Tempo comum XXXII Semana
Santo
Alberto Magno - Doutor da Igreja
Evangelho: Lc 18 1-8
1 Disse-lhes também
uma parábola, para mostrar que importa orar sempre e não cessar de o fazer: 2
«Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. 3
Havia também na mesma cidade uma viúva, que ia ter com ele, dizendo: Faz-me
justiça contra o meu adversário. 4 Ele, durante muito tempo, não a
quis atender. Mas, depois disse consigo: Ainda que eu não tema a Deus nem
respeite os homens, 5 todavia, visto que esta viúva me importuna,
far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar-me». 6
Então o Senhor acrescentou: «Ouvi o que diz este juiz iníquo. 7 E
Deus não fará justiça aos Seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e
tardará em socorrê-los? 8 Digo-vos que depressa lhes fará justiça.
Mas, quando vier o Filho do Homem, julgais vós que encontrará fé sobre a
terra?».
Comentário:
Sejam
quais forem as circunstâncias mesmo as mais adversas, ou as 'pressões' que
sintamos não devemos, nunca, desistir da oração.
A nossa confiança pode sofrer duras provas ao ponto de a enfraquecer, mas se estivermos bem seguros que o Senhor sempre nos ouve, havemos de continuar a pedir sem descanso o que julgamos necessitar.
A nossa confiança pode sofrer duras provas ao ponto de a enfraquecer, mas se estivermos bem seguros que o Senhor sempre nos ouve, havemos de continuar a pedir sem descanso o que julgamos necessitar.
(ama, comentário
sobre Lc 18, 45-53 2013.10.18)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
MANUSCRITO ENDEREÇADO A MADRE MARIA DE
GONZAGA
…/3
Madre querida, contei-vos meu último
meio para não ser vencida nos combates: a deserção. Esse meio, empreguei-o
durante meu noviciado e sempre deu ótimos resultados. Quero, Madre, citar um
exemplo que, creio, vos levará a sorrir. Durante um dos vossos ataques de
bronquite, fui uma manhã, de mansinho, entregar-vos as chaves da grade de
comunhão, pois eu era sacristã. No fundo, não me desagradava ter essa ocasião
de vos ver, estava até muito contente, mas evitava deixar transparecê-lo. Uma
irmã, animada por um santo zelo e que, todavia, gostava muito de mim, vendo-me
entrar em vossos aposentos, pensou que eu ia vos acordar. Quis tomar de mim as
chaves, mas eu era bastante esperta para não entregá-las a ela e ceder-lhe meus
direitos. Disse-lhe, com as melhores maneiras, que eu cuidava tanto quanto ela
de não vos acordar, mas que cabia a mim entregar as chaves... Agora compreendo
que teria sido mais perfeito ceder diante dessa irmã, jovem, é verdade, mas
mais antiga que eu. Naquele tempo, não o compreendia. Querendo de todo jeito
entrar atrás dela, que empurrava a porta para me impedir de passar, provocamos
o que não queríamos: o barulho vos acordou... Então, Madre, tudo recaiu sobre
mim. A pobre irmã a quem resisti iniciou um discurso parecido com este: Foi
Irmã Teresa do Menino Jesus quem fez barulho... como ela é desagradável... etc.
Eu, por acreditar no contrário, fiquei com vontade de defender-me; felizmente,
veio-me uma idéia brilhante. Pensei que se eu começasse a justificar-me não conseguiria,
certamente, manter a paz da alma; sentia também que não tinha virtude
suficiente para me deixar acusar sem reagir. Minha última tábua de salvação foi
a fuga. Dito e feito. Saí em surdina, deixando a irmã continuar seu discurso,
que parecia com as imprecações de Camilo contra Roma. Meu coração batia com
tanta força que não pude ir longe e sentei-me num degrau da escada para
saborear em paz os frutos da minha vitória. Não havia bravura nisso, não é verdade,
querida Madre? Acredito, porém, que mais vale não se expor à luta quando a derrota
é certa. Ai! quando recordo o tempo do meu noviciado, como percebo o quanto eu
era imperfeita... Atormentava-me com tão pouca coisa que hoje rio disso. Ah!
