Páscoa
Evangelho:
Jo 15, 9-17
9
Como o Pai Me amou, assim Eu vos amei. Permanecei no Meu amor. 10 Se
observardes os Meus preceitos, permanecereis no Meu amor, como Eu observei os
preceitos de Meu Pai e permaneço no Seu amor. 11 Disse-vos estas coisas, para
que a Minha alegria esteja em vós e para que a vossa alegria seja completa. 12 «O Meu preceito é este: Amai-vos uns aos
outros, como Eu vos amei. 13 Não há maior amor do que dar a própria vida pelos
seus amigos. 14 Vós sois Meus amigos se fizerdes o que vos mando. 15 Não mais
vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas
chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai. 16 Não
fostes vós que Me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi, e vos destinei para
que vades e deis fruto, e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o
que pedirdes a Meu Pai em Meu nome, Ele vo-lo conceda. 17 Isto vos mando:
Amai-vos uns aos outros.
Comentário:
O Senhor
quer-nos alegres com uma alegria que vem dele próprio.
Na verdade em
parte nenhuma dos Evangelhos vimos o Senhor triste a não ser na hora grave em
Getsémani, mas, segundo as Suas próprias
palavras, esse era o “tempo do príncipe deste mundo”, ou seja, a Sua tristeza
estava associada à aparente vitória do inimigo.
Comovido sim e
em várias ocasiões como no enterro do filho da viúva de Naim ou na morte de
Lázaro.
Não
confundamos tristeza com comoção; esta é uma reacção natural do nosso coração
misericordioso e compassivo a outra é um estado de alma que não podemos
consentir "porque é aliada do inimigo" como dizia São Josemaria
Escrivá.
(ama, comentário sobre Jo
15, 9-17 2015,05.14)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
CAPÍTULO PRIMEIRO
Fé no Mundo Hodierno
- Dúvida
e Fé – Situação do homem frente ao problema
"Deus”
…/7
Tendo partido de uma análise muito geral da atitude
fundamental da fé, chegamos à forma da fé cristã. Crer cristãmente significa
confiar-se ao sentido que me sustenta a mim e ao mundo, torná-lo a base firme
sobre a qual posso ficar sem receio. Usando um pouco mais a linguagem da
tradição, poderíamos dizer: crer cristãmente significa compreender a existência
como resposta à palavra, ao Logos que sustenta e conserva todas as coisas.
Significa dizer "sim", isto é, aceitar, ao facto de ser-nos oferecido
o sentido que não podemos criar, mas apenas receber, de tal modo que nos basta
aceitá-lo e confiar-nos a ele. De acordo com isto, a fé cristã conota a opção
da aceitação antes da feitura – com o que o "fazer" não sofre
desvalorização e muito menos é declarado inútil. Somente porque aceitamos o
sentido, também podemos "fazer". E mais: fé cristã – já o afirmamos –
significa a opção do invisível com mais real do que o visível. É declarar-se
pelo primado do invisível e do real propriamente dito, que nos sustenta e, por
isso, nos autoriza a enfrentar o visível com serena sobranceria dentro da
responsabilidade frente ao invisível como fundamento de tudo. Não se pode,
contudo, negar que, em tais limites, a fé cristã representa um duplo ataque
contra a mentalidade que parece dominar a situação mundial de hoje. Como
positivismo e como fenomenologismo, esta situação mundial concita-nos a limitar-nos
ao "visível", ao "fenómeno" em sentido mais vasto,
estendendo sobre o conjunto das nossas relações com o mundo real a mentalidade
fundamentalmente metodológica à qual a ciência deve tantos dos seus êxitos. Por
outro lado, como técnica, incita-nos a confiar no factível, esperando encontrar
aí a base que nos sustente. O primado do invisível sobre o visível, o primado
do "aceitar" sobre o "fazer" opõe-se radicalmente a esta
situação. Está aí, sem dúvida, a razão por que o salto de confiar-se ao
invisível se torna tão difícil hoje em dia. E contudo a liberdade de fazer,
como a de usar o visível mediante a pesquisa metódica, somente se torna
possível graças ao carácter transitório ao qual ambos são relegados pela fé e
pela superioridade que assim se abre.
6. Razão da Fé
Refletindo sobre tudo isto, constata-se o quão
estreitamente se interpenetram a primeira e a última palavra – o "creio"
e o "amém" –, o quão profundamente penetram o conjunto de cada artigo
do "credo", determinando assim a interna localização de tudo o que
entre elas se encontra. Na harmonia do "creio" e do "amém"
torna-se visível o sentido de todo o movimento espiritual de que se trata.
Anteriormente constatamos que, no hebraico, a palavra "amém" tem a
mesma raiz da qual se deriva o termo "crer"; o confiante colocar-se
sobre uma base que sustenta, não por ter sido feita e calculada por nós, mas precisamente
porque não somos sequer capazes de fazê-la. Conota a entrega, a adesão ao que
não podemos nem precisamos fazer, ao fundamento do mundo, como sentido que, prmeiramente,
nos patenteia a liberdade de fazer.
