Art.
6 — Se Cristo pela sua Paixão mereceu ser exaltado.
O
sexto discute-se assim. — Parece que Cristo não mereceu ser exaltado pela sua
Paixão.
1. — Pois, assim como o conhecimento da
verdade é próprio de Deus, assim também a exaltação gloriosa, segundo a
Escritura: Excelso é o Senhor sobre
todas as gentes e a sua glória é sobre os céus. Ora, Cristo, enquanto homem
tinha conhecimento de toda a verdade, não em virtude de nenhum mérito
precedente, mas pela própria união de Deus com o homem, segundo o Evangelho: Nós vimos a sua glória, a sua glória como de
Filho unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. Logo, não mereceu a
sua exaltação pela Paixão, mas só pela união.
2. Demais. — Cristo mereceu para si
desde o primeiro instante da sua concepção, como se estabeleceu. Ora, a sua
caridade no tempo da Paixão não foi maior que antes. Donde, sendo a caridade o
princípio do mérito, parece que não mereceu a sua exaltação mais pela Paixão,
que
antes.
3. Demais. — A glória do corpo resulta da glória da alma, como diz Agostinho.
Ora, pela sua Paixão, Cristo não mereceu ser exaltado, quanto à glória da alma;
pois, a sua alma foi bem-aventurada desde o primeiro instante da sua concepção.
Logo, nem pela Paixão mereceu a exaltação quanto à glória do corpo.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Feito obediente até à morte e morte da cruz;
pelo que Deus o exaltou.
O mérito implica uma certa
igualdade com a justiça; donde o dizer o Apóstolo, ao que obra o jornal se lhe conta por dívida. Mas, quem, por
injusta vontade, se atribui mais do que lhe é devido, é justo que se lhe
diminua mesmo naquilo que lhe era devido; assim, como diz a Escritura, se alguém furtar uma ovelha restituirá
quatro. E dizemos que assim mereceu por lhe ter sido desse modo punida a
vontade iníqua. Do mesmo modo, quem se privou, por uma justa vontade, do que
devia possuir, merece que se lhe acrescente mais do que tinha, como recompensa
da sua vontade justa. Donde o dizer o Evangelho que quem se humilha será exaltado. Ora, Cristo, na sua Paixão,
humilhou-se a si mesmo, descendo abaixo da sua dignidade, de quatro maneiras. —
Primeiro, pela sua Paixão e morte, de que não era réu. — Segundo, quanto ao
lugar, pois o seu corpo foi posto no sepulcro e a alma, no inferno. — Terceiro,
quanto à confusão e aos opróbrios que sofreu. — Quarto, por ter sido entregue
ao poder humano, conforme ele mesmo o disse a Pilatos: Tu não terias sobre mim poder algum se ele não te fora dado de cima.
E assim, pela sua Paixão mereceu de quatro modos ser exaltado. — Primeiro, pela
ressurreição gloriosa. Por isso diz a Escritura: Tu me conheceste ao assentar-me, isto é, a humildade da minha Paixão, e
ao levantar-me — Segundo, pela ascensão do céu. Donde o dizer o Apóstolo: Antes havia descido aos lugares mais baixos
da terra; aquele que desceu esse mesmo é também o que subiu acima de todos os
céus. — Terceiro, por se ter sentado à dextra paterna e pela manifestação
da sua divindade, segundo a Escritura: Ele
será exaltado e elevado e ficará em alto grau sublimado; assim como pasmaram
muitos à vista de ti, assim será sem glória o seu aspecto entre os varões.
E o Apóstolo. Feito obediente até à morte
da cruz; pelo que Deus também o exaltou e lhe deu um nome que é sobre todo
nome, isto é, para que todos o tenham por Deus e como a Deus lhe prestem
reverência. Tal é o que o Apóstolo acrescenta: Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus,
na terra e nos infernos. - Quarto, quanto ao seu poder judiciário, conforme
a Escritura: A tua causa tem sido julgada
como a de um ímpio; ganharás a causa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
O princípio do mérito está na alma; quanto ao corpo, ele é o instrumento do acto
meritório. Donde, a perfeição da alma de Cristo, que foi o princípio do seu
merecimento, não a devia ele adquirir pelo mérito, como a perfeição do corpo,
que foi o sujeito da Paixão, sendo por isso o instrumento mesmo do mérito.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Pelos méritos
anteriores, Cristo mereceu a exaltação no concernente à sua alma, cuja vontade
era informada pela caridade e pelas outras virtudes. Mas na Paixão mereceu ser
exaltado a modo de uma certa recompensa, mesmo quanto ao corpo; pois, é justo
que o corpo, que fora pela caridade sujeito à Paixão, recebesse a sua
recompensa na glória.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Em virtude de uma
permissão divina é que a glória da alma de Cristo não lhe redundou, antes da
Paixão, ao corpo; para que assim alcançasse uma glória mais esplêndida para o
corpo, quando a tivesse merecido pela Paixão. Mas, não convinha que fosse
diferida a glória da alma, por estar esta unida imediatamente ao verbo; e por
isso devia ficar cheio de glória, pelo próprio Verbo. Ao contrário, o corpo
estava unido ao Verbo mediante a alma.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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