CARTA ENCÍCLICA
HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
II
LEGITIMIDADE
DO CULTO AO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE
JESUS
SEGUNDO
A DOUTRINA DO NOVO TESTAMENTO E DA
TRADIÇÃO
3)
O testemunho dos santos Padres em favor dos afectos sensíveis do Verbo
encarnado
24.
Os santos Padres, testemunhas verazes da doutrina revelada, advertiram muito
oportunamente o que já Paulo apóstolo claramente significara, a saber: que o
amor divino é como o princípio e a culminância da obra da encarnação e
redenção.
Lê-se
frequentemente nos seus escritos que Jesus Cristo tomou em Si a natureza humana
perfeita, o nosso corpo frágil e caduco, para nos proporcionar a salvação
eterna e manifestar, patentear em forma sensível o seu infinito amor a nós.
25.
Fazendo-se eco da voz do Apóstolo das gentes, São Justino escreve o seguinte:
"Amamos
e adoramos o Verbo nascido de Deus inefável e que não tem princípio; já que Ele
se fez homem por nós para que, tornado participante das nossas doenças, nos proporcionasse
o seu remédio",[1]
E
São Basílio, o primeiro dos três Padres da Capadócia, afirma que os afectos
sensíveis de Cristo foram verdadeiros e ao mesmo tempo santos:
"É
manifesto que o Senhor possuiu os afectos naturais em confirmação da Sua
verdadeira, e não fantástica, encarnação; é também manifesto que Ele repeliu
como indignos da divindade os afectos viciosos, que mancham a pureza-da nossa
vida".[2]
Igualmente,
São. João Crisóstomo, luminar da Igreja antioquena, confessa que as emoções
sensíveis de que o Senhor deu mostra provam irrecusavelmente Ela ter
integralmente a nossa natureza humana:
"A
não haver Ele possuído a nossa natureza, não teria experimentado, uma e mais
vezes, a tristeza".[3]
Entre
os Padres latinos, merecem lembrança os que hoje a Igreja venera como doutores
máximos.
Santo
Ambrósio afirma que a união hipostática é a origem natural dos afectos e
sentimentos que o Verbo de Deus encarnado experimentou:
"Portanto,
já que Ele tomou a alma, tomou as paixões da alma; pois Deus, como Deus que é,
não podia perturbar-se nem morrer".[4]
São
Jerónimo apoia nessas mesmas reacções o principal argumento para provar que
Cristo assumiu realmente a natureza humana:
Nosso
Senhor entristeceu-se realmente, para manifestar a Sua natureza humana.[5]
Particularmente
Santo Agostinho faz notar a íntima união existente entre os sentimentos do
Verbo encarnado e a finalidade da redenção humana:
"O
Senhor revestiu-se dos afectos da fragilidade humana, do mesmo modo que aceitou
a fragilidade da nossa carne e a morte desta, não por necessária coacção, mas
sim pelo estímulo da Sua misericórdia, para assimilar a Si o Seu corpo; que é a
Igreja, da qual Ele Se dignou ser a cabeça, ou seja, assimilar seus membros em
seus santos e fiéis; de modo que, se por efeito das tentações humanas algum
deles se entristecesse e sofresse, nem por isso pensasse estar privado do
influxo da sua graça; e, assim como um coro fica alerta à voz que lhe dá o tom,
assim também o Seu corpo soubesse da Sua cabeça que por si mesmos, tais
movimentos não são pecado, senão somente indício da fragilidade humana ",[6]
Com
maior concisão e não menor força estas passagens de São João Damasceno atestam
a doutrina da Igreja:
"O
Deus todo tomou todo o homem, e o todo Se uniu ao todo para proporcionar a
salvação do homem todo.
De
outra maneira Ele não teria podido sanar aquilo que não assumiu".[7]
"Tomou,
pois, tudo para santificar tudo".[8]
PIO PP. XII.
(Revisão da versão
portuguesa por AMA)
Notas:
[1] Apol. 2,13; PG 6, 465.
[2] Epist. 261, 3; PG 32, 972.
[3] In Joann. Homil. 63, 2; PG 59, 350.
[4] De fide ad Gratianum, II, 7, 56; PL
16, 594.
[5] Cf. Super Matth., 26, 37; PL
26, 205.
[6] Enarr. Ps. 87, 3; PL 37,1111.
[7] De Fide Orth., III, 6; PG
94,1006.
[8] Ibid., III, 20; PG 94,1081.