Questão
65: Da conexão das virtudes.
Art.
5 — Se a caridade pode existir sem a fé e a esperança.
O quinto procede-se assim.
— Parece que a caridade pode existir sem a fé e sem a esperança.
1. — Pois, a caridade é o
amor de Deus. Ora, Deus pode ser amado por nós naturalmente, mesmo sem
pressupor a fé ou a esperança da futura beatitude. Logo, a caridade pode
existir sem a fé e sem a esperança.
2. Demais. — A caridade é
a raiz de todas as virtudes, conforme a Escritura (Ef
3, 17): arraigados e
fundados em caridade. Ora, a raiz às vezes não produz ramos. Logo, a
caridade pode, às vezes, existir sem a fé, a esperança e as outras virtudes.
3. Demais. — Cristo teve
caridade perfeita, e contudo não teve fé nem esperança, porque foi compreensor
perfeito, como a seguir se dirá. Logo, a caridade pode existir sem a fé e sem a
esperança.
Mas, em contrário, diz a
Escritura (Heb 11, 6): sem a fé é impossível
agradar a Deus, o que pertence, por excelência, à caridade, conforme aquilo (Pr
8, 17): Eu amo aos que me
amam. E a esperança também leva à caridade, como já dissemos. Logo, não
podemos ter a fé sem a esperança e a caridade.
SOLUÇÃO. — A caridade
significa não só amor de Deus, mas também uma certa amizade para com ele, a
qual acrescenta ao amor a retribuição acompanhada de comunicação mútua, como se
disse. E que isto pertence à caridade consta com clareza na Escritura (1
Jo 4, 16): aquele
que permanece na caridade permanece em Deus, e Deus nele; e ainda (1
Cor 1, 9): Fiel é Deus,
pelo qual fostes chamados à companhia de seu filho Jesus Cristo. E esta
sociedade do homem com Deus que é, de algum modo, uma conversação familiar com
ele, começa na vida presente pela graça e se completará na futura, pela glória.
E ambas essas coisas nós obtemo-las pela fé e pela esperança. Donde, assim como
não poderemos ter amizade com alguém se descrermos ou desesperarmos de poder
ter com o mesmo alguma sociedade ou familiar conversação, assim não poderemos
ter amizade com Deus, que é a caridade, se não tivermos a fé, que nos faz crer
nessa sociedade e conversação com Deus, e se não esperarmos pertencer a essa
sociedade. E portanto, sem a fé e a esperança a caridade não pode existir de
nenhum modo.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A caridade não é qualquer amor de Deus, mas o pelo qual o
amamos como objecto da beatitude, ao qual nos ordenamos pela fé e pela
esperança.
RESPOSTA À SEGUNDA.
— A
caridade é a raiz da fé e da esperança, porque lhes dá a perfeição da virtude;
mas, a fé e a esperança, por sua própria natureza, são pressupostas à caridade,
como já dissemos; e, portanto, a caridade não pode existir sem elas.
RESPOSTA À TERCEIRA.
—
Cristo não teve fé nem esperança no que há numa e outra de imperfeito; mas em
lugar de fé teve a visão plena, e em lugar da esperança, a plena compreensão. E
portanto, teve caridade perfeita.
(Revisão
da versão portuguesa por AMA)