como o Senhor é bom por ter feito crescer a minha alma, por ter-lhe dado
asas... Todas as redes dos caçadores não poderiam me atemorizar pois "em
vão se lança a rede diante dos olhos dos que têm asas". Futuramente, sem
dúvida, o tempo actual parecer-me-á ainda cheio de imperfeição, mas agora não
me espanto com nada, não fico triste por constatar que sou a própria fraqueza,
pelo contrário, é nela que me glorifico e espero cada dia descobrir em mim
novas imperfeições. Lembrando-me de que a Caridade estende um véu sobre uma
multidão de pecados, abasteço-me nessa mina fecunda que Jesus abriu diante de
mim. No Evangelho, o Senhor explica em que consiste seu mandamento novo. Diz,
em são Mateus: "Ouvistes o que foi dito: `Amarás o teu próximo e odiarás o
teu inimigo'. Eu, porém, digo-vos: `Amai os vossos inimigos e orai pelos que
vos perseguem`. No Carmelo, sem dúvida, não encontramos inimigos, mas há
simpatias, sentimos atração por tal irmã enquanto tal outra nos levaria a dar
uma longa volta a fim de não encontrar com ela. Sem que se perceba, ela passa a
ser objeto de perseguição. Mas Jesus me diz que essa irmã deve ser amada, que
se deve rezar por ela, mesmo que seu comportamento me leve a crer que ela não
me ama"'. "Se amardes os que vos amam, que merecimento vos é devido?
Pois os próprios pecadores amam os que os amam". Não basta amar, é preciso
dar provas desse amor. Temos naturalmente prazer em dar presente a um amigo,
gosta-se, especialmente, de causar surpresa; mas isso não é caridade pois os
pecadores também agem assim. Eis o que Jesus me ensina ainda: "Dá a todo
aquele que te pede, e ao que leva o que é teu não lho reclames". Dar a
todas aquelas que vos pedem é menos agradável do que oferecer segundo a
inclinação do coração; se bem que, quando se pede com gentileza, não custa dar.
Porém, se por acaso não se usam palavras delicadas, a alma revolta-se logo caso
não seja firmada na caridade. Encontra mil motivos para recusar o que lhe é
pedido e só depois de ter convencido a solicitante da sua indelicadeza lhe dá,
finalmente e por favor, o que ela deseja, ou lhe presta um leve serviço que
teria exigido vinte vezes menos tempo do que foi preciso para exigir direitos
imaginários. Se é tão difícil dar a quem quer que peça, é ainda mais difícil
deixar levar se pedir de volta. ó Madre, digo que é difícil, deveria dizer que
aquilo parece difícil, pois o jugo do Senhor é suave e leve quando aceito,
sente-se logo sua doçura e exclama-se com o salmista: "Corri pelo caminho
dos vossos mandamentos desde que me dilatastes o coração". Só a caridade
pode dilatar o meu coração, ó Jesus. Desde que essa doce chama o consome, corro
alegre na via do vosso mandamento novo... Quero correr nela até o dia
bem-aventurado em que, unindo-me ao séquito virginal, poderei seguir-vos pelos
espaços infinitos, cantando vosso cântico novo que deve ser o do Amor.
Dizia: Jesus não quer que eu reclame o
que me pertence; isso deveria parecer-me fácil e natural pois nada me pertence.
Renunciei aos bens da terra pelo voto de pobreza, portanto não tenho o direito
de queixar-me quando me tiram uma coisa que não me pertence; pelo contrário,
devo alegrar-me quando me acontece sentir a pobreza. Houve um tempo em que eu
tinha a impressão de não estar apegada a nada, mas depois que entendi as
palavras de Jesus vejo que sou muito imperfeita em certas ocasiões. Por
exemplo, no serviço da pintura, nada é meu; mas se ao iniciar o trabalho vejo
que pincéis e tintas estão fora do lugar, que uma régua ou um canivete sumiram,
a paciência ameaça abandona-me e preciso apelar para muita coragem para não
reclamar contrariada os objetos que me faltam. É preciso, às vezes, pedir as
coisas indispensáveis, mas ao fazê-lo humildemente não pecamos contra o
mandamento de Jesus; pelo contrário, agimos como os pobres"-' que estendem
a mão para receber o que lhes é necessário. Se são repelidos, não se espantam,
ninguém lhes deve coisa alguma. Ah! como a paz inunda a alma quando ela se
eleva acima dos sentimentos da natureza... Não há alegria comparável à do pobre
de espírito. Se pede corri desapego uma coisa que lhe é necessária e que não
apenas lhe é recusada, mas se toma até aquilo que ele possui, segue o conselho
de Jesus: "E a quem quiser citar-te em juízo para te tirar a túnica,
deixa-lhe também o manto..." Deixar o manto, parece-me, é renunciar aos
últimos direitos, é considerar-se como a serva, a escrava das outras. Quando se
abandonou o manto, é mais fácil andar, correr, por isso Jesus acrescenta:
"E, se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas".
