Advento III Semana
Evangelho: Mt 21 28-32
28 «Mas que vos
parece? Um homem tinha dois filhos. Aproximando-se do primeiro, disse-lhe:
“Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha”. 29 Ele respondeu: “Não
quero”. Mas, depois, arrependeu-se e foi. 30 Dirigindo-se em seguida
ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E ele respondeu: “Eu vou, senhor”, mas não
foi. 31 Qual dos dois fez a vontade do pai?». Eles responderam: «O
primeiro». Disse-lhes Jesus: «Na verdade vos digo que os publicanos e as
meretrizes vos precederão no reino de Deus. 32 Porque veio a vós
João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; e os publicanos e as
meretrizes creram nele. E vós, vendo isto, nem assim fizestes penitência
depois, crendo nele.
Comentário:
Fazer
a Tua Vontade não é dizer que sim é… fazer de facto. E, qual é a Tua vontade,
Senhor, que queres que faça?
Docere
me facere voluntatem Tuam!
Ensina-me,
Senhor, a fazer a Tua vontade!
Este
é o meu apelo matinal diário, certo que estou, que se fizer a Tua vontade em
tudo, mesmo nas coisas mais pequenas e insignificantes, estarei no caminho
certo.
(AMA,
Meditação, Mt 21, 28-32, Setembro 2008)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 84 a 93
84
Os frutos da temperança
Temperança
é domínio. Nem tudo o que experimentamos no corpo e na alma deve deixar-se à
rédea solta. Nem tudo o que se pode fazer se deve fazer. É mais cómodo
deixar-se arrastar pelos impulsos a que chamam naturais; mas no fim desse
caminho cada um encontra a tristeza, o isolamento na sua própria miséria.
Há
pessoas que não querem recusar nada ao estômago, aos olhos, às mãos; recusam-se
a ouvir quem as aconselha a viver uma vida limpa. Utilizam a faculdade de gerar
- que é uma realidade nobre, participação no poder criador de Deus -
desordenadamente, como um instrumento ao serviço do egoísmo.
Mas
nunca me agradou falar de impureza. Quero considerar os frutos da temperança,
quero ver o homem verdadeiramente homem, que não está preso às coisas que
brilham sem valor, como as bujigangas que a pega junta no ninho. Esse homem
sabe prescindir do que prejudica a sua alma e apercebe-se de que o sacrifício é
só aparente: porque ao viver assim - com sacrifício - livra-se de muitas escravidões
e consegue, no íntimo do seu coração, saborear todo o amor de Deus.
A
vida ganha então as perspectivas que a intemperança esbate; ficamos em
condições de nos preocuparmos com os outros, de compartilhar com todos o que
nos pertence, de nos dedicarmos a tarefas grandes. A temperança torna a alma
sóbria, modesta, compreensiva; facilita-lhe um recato natural que é sempre
atraente, porque se nota o domínio da inteligência na conduta. A temperança não
supõe limitação, mas grandeza. Há muito maior privação na intemperança, porque
o coração abdica de si próprio para servir o primeiro que lhe fizer soar aos
ouvidos o ruído de uns chocalhos de lata.
85
A sabedoria do coração
O
sábio de coração será chamado prudente, lê-se no livro dos Provérbios. Não
compreenderíamos a prudência se a concebêssemos como pusilanimidade e falta de
audácia. A prudência manifesta-se no hábito que predispõe a actuar bem: a
esclarecer o fim e a procurar os meios mais convenientes para o alcançar.
Mas
a prudência não é um valor supremo. Temos de perguntar sempre a nós próprios:
prudência, para quê? Porque existe uma falsa prudência - a que deveríamos antes
chamar astúcia - que está ao serviço do egoísmo, que se serve dos recursos mais
adequados para atingir fins retorcidos. Usar então de muita perspicácia não
leva senão a agravar a má disposição e a merecer aquela censura que Santo
Agostinho formulava, quando pregava ao povo: pretendes forçar o coração de
Deus, que é sempre recto, para que se acomode à perversidade do teu? Essa é a
falsa prudência daquele que pensa que as suas próprias forças são mais do que
suficientes para se justificar. Não vos queirais ter a vós mesmos por sábios ,
diz S. Paulo, porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e
reprovarei a prudência dos prudentes.
86
S.
Tomás aponta três actos deste bom hábito da inteligência: pedir conselho,
julgar rectamente e decidir. O primeiro passo da prudência é o reconhecimento
das nossas limitações: a virtude da humildade. Admitir, em determinadas
questões, que não conseguimos chegar a tudo, que não podemos abarcar, em tantos
e tantos casos, circunstâncias que é preciso não perder de vista à hora de
julgar. Por isso nos socorremos de um conselheiro. Não de um qualquer, mas de
quem estiver capacitado e animado pelos mesmos desejos sinceros de amar a Deus
e de o seguir fielmente. Não é suficiente pedir um parecer; temos de nos
dirigir a quem no-lo possa dar desinteressada e rectamente.
