularmente bendito por Deus
De modo
semelhante, os seguidores do racionalismo dizem que Cristo de pode chamar
«filho de Deus» nesse sentido geral, pois n’Ele se desenvolveu de forma
singular a consciência da Filiação Divina e se deixou conduzir exemplarmente
pelo Espírito divino; quer dizer, viveu a Filiação Divina com especial
intensidade, mas não é filho de Deus em sentido próprio e ontológico. Todavia
tal não é assim. Vejamo-lo.
b) Jesus é o Filho único de Deus, da mesma natureza
do Pai
É
suficiente o dito sobre a pré-existência de Jesus, sobre a sua igualdade com o
Pai, etc., para ver que Jesus quando se declara Filho de Deus significava que
era verdadeiro Deus nascido do Pai. Assim o entendiam os que o escutavam: «Por isto os judeus procuravam com mais
afinco matá-lo, pois (…) dizia que Deus era eu Pai, fazendo-se igual a Deus»
(Jo 5,17-25) e por isso o condenaram por blasfemo (cf. Mt
26,63-65). Vejamos agora alguns exemplos de Novo Testamento nos quais a
expressão «Filho de Deus» manifesta de modo claro o carácter novo e
transcendente da sua Filiação Divina.
Jesus distingue sempre a sua filiação ao Pai da
filiação dos demais homens com respeito a Deus.
Quando fala
com os discípulos não diz jamais «nosso Pai» mas sim «vosso Pai» ou «meu Pai»,
excepto para lhes ordenar «vós, pois,
orai assim: pai-nosso» (Mt 6,9); e sublinhou esta distinção:
«Meu Pai e vosso Pai» (Jo 20,17).
E na
parábola dos vinhateiros homicidas, referindo-se claríssimamente a si próprio e
à morte que o esperava, compara-se com o filho único do dono da vinha, que se
distingue dos servos enviados anteriormente pelo dono (cf. Mt 21,33-46).
Jesus é o Filho único de Deus, o Unigénito do Pai.
Ele é o «próprio filho» do Pai (Rom 8,3.32),
o Filho único de Deus, o Unigénito do Pai (cf. Jo 3,16,18).
Jesus é o Filho que tem uma identidade de natureza
com o Pai:
«Ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem
ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar»
(Mt 11,25-30). Esta identidade de conhecimento infinito entre o Pai
e o Filho implica uma identidade de natureza: Jesus é o Filho que tem a mesma
natureza de Deus Pai; Ele não é filho adoptivo de Deus, mas o Filho de Deus por
natureza.
Capítulo IV
O MISTÉRIO DA UNIDADE PESSOAL DE JESUS CRISTO
Até agora
temos visto que Jesus é verdadeiro Deus, engendrado pelo Pai antes do tempo; e
que é verdadeiro homem, engendrado por sua Mãe Maria no tempo; consubstancial
ao Pai segundo a divindade e consubstancial connosco segundo a humanidade.
Perfeito Deus e perfeito homem.
Agora temos
que ver como se unem o divino e o humano em Nosso Senhor. Também aqui
estudaremos os principais problemas históricos que se colocaram, e depois
daremos algumas explicações para clarificar os conceitos e podermos entender um
pouco melhor este profundíssimo mistério que ultrapassa sempre toda a
capacidade humana.
1. A união das duas naturezas na única pessoa de Jesus
Cristo
2.
a) A unidade em Cristo
A heresia
nestoriana e o concílio de Éfeso
O nestorianismo.
Nestório,
patriarca de Constantinopla (séculos IV-V), pregou que o título de Theotokos (Mãe de Deus) não era
aplicável a Santa Maria. Via em Cristo uma pessoa humana juntamente com a
pessoa divina do Filho de Deus, como duas pessoas distintas; a Virgem seria a
Mãe dessa pessoa humana, de Cristo, mas não do Filho de Deus.
Nestório
sustenta que a união entre
as naturezas divina e a humana de Cristo não é segundo a hypóstasis (segundo a
pessoa), mas só uma união moral entre dois sujeitos (como um casal). Por esta
união o Verbo comunicaria à pessoa humana de Jesus a sua dignidade, ao mesmo
tempo que também existiria entre eles uma identidade de vontade e de acção: o
Verbo inabitaria em Cristo e obraria milagres por meio dele. Por isso não
admite que se atribuam ao Verbo as acções e paixões que segundo ele são da
pessoa humana de Jesus: não se poderia dizer que o Filho de Deus nasceu de
Maria, nem que morreu, etc.
Nestório
foi refutado sobretudo por São Cirilo de Alexandria, e condenado no concílio de
Éfeso.
O concílio de Éfeso (ano 431).
Face à
heresia nestoriana, este concílio declarou que a humanidade de Cristo não tem
mais sujeito que a pessoa divina do Filho de Deus, que assumiu essa natureza
humana e a fez sua desde a sua concepção. Por isso Maria é com toda a verdade
«Mãe de Deus», não porque o Verbo de Deus tenha tomado dela a sua natureza
divina, mas porque dela (…) nasceu o Verbo segundo a carne.
Este
concílio põe a força dos seus ensinamentos na união das duas naturezas de Jesus
Cristo num único sujeito pessoal, na união segundo
a hypóstasis: trata-se de uma união incompreensível mas que é real e
ontológica. O Verbo na verdade tornou sua a natureza humana, de tal forma que
lhe pertence realmente, não só moralmente. O Verbo é o único sujeito de todos
os actos divinos e humano de Cristo, como ensina o símbolo de Niceia (o Filho
de Deus eterno, pelo qual se fizeram todas as coisas, encarnou de Maria Virgem,
foi crucificado, foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, etc.).