Portanto, não é suficiente dar a quem me pede, é preciso antecipar-se a seus
desejos, parecer muito grata e muito honrada em prestar serviço, e quando se
toma alguma coisa de meu uso não devo parecer sentir falta dela mas, pelo
contrário, parecer feliz por ficar livre dela.
Madre querida, estou longe de praticar
o que entendo, mas o desejo que tenho de praticar é suficiente para me dar a
paz.
Ainda mais do que nos outros dias,
sinto que me expressei mal. Fiz uma espécie de discurso sobre a caridade cuja
leitura deve ter-vos cansado. Perdoai-me, Madre querida, e pensai que, neste
momento, as enfermeiras estão fazendo para mim o que acabo de escrever. Não se
incomodam em dar vinte mil passos onde vinte seriam suficientes. Pude,
portanto, contemplar a caridade em ação! Sem dúvida, aquilo deve ter perfumado
a minha alma, quanto à minha mente, confesso que ficou um pouco paralisada
perante tal dedicação e minha pena perdeu a leveza. Para poder expressar meus
pensamentos, preciso estar como o pássaro solitário no telhado, e isso me
acontece raramente. Quando pego a pena para escrever, eis que uma boa irmã
passa perto de mim, com o forcado no ombro. Pensa distrair-me conversando um
pouco comigo. Feno, patos, galinhas, visita do médico, tudo é assunto de
conversa. Na verdade, isso não se alonga, mas há mais de unia irmã caridosa e,
de repente, outra jardineira coloca flores no meu colo, pensando, talvez,
inspirar-me idéias poéticas. Como não as procuro neste momento, preferia que as
flores ficassem a se balançar nos galhos. Enfim, cansada de abrir e fechar este
famoso caderno, abro um livro que não quer ficar aberto e digo firmemente que
copio pensamentos dos salmos e do Evangelho para a festa da nossa Madre. Não
deixa de ser parcialmente verdade, pois não economizo as citações... Madre
querida, creio que eu vos divertiria se vos contasse todas as minhas aventuras
nos bosques do Carmelo. Não sei se consegui escrever dez linhas sem ter sido
interrompida. Isso não deveria levar-me a rir, nem a me divertir, porém, pelo
amor de Deus e das minhas irmãs (tão caridosas para comigo), procuro assumir um
ar de contentamento e, sobretudo, ficar contente...
Olhe! eis uma jardineira que se afasta
depois de me ter dito num tom compassivo: "Pobre irmãzinha, deveis cansar
escrevendo assim o dia todo". "Fiqueis tranquila", respondi,
"parece que escrevo muito, mas na verdade escrevo quase nada." "Ainda
bem", disse-me com ar tranquilizado, "mas estou muito contente por
estarmos recolhendo o feno, isso vos distrai um pouco." De facto, é uma
distração tão grande para mim (sem contar as visitas das enfermeiras), que não
minto quando digo escrever quase nada.
Felizmente, não desanimo com
facilidade. Para comprová-lo, Madre, vou acabar de explicar o que Jesus me fez
entender a respeito da caridade. Até agora, só vos falei do exterior, mas
gostaria de vos relatar como entendo a caridade puramente espiritual. Tenho
certeza de que logo vou misturar as duas, mas, Madre, sendo a vós que falo,
estou certa de que não vos será difícil captar meu pensamento e desembaraçar a
meada da vossa filha.
