Capítulo V
PERCURSOS DE JUVENTUDE
Jovens
comprometidos
168.
É verdade que às vezes, perante um mundo cheio de tanta violência e egoísmo, os
jovens podem correr o risco de se fechar em pequenos grupos, privando-se assim
dos desafios da vida em sociedade, dum mundo vasto, estimulante e necessitado.
Têm
a sensação de viver o amor fraterno, mas o seu grupo talvez se tenha tornado um
simples prolongamento do próprio eu.
Isto
agrava-se, se a vocação do leigo for concebida unicamente como um serviço
interno da Igreja (leitores, acólitos, catequistas, etc.), esquecendo-se que a
vocação laical é, antes de mais nada, a caridade na família, a caridade social
e caridade política: é um compromisso concreto nascido da fé para a construção
duma sociedade nova, é viver no meio do mundo e da sociedade para evangelizar
as suas diversas instâncias, fazer crescer a paz, a convivência, a justiça, os
direitos humanos, a misericórdia, e assim estender o Reino de Deus no mundo.
169.
Proponho aos jovens irem mais além dos grupos de amigos e construírem a amizade
social: «buscar o bem comum chama-se amizade
social.
A inimizade social
destrói.
E uma família
destrói-se pela inimizade.
Um país destrói-se
pela inimizade.
O mundo destrói-se
pela inimizade.
E a inimizade maior é
a guerra.
E hoje vemos que o
mundo está-se destruindo pela guerra.
Porque são incapazes
de se sentar e falar (…).
[1].
Não
é fácil; sempre é preciso renunciar a qualquer coisa, é preciso negociar, mas,
se o fizermos pensando no bem de todos, podemos fazer a experiência maravilhosa
de deixar de lado as diferenças para lutar juntos por um objectivo comum.
Quando
se consegue encontrar pontos coincidentes no meio de tantas divergências e, com
esforço artesanal e por vezes fatigante, lançar pontes, construir uma paz que
seja boa para todos, isso é o milagre da cultura do encontro que os jovens
podem ousar viver com paixão.
170.
O Sínodo reconheceu que, «embora sob forma diferente relativamente às gerações
passadas, o compromisso social é um traço característico dos jovens de hoje.
Ao
lado de alguns indiferentes, há muitos outros disponíveis para se comprometerem
em iniciativas de voluntariado, cidadania activa e solidariedade social, o que
é preciso acompanhar e encorajar para fazer surgir os talentos, as competências
e a criatividade dos jovens e estimular a assunção de responsabilidades por
parte deles.
O
empenho social e o contacto directo com os pobres continuam a ser uma
oportunidade fundamental para descobrir ou aprofundar a fé e para discernir a
própria vocação.
(…)
Assinalou-se também a disponibilidade de se empenharem no campo político para a
construção do bem comum»[2].
171.
Graças a Deus, hoje, os grupos de jovens nas paróquias, escolas, movimentos ou
grupos universitários costumam ir fazer companhia a idosos e enfermos, visitar
bairros pobres, ou sair juntos para ajudar os mendigos nas chamadas «noites da
caridade».
Com
frequência, reconhecem que, em tais actividades, o que recebem é mais do que
aquilo que dão, porque se aprende e amadurece muito quando se tem a coragem de
entrar em contacto com o sofrimento dos outros.
Além
disso, nos pobres, há uma sabedoria escondida, e eles, com palavras simples,
podem ajudar-nos a descobrir valores que não vemos.
172.
Outros jovens participam em programas sociais que visam construir casas para os
sem-abrigo, bonificar áreas contaminadas, ou recolher ajudas para os mais
necessitados.
Seria
bom que esta energia comunitária fosse aplicada não só em acções esporádicas,
mas de forma estável, com objectivos claros e uma boa organização que ajude a
realizar uma actividade mais contínua e eficiente.
Os
universitários podem unir-se de forma interdisciplinar para aplicar os seus
conhecimentos na resolução de problemas sociais e, nesta tarefa, podem
trabalhar lado a lado com jovens de outras Igrejas e de outras religiões.
173.
Como no milagre de Jesus, os pães e os peixes dos jovens podem multiplicar-se (cf.
Jo 6, 4-13).
Como
na parábola, as pequenas sementes dos jovens tornam-se árvores e frutos de
colheita (cf. Mt 13, 23.31-32).
Tudo
isto se realiza a partir da fonte viva da Eucaristia, na qual o nosso pão e o
nosso vinho se transformam para nos dar a Vida eterna.