A doutrina
da maternidade divina de Santa Maria é o reflexo desta doutrina cristológica.
b) A dualidade de natureza. A heresia monofisista e
o concílio de Calcedónia
O monofisismo.
Eutiques
superior de um mosteiro de Constantinopla (século V), afirmou que Cristo tem
uma só natureza composta de duas naturezas distintas. Antes da Encarnação
poder-se-ia falar de duas naturezas distintas, a divina e a humana; mas depois
da Encarnação em Cristo só há uma.
Cristo procederia ex duabus naturis,
mas de facto não estaria subsistindo in
duabus naturis: teria uma só natureza composta pelas duas, ainda que na
realidade, a humanidade teria sido absorvida na infinita pessoa do Filho de
Deus.
O Papa São
Leão Magno e o concílio de Calcedónia condenaram esta doutrina.
O concílio de Calcedónia (451).
O quarto
concílio ecuménico ensinou, contra o monofisismo, que «há que confessar a um só
e mesmo Filho e Senhor nosso Jesus Cristo: perfeito na divindade, e perfeito na
humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem (…) Há-de
reconhecer-se a um só e o mesmo Cristo Senhor, Filho único do Pai, em duas
naturezas (in duabus naturis), sem
confusão, sem troca, sem divisão, sem separação. A diferença de naturezas de
nenhum modo fica suprimida pela sua união, antes ficam a salvo as propriedades
de cada uma das naturezas e confluem num só sujeito e em só pessoa».
As duas
naturezas unem-se em Cristo sem confusão e sem troca ou transmutação entre
elas: Deus é transcendente, permanece imutável e não se converte em criatura, a
passo que o humano permanece humano e não se transforma em Deus. Jesus Cristo
não é uma mistura intermédia de ambos os modos de ser: não existe uma natureza
composta pela divina e a humana. Não se apagou de modo algum a infinita
diferença e distância entre o Criador e a criatura. E, além disso, as duas
naturezas em Cristo unem-se sem divisão e sem separação, como uma união
profundíssima e misteriosa, na pessoa do Verbo.
A chave do
ensinamento do concílio de Calcedónia está na distinção entre pessoa e
natureza: em Cristo duas são as naturezas e uma é a pessoa. Esta distinção não
nasce da filosofia helénica mas sim, pelo contrário, nasce da fé e transcende
por completo o pensamento grego. Além disso, estes termos não são tomados num
sentido tecnicamente filosófico, antes se usam no amplo significado corrente
que distingue entre o que é um (sua
natureza ou modo de ser que é comum a outros: por ex. um ser humano), e quem um é (a sua pessoa que é
individual: p. ex. Pedro).
Os teólogos
posteriores explicarão também que se tornaria impossível a união da divindade e
da humanidade numa única natureza misturada de ambas, pois a divindade é
imutável e absolutamente simples, e não pode deixar de ser o que era e começar
a ser outra coisa, nem pode ser parte de uma natureza composta. Além disso, tal
união iria contra a fé, pois Cristo já não seria Deus, e tampouco seria
verdadeiro homem, mas outra coisa
2. Algumas explicações sobre o mistério da unidade
ontológica de Cristo
Vimos que a
Tradição e o Magistério da Igreja chamam a Jesus Cristo pessoa ou hypóstasis, e
empregam, em troca, o termo natureza para designar a sua divindade e a sua
humanidade. E é evidente que falaram da unidade de Cristo em chave ontológica,
com termos de significado objectivo e real. Procuremos conhecer um pouco mais o
significado destes termos.
a) Explicação de algumas noções relativas ao dogma
Pessoa e hypóstasis.
Uma
«hypóstasis» o indivíduo é ma substância individual completa, subsistente em si
mesma, independente no seu ser de outros indivíduos. Chama-se também «pessoa»
quando se trata dos indivíduos mais dignos nos quais se verifica de modo mais
perfeito a noção de subsistir (ser por si mesmo): este é o caso dos seres
racionais que são donos dos seus actos; p. ex. este homem, Pedro.
Boécio
definiu a pessoa como rationalis naturae
individua substancia (substância individual de natureza racional),
assinalando assim que é uma realidade completa no seu ser (substancia), individual e diferente no que respeita aos outros (individua), e que se caracteriza por ser
racional ou intelectual (rationalis
naturae).
A pessoa é
pois um indivíduo, íntegro e independente no seu ser, que se possui a si mesmo
pelo conhecimento e a liberdade. Quando afirmamos que é individual e
independente no seu ser não queremos dizer que seja um ser fechado em si mesmo,
pois a pessoa só se realiza perfeitamente na abertura e na relação com os
outros.
Natureza.
«Natureza»
significa a essência específica, quer dizer, aquilo que especifica e define o
que uma coisa é; p. ex. a natureza de Pedro
é ser homem, a sua humanidade, ser da espécie humana. Também significa o
princípio interno pelo qual esse sujeito actua do modo que lhe é próprio, quer
dizer, a essência enquanto é o princípio das operações; p. ex. a natureza de Pedro é a sua condição humana com as suas faculdades
próprias pelas quais actua como homem.
Vicente
Ferrer Barriendos
(Tradução do castelhano por ama)