Nem sempre é possível, no Carmelo,
praticar ao pé da letra as palavras do Evangelho. Devido ao ofício de cada uma,
alguém se vê obrigada, às vezes, a recusar uma prestação de serviço. Mas quando
a caridade deitou raízes profundas na alma ela se manifesta no exterior. Existe
um modo tão gracioso de recusar o que não se pode dar que a recusa agrada tanto
quanto a dádiva. É verdade que nos constrangemos menos em pedir um serviço a
uma irmã sempre disposta a agradar, mas Jesus disse: "Não voltes as costas
a quem te pede emprestado". Assim, com o pretexto de que seríamos obrigadas
a recusar, não devemos nos afastar das irmãs que têm o hábito de pedir
serviços. Não se deve, tampouco, ser oferecido enquanto interesse, na esperança
de uma retribuição futura, pois Nosso Senhor disse: "E, se emprestardes
àqueles de quem esperais receber, que merecimento vos é devido? Também os
pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem o equivalente. Mas vós,
amai os vossos inimigos e fazei-lhes bem, e emprestai sem nada esperar em troca
e vossa recompensa será grande". Oh, sim! a recompensa é grande desde a
terra... nessa via, só o primeiro passo custa. Emprestai sem nada esperar, isso
parece duro para a natureza, prefere-se dar, pois uma vez dada a coisa não nos
pertence mais. Quando vos dizem, com ar totalmente convencido: "Irmã,
preciso da vossa ajuda por algumas horas, mas fiqueis tranquila pois tenho a
autorização da nossa Madre e vos retribuirei o tempo que me derdes, pois sei o
quanto estais atarefada". Na verdade, quando se sabe muito bem que o tempo
que emprestamos não será restituído, preferiríamos responder: "Dou-vos
esse tempo". Isso satisfaria ao amor-próprio, pois dar é ato mais generoso
que emprestar e fazemos sentir à irmã que não esperamos retribuição... Ah! como
os ensinamentos de Jesus são contrários aos sentimentos da natureza. Sem a
ajuda da sua graça, seria impossível não apenas praticá-los, mas
compreendê-los.
Madre, Jesus concedeu à vossa filha a
graça de fazê-la penetrar as misteriosas profundezas da caridade; se ela
pudesse expressar o que entende, ouviríeis uma melodia do Céu, mas ai! só tenho
balbucios a vos oferecer... Se as próprias palavras de Jesus não me servissem
de apoio, ficaria tentada a vos pedir clemência e abandonar a pena... Mas
preciso prosseguir, por obediência, o que comecei por obediência.
Madre querida, ontem, a respeito dos
bens da terra, escrevia que, por não serem meus, não deveria achar difícil
nunca reclamar por eles caso me fossem tirados. Os bens do Céu tampouco me
pertencem, são emprestados por Deus, que pode tirá-los de mim sem que eu tenha
direito de queixa. Porém, os bens que vêm directamente de Deus, os impulsos da
inteligência e do coração, os pensamentos profundos, tudo isso forma uma
riqueza à qual nos apegamos como se fosse um bem próprio no qual ninguém tem o
direito de tocar... Por exemplo, se comunicamos a uma irmã alguma ideia que nos
veio durante a oração e, pouco depois, essa mesma irmã fala a uma outra como se
aquela ideia fosse dela, parece que toma o que não é seu. Ou, no recreio,
diz-se baixinho a uma companheira uma palavra espirituosa e bem apropriada; se
ela a repete em voz alta sem indicar a origem, isso parece um furto à
proprietária, que não reclama, mas fica com muita vontade de fazê-lo e
aproveitará a primeira ocasião para fazer saber, delicadamente, que alguém se
apossou das suas palavras.
Madre, eu não poderia explicar-vos tão
bem esses tristes sentimentos da natureza, se os não tivesse sentido em meu
coração, e gostaria de acalentar a doce ilusão de que só aconteceram comigo se
não me tivésseis ordenado ouvir as tentações das vossas queridas novicinhas.
Sempre aprendi cumprindo a missão que me confiastes, sobretudo vi-me forçada a
praticar o que eu ensinava. Por isso, agora, posso dizer que Jesus me deu a
graça de não ser mais apegada aos bens do espírito e do coração que aos da
terra. Quando me acontece pensar e_dizer uma coisa que agrada às minhas irmãs,
acho natural que se apropriem dela como sendo um bem que lhes pertence. Esse
pensamento pertence ao Espírito Santo, não a mim, pois são Paulo disse que, sem
esse Espírito de Amor, não podemos chamar de "Pai", a nosso Pai que
está nos Céus. Portanto, Ele é livre para servir-se de mim para dar um bom
pensamento a uma alma. Se eu julgasse que esse pensamento me pertence, seria
como "o burro que transportava relíquias" e acreditava que as
homenagens prestadas aos santos dirigiam-se a ele.
