O HOMEM BOM
MODOS
DE AMAR
Conta-se de um velho almirante
da reserva que, quando queria pintar a fachada da sua casa – vivia numa cidade
onde era costume pintá-las pela primavera –, mandava o pintor à casa do vizinho
que morava em frente, para lhe perguntar de que cor gostaria que a pintasse.
O bom velhinho explicava
esse seu modo de proceder dizendo:
“Afinal, ele, o vizinho, é
quem ficará vendo a fachada todos os dias; é natural que eu a pinte ao gosto dele”.
É uma delicada
transparência do coração do homem bom, que vive sempre voltado para o bem e
para a alegria dos outros, e nisso encontra a sua maior satisfação.
Isto faz pensar nas nossas
atitudes e, concretamente, na facilidade com que incorremos num erro de
perspectiva: com a melhor das boas vontades, dedicamo-nos a amar os outros “ao
nosso modo”, mas esquecemo-nos de amá-los “ao modo deles”, o que seria muito melhor.
Entendamo-nos.
Não basta dizer, quando
nos preocupamos em ajudar os outros:
“Faço isto pelo seu bem”.
É necessário ter uma fina
intuição para fazer “isto” do “modo” que contribua mais eficazmente para o seu
bem.
Um pai que corrige o
filho, imediata e energicamente, todas as vezes que depara com uma desobediência
ou uma irresponsabilidade, pode estar intimamente convencido de que actua
“apenas e tão somente” pelo bem desse filho.
E, caso o garoto se lhe
torne revoltado, mentiroso e desleal,sentir-se-á profundamente magoado, ao
mesmo tempo que se lamenta:
“Depois de tantos
desvelos, de tanta dedicação para educá-lo...”
Esse pai, por mais que se
sinta magoado e recrimine a ingratidão do filho, não está com a razão.
E não está precisamente
porque não foi capaz de amá-lo “ao modo dele”, isto é, procurando o “modo” mais
fecundo de lhe fazer o bem.
Com isto, já estamos
esclarecendo que, quando dizemos “ao modo dele”, não pensamos que o amor
paterno deva acomodar-se a todos os caprichos e vontades do filho.
Se fizesse isso, esse pai cairia
naquela “bondosidade mole” que mais destrói do que edifica.
A expressão “ao modo dele”
significa, neste caso, o esforço da mente e do coração por acertar com a maneira
realmente eficaz de ajudar o filho a ser melhor.
Podemos dar por certo que
esse mesmo pai, se tivesse atuado com mais paciência e, sobretudo, se tivesse
dedicado mais tempo a fazer-se amigo do filho, conseguiria que as suas correcções
fossem construtivas.
É muito fácil “cair em
cima” e dizer “eu tenho razão”.
Já foi lembrado por alguém
que, por ter razão, até agora ninguém foi para o céu.
É muito mais profícuo guardar
a razão, ao menos provisoriamente, no bolso, e pensar seriamente:
“Como posso mesmo ajudá-lo
a melhorar?”
Não tenhamos dúvida de que
o pai em foco ajudaria imenso se gastasse mais algum tempo no fim do dia, e nos
fins de semana, a sair, jogar bola, discutir música e conversar com o filho, tornando-se
assim o seu melhor amigo.
Nesse clima de amizade confiante,
poderia orientá-lo e corrigi-lo, quando fosse o caso, com palavras cheias de
credibilidade, já que o filho perceberia que, se o pai o contraria, não é por
ser um maníaco perfeccionista nem por estar irritado, mas porque gosta dele e o
quer ajudar.
É a isto que chamamos amar
“ao modo” dos outros.
Uma arte extremamente
necessária e certamente nada fácil.
Só o amor generoso é capaz
de aprendê-la.
A
PEDRA PRECIOSA
Mons. Escrivá, um
sacerdote que irradiou bondade, despertando milhares de corações para o bem,
costumava dizer que cada pessoa, cada alma, deve ser tratada como uma pedra
preciosa.
Não existem duas pedras
preciosas idênticas, que possam ser lapidadas da mesma maneira.
O bom lapidador etuda-as
uma a uma, e daí tira conclusões sobre o modo de extrair o máximo de perfeição
e beleza de cada uma delas.
Assim deve ser com as
almas. O estudo atento do lapidador é, neste caso, a afectuosa atenção que
prestamos a cada pessoa, esforçando-nos por compreender o seu modo de ser, o
porquê das suas arestas e pontos frágeis, as linhas em que melhor pode ser “trabalhada”.
E o modo de tratá-la, de
ajudá-la, decorrerá dessa prévia compreensão.
Para tanto, não é
necessário possuir conhecimentos muito especializados de psicologia.
Basta a psicologia do afecto,
que proporciona uma profunda acuidade aos olhos.
O amor de uma mãe não
precisa de manuais de psicologia para intuir, de modo certeiro, o que está
acontecendo com o filho.
Basta o carinho, o
interesse e a vontade de se dar.
Não esqueçamos, por outro
lado, que todo o bom lapidador é paciente, o que significa que tem a
consciência de que, para transformar um diamante bruto num esplêndido
brilhante, vai precisar de longo tempo, de trabalho minucioso, e que só pouco a
pouco irá progredindo no seu lavor.
Eis aqui outra das
manifestações da autêntica bondade.
Assim como a bondade mole
se compõe de superficiais pinceladas de amabilidade, a verdadeira bondade
traduz-se numa dedicação infatigável.
Dá-se sem pausa, espera
sem cansaço e não desiste jamais.
Persiste incansavelmente,
sem abrandar a generosidade da entrega, até ver despontar finalmente os frutos;
e aguarda confiante – permita-se-nos repeti-lo – que as “sementes de bondade”
dos outros acabem por germinar.
A doação de um homem bom
nunca é estéril.
[i]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.