Contudo, o que aqui se realiza não é uma entrega
cega ao irracional. Pelo contrário, trata-se de uma aproximação do Logos, da
ratio, do sentido e, assim, da própria verdade; porquanto, finalmente, a
base sobre a qual o homem se coloca não pode, nem deve ser outra que a própria
verdade esclarecedora. E assim tornamos a encontrar, e num lugar onde menos o
esperaríamos, com uma derradeira antítese entre conhecimento pela facticidade,
e fé. O conhecimento experimental, como já vimos, deve ser positivo pela sua
determinação mais própria, deve limitar-se ao dado e ao medido. Ora, consequência
disto é que ele não mais indaga pela verdade. Consegue os seus êxitos precisamente
renunciando à pesquisa da verdade e concentrando-se na "exactidão" e
na "concordância" do sistema, cuja ideia hipotética deve comprovar-se
através da experiência. O conhecimento pelo factível, para dizê-lo ainda de
outro modo, não pergunta pelas coisas por si e em si, mas somente pela
sua funcionalidade para nós. O regresso para o conhecimento
experimental consegue-se exactamente pelo facto de não se considerar mais o ser
em si, mas meramente em função da nossa obra. Isto significa que no
desprendimento, na separação entre o problema da verdade e o ser, e no seu
desdobramento sobre o "facto" e o "factível" (factum et
faciendum) o próprio conceito da verdade foi substancialmente alterado. A
verdade do ser em si foi substituída pela utilidade das coisas para nós,
utilidade que se comprova na exactidão dos resultados. E aí é certo e indiscutível
que somente essa exactidão nos comprova como calculabilidade, enquanto a
verdade do próprio ser se subtrai ao conhecimento como cálculo.
A atitude cristã do crente exprime-se na palavra
"amém" em que se interpenetram os significados: confiar, confiar-se,
fidelidade, firmeza, base sólida, estar em pé, verdade; e isto quer dizer que
somente a verdade é o lugar em que o homem pode firmar-se, só ela pode constituir
para ele um sentido. Só a verdade é a base adequada para o homem ficar em pé.
Portanto o acto da fé cristã inclui essencialmente a convicção de que o
fundamento que dá o sentido, o Logos sobre o qual nos colocamos, também
é a verdade, exactamente enquanto como sentido. Sentido que se não fosse
a verdade, seria um nonsense, um absurdo. A inseparabilidade de sentido,
fundamento, verdade, expressa tanto no Logos grego, como no
"amém" hebraico anuncia ao mesmo tempo uma concepção cósmica inteira.
Na inseparabilidade de sentido, fundamento, verdade – riqueza vocabular que não
podemos reproduzir na nossa língua, com um termo só – que tais palavras
encerram, transparece a rede inteira de coordenadas em que a fé cristã
contempla o mundo e se lhe apresenta. E isso também significa que a fé, na sua
essência, não é um amontoado de paradoxos cegos. Significa ainda que é loucura aduzir
mistério como desculpa para o fracasso da inteligência, como não poucas vezes
tem acontecido. Se a teologia apresenta uma série de irregularidades, querendo
não só desculpá-las, mas, se possível, canonizá-las, apelando para o mistério,
aí estamos diante de um abuso da autêntica ideia de "mistério", cuja
finalidade não é destruir a inteligência, mas, antes, possibilitar a fé, como acto
racional. Por outras palavras: a não é fé certamente conhecimento no sentido de
conhecer o factível e de sua forma de calculabilidade. A fé jamais pode ser
algo assim e tornar-se-ia ridícula, se tentasse estabelecer-se nestas formas
experimentais. Mas vale também o contrário: o conhecimento experimental do
factível, por natureza, está limitado ao fenómeno e ao funcional, não representando
o caminho para encontrar a verdade da qual desistiu em razão do seu método. O
caminho que o homem recebe para preocupar-se com a verdade do ser não é o conhecimento,
mas a compreensão: compreensão do sentido ao qual aderiu. Sem dúvida
devemos acrescentar que a compreensão só se patenteia no
"estar-em-pé" e não fora daí. Uma coisa não acontece sem a outra,
porque compreender significa agarrar e conceber como tal o sentido aceite como
fundamento. Creio ser isto o sentido exacto de "compreender": que
aprendamos a conceber a base sobre a qual nos colocamos, como sentido e como
verdade; que aprendamos a reconhecer que o fundamento representa um sentido.