Não desprezo os pensamentos profundos
que alimentam a alma e a unem a Deus, mas compreendi há muito tempo que não
devemos nos apoiar neles nem achar que a perfeição consiste em receber muitas
luzes. Os mais belos pensamentos nada são sem as obras. É verdade que outras
pessoas podem tirar deles muito proveito se, com humildade, manifestam a Deus
sua gratidão por lhes permitir participar do banquete de uma alma que Ele gosta
de enriquecer. Mas se essa alma se compraz em seus belos pensamentos, e faz a
oração do fariseu, torna-se parecida com uma pessoa que morre de fome diante de
uma mesa cheia enquanto todos os seus convidados se fartam e, às vezes, lançam
um olhar de inveja sobre o dono de tantas riquezas. Ah! só Deus mesmo para
conhecer o fundo dos corações... como as criaturas têm pensamentos pequenos!...
Quando descobrem uma alma mais esclarecida que as outras, concluem logo que
Jesus as ama menos que a essa alma e que não podem ser chamadas para a mesma
perfeição. Desde quando o Senhor perdeu o direito de servir-se de uma das suas
criaturas para distribuir às almas que ama o alimento necessário a elas? No
tempo dos faraós, o Senhor ainda possuía esse direito, pois na sagrada escritura
Ele diz a esse monarca: "Conservei-te com vida para mostrar-te o meu poder
e para que meu nome seja celebrado em toda a terra". Os séculos sucederam
aos séculos desde que o Altíssimo pronunciou essas palavras e, desde então, seu
comportamento não mudou, serviu-se sempre das suas criaturas como instrumentos
para realizar sua obra nas almas.
Se a tela pintada por um artista
pudesse pensar e falar, certamente não se queixaria por ser retocada sempre por
um pincel e não teria inveja da sorte desse instrumento, pois saberia que não é
ao pincel, mas ao pintor que o dirige, que ela deve a beleza que a cobre. Por
seu lado, o pincel não poderia glorificar-se com a obra-prima feita por ele,
sabe que os artistas não se apertam, que zombam das dificuldades, que gostam,
às vezes, de usar instrumentos vis e defeituosos...
Madre querida, sou um pincelzinho que
Jesus escolheu para pintar sua imagem nas almas que me confiastes. Um artista
não se restringe a um pincel, precisa, pelo menos, de dois. O primeiro é o mais
útil, é com ele que imprime as tonalidades mais gerais, que cobre completamente
a tela em muito pouco tempo; o outro, o menor, serve para os detalhes.
A primeira vez que Jesus se serviu do
seu pincelzinho foi por volta de 8 de Dezembro de 1892. Lembrar-me-ei sempre
dessa época como de um tempo de graças. Vou, querida Madre, confiar-vos essas
doces recordações.
Aos 15 anos, quando tive a felicidade
de ingressar no Carmelo, encontrei uma companheira de noviciado que me tinha
precedido alguns meses. Era oito anos mais velha que eu, mas seu caráter
infantil fazia esquecer a diferença dos anos; por isso, tivestes, Madre, a
alegria de ver vossas duas pequenas postulantes entenderem-se maravilhosamente
e tornarem-se inseparáveis. A fim de favorecer essa afeição nascente, que vos
parecia promissora de bons frutos, permitistes que tivéssemos, de tempos em
tempos, breves conversas espirituais. Minha querida companheirinha encantava-me
com sua inocência, seu caráter expansivo, mas eu estranhava ao constatar que o
afecto que tinha por vós era diferente do meu. Havia muitas outras coisas em seu
comportamento com as irmãs que eu desejava que ela mudasse... Desde aquele
tempo, Deus fez-me compreender haver almas que sua misericórdia espera sem
cansar, às quais dá sua luz aos poucos. Por isso, eu tinha o cuidado de não
apressar sua hora e esperava pacientemente que Jesus a fizesse chegar.
Reflectindo sobre a permissão concedida
para nos entreter, de acordo com as nossas santas constituições, para nos
inflamar mais no amor por nosso Esposo, pensei com pesar que nossas conversas
não alcançavam a meta desejada. Deus fez-me sentir, então, que chegara o
momento em que eu devia falar ou encerrar essas conversações que mais se
pareciam com as das amigas do mundo. Era um sábado. No dia seguinte, durante
minha acção de graças, pedi a Deus para que pusesse em minha boca palavras
suaves e convincentes, ou melhor, que Ele mesmo falasse por meu intermédio.
Jesus atendeu ao meu pedido e permitiu que o resultado correspondesse inteiramente
à minha expectativa, pois: "olhai para ele e sereis esclarecidos" e
"brilha para os retos, qual farol nas trevas, o Benigno, o Misericordioso
e o Justo". A primeira citação dirige-se a mim e a segunda à minha
companheira que, na verdade, tinha o coração recto...
(cont)