Depois,
é necessário julgar, porque a prudência exige habitualmente uma determinação
pronta e oportuna. Se às vezes é prudente atrasar a decisão até conseguir todos
os elementos do juízo, noutras ocasiões seria uma grande imprudência não
começar a pôr em prática, quanto antes, aquilo que julgamos necessário fazer,
especialmente quando está em jogo o bem dos outros.
87
Esta
sabedoria do coração, esta prudência nunca se converterá na prudência da carne
a que se refere S. Paulo: a daqueles que têm inteligência, mas procuram não a
utilizar para descobrir e amar Nosso Senhor. A verdadeira prudência é a que
permanece atenta às insinuações de Deus e, em vigilante escuta, recebe na alma
promessas e realidades de salvação: Eu te glorifico, Pai, Senhor do Céu e da
Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e prudentes e as revelastes
aos pequeninos.
Sabedoria
do coração que orienta e rege muitas outras virtudes. Pela prudência o homem é
audaz, sem insensatez; não evita, por ocultas razões de comodismo, o esforço
necessário para viver plenamente segundo os desígnios de Deus. A temperança do
prudente não é insensibilidade nem misantropia; a sua justiça não é dureza; a
sua paciência não é servilismo.
88
Não
é prudente quem nunca se engana, mas quem sabe rectificar os seus erros. É
prudente, porque prefere não acertar vinte vezes a deixar-se ficar num cómodo
abstencionismo. Não age com precipitação desenfreada ou com absurda temeridade,
mas assume o risco das suas decisões e não renuncia a conseguir o bem com medo
de não acertar. Na nossa vida encontramos companheiros ponderados, objectivos,
que não se deixam arrastar pela paixão inclinando a balança para o lado que
mais lhes convém. Quase instintivamente, fiamo-nos dessas pessoas, porque
procedem sempre bem, com rectidão, sem presunção e sem espectáculo.
Esta
virtude cordial é indispensável no cristão; mas os objectivos últimos da
prudência não são a concórdia social ou a tranquilidade de evitar fricções. O
motivo fundamental é o cumprimento da Vontade de Deus, que nos quer simples,
mas não pueris; amigos da verdade, mas nunca aturdidos ou superficiais. O coração
prudente possuirá a ciência ; e essa ciência é a do amor de Deus, o saber
definitivo, o que pode salvar-nos, dando a todas as criaturas frutos de paz e
de compreensão e, para cada alma, a vida eterna.
89
Um caminho normal
Tratamos
de virtudes humanas. E talvez algum possa perguntar: mas comportar-se assim não
significa isolar-se do ambiente normal, não é uma coisa alheia ao mundo de
todos os dias? Não. Não está escrito em nenhum sítio que o cristão deve ser um
personagem estranho ao mundo. Nosso Senhor Jesus Cristo fez o elogio, com obras
e com palavras, de outra virtude humana que me é particularmente querida: a
naturalidade, a simplicidade.
Lembremo-nos
de como Nosso Senhor vem ao mundo: como todos os homens. Passa a infância e a
juventude numa aldeia da Palestina. É mais um entre os seus concidadãos. Nos
anos da sua vida pública, repete-se continuamente o eco da sua existência
normal de Nazaré. Fala do trabalho, preocupa-se com o descanso dos seus
discípulos , vai ao encontro de todos e não recusa falar com ninguém; diz
expressamente aos que o seguiam que não impeçam as crianças de se aproximarem
d'Ele . Evocando talvez os tempos da sua infância, apresenta a comparação dos
meninos que brincam na praça pública.
Não
é tudo isto normal, natural, simples? Não pode viver-se na vida de todos os
dias? Acontece, no entanto, que os homens costumam habituar-se ao que é chão e
corrente e, inconscientemente, procuram o que é aparatoso e artificial.
Tê-lo-ão comprovado, tal como eu: elogia-se, por exemplo, o primor de umas
rosas frescas, recém-cortadas, de pétalas finas e perfumadas. E o comentário é:
parecem artificiais!
90
A
naturalidade e a simplicidade são duas maravilhosas virtudes humanas, que
tornam o homem capaz de receber a mensagem de Cristo. Em contrapartida, tudo o
que é emaranhado e complicado, as voltas e mais-voltas em torno de nós mesmos
levantam um muro que impede com frequência de ouvir a voz de Nosso Senhor.