Assim sendo, compreender não conota contradição à
fé, mas representa os seus mais lídimos interesses. Pois o conhecimento da funcionalidade
do mundo, transmitido de modo tão grandioso pelo hodierno pensamento
técnico-científico, ainda não traz consigo uma compreensão do mundo e do ser. A
compreensão nasce da fé. Por isso a teologia, como tratado compreensível,
lógico (= racional, intelectual-compreensivo) de Deus, é uma das tarefas
originais da fé cristã. É nesta situação que se baseia o indiscutível direito
do grego no cristão. Estou convencido de não se tratar de mera coincidência
quando, ao realizar-se, a mensagem cristã penetrou primeiro no mundo grego,
fundindo-se ali com a busca da compreensão, da verdade. Fé e compreensão pertencem-se
mutuamente não menos do que fé e estar, simplesmente porque compreender e estar
são inseparáveis. Neste sentido a versão grega do versículo de Isaías sobre a
fé e a permanência, revela uma dimensão que não pode ser retirada à frase
bíblica, se não se quer ser relegado ao âmbito do fanatismo e do sectarismo.
Aliás, é próprio do entendimento avançar sempre,
além da compreensão, até à constatação de que somos totalmente apreendidos.
Ora, se entendimento é compreensão da nossa apreensão, isto significa que não
estamos em condições de concebê-lo novamente, porquanto nos dá o sentido pelo facto
de conceber-nos. Neste sentido é com razão que falamos de mistério, como de uma
base que nos prende e sempre nos ultrapassa, que jamais pode ser alcançada ou
ultrapassada por nós. Ora, é exactamente na total apreensão pelo ainda não
compreendido que se processa a responsabilidade do entendimento, sem a qual a
fé seria indigna e se destruiria a si mesma.
7. "Creio em Ti"
Apesar de tudo o que se disse, ainda não foi expresso
o carácter mais profundo da fé cristã, o seu carácter pessoal. A fé cristã é
mais do que uma opção por uma base espiritual do mundo; a sua fórmula central
não diz: "Creio alguma coisa", mas: "creio em Ti". É o encontro
com o homem Jesus, experimentando nesse encontro o sentido do mundo, como
pessoa. Na vida de Jesus que vem do Pai, no imediatismo e na espessura do seu
trato orante, – que digo! – contemplador com o Pai, Jesus é testemunha de Deus,
através da qual o impalpável se tornou tangível, o distante, próximo. E mais:
não se trata apenas de testemunha à qual damos fé sobre o que ela viu numa
existência que realmente concretizou o regresso do falso destino ao de primeiro
plano, rumo à profundeza da verdade inteira; não; Jesus é a presença do próprio
eterno neste mundo. Na sua vida, na irrestrição do seu ser para os homens está
presente o sentido do mundo; ele doa-se-nos como amor, que também me ama a mim,
tomando amável a vida mediante dádiva, tão inconcebível, de um amor não
ameaçado por nenhuma transitoriedade, por nenhuma perturbação egoística. O
sentido do mundo é o "tu", naturalmente somente aquele "tu"
que não é pergunta aberta, mas o fundamento da totalidade que dispensa outro
fundamento.
Assim a fé é a descoberta de um "tu" que
me carrega e me transmite a promessa de um amor indestrutível dentro de toda a
insatisfação e da derradeira incapacidade do humano encontro, um "tu"
que não só aspira à eternidade, mas que a concede. A Fé cristã vive do facto de
não apenas haver um sentido objectivo, mas de esse sentido conhecer e amar-me:
de eu poder entregar-me a ele num gesto de criança que sabe todas as suas
perguntas bem abrigadas no "tu" materno. Assim fé, confiança e amor,
em última análise, são uma única coisa e todos os conteúdos em torno dos quais
gira a fé são meras concretizações da reviravolta que a tudo sustenta, do
"creio em Ti" – da descoberta de Deus no rosto do homem Jesus de
Nazaré.
Naturalmente isto tudo não dispensa a reflexão,
como já vimos. És tu realmente? – tal foi a pergunta nascida em negra hora do
coração do Baptista, ou seja, do profeta que orientou para Jesus os próprios discípulos
e se dobrou diante dele, como o maior, ao qual só lhe restava prestar serviços
de preparador. És tu realmente? O crente tornará sempre a passar por esta treva
na qual a contradição da descrença o cerca como sombria e fatal prisão, e a
indiferença do mundo, que continua a rodar imperturbável como se nada tivesse
acontecido, parecer-lhe-á cruel zombaria da sua esperança. És tu realmente pergunta
que se nos impõe, não apenas por causa da honestidade do pensamento e da
responsabilidade da inteligência, mas também de dentro da própria lei do amor
que quereria conhecer mais e mais àquele ao qual deu o seu "sim",
para o amar mais. És tu realmente? – todas as considerações deste livro estão
subordinadas a esta questão, girando assim em torno da forma fundamental da afirmação:
"creio em Ti", Jesus de Nazaré, como sentido (Logos) do mundo
e da minha vida.
(cont)
joseph ratzinger, Tübingen, verão de
1967.
(Revisão da versão
portuguesa por ama)