Recordemos as acusações que Cristo lança aos fariseus: meteram-se num mundo
retorcido que exige pagar dízimos da hortelã, do endro e do cominho, e
abandonam as obrigações essenciais da lei, a justiça e a fé; esmeram-se a coar
tudo o que bebem, para que não passe nem um mosquito, mas engolem um camelo.
Não!
Nem a nobre vida humana daquele que - sem culpa - não conhece Jesus Cristo, nem
a vida do cristão devem ser esquisitas e estranhas. Estas virtudes humanas, que
estamos hoje a considerar, levam todas à mesma conclusão. É verdadeiramente
homem aquele que se empenha em ser veraz, leal, sincero, forte, temperado, generoso,
sereno, justo, laborioso, paciente. Comportar-se desta maneira pode ser
difícil, mas nunca é estranho. Se alguns se admirassem, seria por olharem com
olhos turvos, nublados por uma secreta cobardia, por falta de rijeza.
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Virtudes humanas e
virtudes sobrenaturais
Quando
uma alma se esforça por cultivar as virtudes humanas, o seu coração já está
muito perto de Cristo.
E
o cristão compreende que as virtudes teologais - a fé, a esperança, a caridade
- e todas as outras que a graça de Deus traz consigo o animam a nunca descuidar
essas boas qualidades, que compartilha com tantos homens.
As
virtudes humanas - insisto - são o fundamento das sobrenaturais; e estas
proporcionam sempre um novo vigor para progredir com honradez no sentido do
bem. Mas, em qualquer caso, não é suficiente o desejo de possuir essas
virtudes: é preciso aprender a praticá-las. Discite benefacere, aprendei a
fazer o bem. Temos de nos exercitar habitualmente nos actos correspondentes -
actos de sinceridade, de equanimidade, de serenidade, de paciência -, porque
amores são obras e não se pode amar a Deus só de palavra, mas com obras e de
verdade.
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Se
o cristão luta por adquirir estas virtudes, a alma dispõe-se a receber com
eficácia a graça do Espírito Santo: e as qualidades humanas boas ficam
reforçadas com as moções do Paráclito na alma. A Terceira Pessoa da Santíssima
Trindade - doce hóspede da alma - oferece os seus dons: dom de sabedoria, de
entendimento, de conselho, de fortaleza, de ciência, de piedade, de temor de
Deus .
Sente-se
então o gozo e a paz , a paz gozosa, o júbilo interior com a virtude humana da
alegria. Quando pensamos que tudo se afunda sob os nossos olhos, nada se
afunda, porque Tu és, Senhor, a minha fortaleza. Se Deus mora na nossa alma,
tudo o resto, por mais importante que pareça, é acidental, transitório; em
contrapartida, nós, em Deus, somos o permanente.
O
Espírito Santo, com o dom da piedade, ajuda-nos a considerarmo-nos, com
certeza, filhos de Deus. E se somos filhos de Deus, por que havemos de estar
tristes? A tristeza é a escória do egoísmo. Se queremos viver para Nosso
Senhor, não nos faltará a alegria, mesmo que descubramos os nossos erros e as
nossas misérias. A alegria entra na vida de oração de tal maneira que, a certa
altura, não poderemos deixar de cantar: porque amamos, e cantar é próprio de
apaixonados.
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Se
vivermos assim, realizaremos no mundo uma obra de paz; saberemos tornar amável
aos outros o serviço a Nosso Senhor, porque Deus ama quem dá com alegria O
cristão é uma pessoa igual às outras na sociedade; mas do seu coração
transbordará a alegria de quem se propõe cumprir, com a ajuda constante da
graça, a Vontade do Pai: e não se sente vítima, nem inferiorizado, nem coagido.
Caminha de cabeça erguida, porque é homem e é filho de Deus.
A
nossa fé dá todo o seu relevo a estas virtudes, que pessoa alguma deveria
deixar de cultivar. Ninguém pode vencer o cristão em humanidade. Por isso, quem
segue Cristo é capaz - não por mérito próprio, mas pela graça de Nosso Senhor -
de comunicar aos que o rodeiam o que às vezes eles pressentem, embora não
consigam compreender: que a verdadeira felicidade, o verdadeiro serviço ao
próximo passa pelo Coração do Nosso Redentor; perfectus Deus, perfectus, homo.
Recorramos
a Maria, nossa Mãe, a criatura mais excelsa que saiu das mãos de Deus.
Peçamos-lhe que nos faça homens de bem e que essas virtudes humanas, engastadas
na vida da graça, se tornem a melhor ajuda para aqueles que trabalham connosco
no mundo pela paz e pela felicidade de todos.
(cont)