Aos
jovens, está confiada uma tarefa imensa e difícil.
Com
fé no Ressuscitado, poderão enfrentá-la com criatividade e esperança,
colocando-se sempre na posição de serviço, como os servos das bodas de Caná,
colaboradores inesperados do primeiro sinal de Jesus, só por terem seguido a
recomendação de sua Mãe:
«Fazei o que Ele vos disser» (Jo
2, 5).
Misericórdia,
criatividade e esperança fazem crescer a vida.
174.
Quero encorajar-te a assumir este compromisso, porque sei que «o teu coração,
coração jovem, quer construir um mundo melhor.
Acompanho
as notícias do mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes do mundo,
saíram para as ruas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e
fraterna.
Os
jovens nas ruas; são jovens que querem ser protagonistas da mudança.
Por
favor, não deixeis para outros o ser protagonista da mudança! Vós sois aqueles
que detêm o futuro!
Através
de vós, entra o futuro no mundo.
Também
a vós, eu peço para serdes protagonistas desta mudança.
Continuai
a vencer a apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e
políticas que estão surgindo em várias partes do mundo.
Peço-vos
para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor.
Queridos
jovens, por favor, não “olheis da sacada” a vida, entrai nela. Jesus não ficou
na sacada, mergulhou…
Mas
sobretudo, de uma forma ou de outra, lutai pelo bem comum, sede servidores dos
pobres, sede protagonistas da revolução da caridade e do serviço, capazes de
resistir às patologias do individualismo consumista e superficial.
Missionários
corajosos
175.
Enamorados por Cristo, os jovens são chamados a dar testemunho do Evangelho em
toda parte, com a sua própria vida.
Santo
Alberto Hurtado dizia que «ser apóstolo
não significa usar um distintivo na lapela do casaco; não significa falar da
verdade, mas vivê-la, encarnar-se nela, transformar-se em Cristo.
Ser apóstolo não é
levar uma tocha na mão, possuir a luz, mas ser a luz. (...)
O Evangelho (...),
mais do que uma lição, é um exemplo.
176.
O valor do testemunho não significa que se deve manter em silêncio a palavra.
Por
que é que não havemos de falar de Jesus, contar aos outros que Ele nos dá a
força de viver, que é bom conversar com Ele, que nos faz bem meditar as suas
palavras?
Jovens,
não deixeis que o mundo vos arraste para compartilhar apenas as coisas
negativas ou superficiais.
Sede
capazes de ir contracorrente, compartilhar Jesus, comunicar a fé que Ele vos
deu.
Possais
vós sentir no coração o mesmo impulso irresistível que movia São Paulo,
fazendo-o exclamar: «Ai de mim, se eu não
evangelizar!» (1 Cor 9, 16).
177.
«Para onde Jesus nos manda?
Não
há fronteiras, não há limites: envia-nos a todas as pessoas.
O
Evangelho é para todos, e não apenas para alguns.
Não
é apenas para aqueles que parecem a nossos olhos mais próximos, mais abertos,
mais acolhedores.
É
para todas as pessoas.
Não
tenhais medo de ir e levar Cristo a todos os ambientes, até às periferias
existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente.
E
convida-nos a levar, sem medo, o anúncio missionário aos locais onde nos
encontrarmos e às pessoas com quem convivermos: no bairro, no estudo, no
desporto, nas saídas com os amigos, no voluntariado ou no emprego, é sempre bom
e oportuno partilhar a alegria do Evangelho.
É
assim que o Senhor Se vai aproximando de todos; e pensou em vós, jovens, como
seus instrumentos para irradiar luz e esperança, porque quer contar com a vossa
coragem, frescor e entusiasmo.
178.
Não se pode esperar que a missão seja fácil e cómoda.
Alguns
jovens preferiram dar a própria vida a refrear o seu impulso missionário.
Os
bispos da Coreia escreveram: «Esperamos poder ser grãos de trigo e instrumentos
para a salvação da humanidade, seguindo o exemplo dos mártires.
Apesar
da nossa fé ser tão pequena como um grão de mostarda, Deus fá-la-á crescer e
utilizá-la-á como instrumento para a sua obra de salvação»[6].
Amigos,
não espereis pelo dia de amanhã para colaborar na transformação do mundo com a
vossa energia, audácia e criatividade.
Porque
«é dando que se recebe»[8], e a melhor maneira de preparar um
bom futuro é viver bem o presente, com dedicação e generosidade.
Franciscus
Revisão da versão
portuguesa por AMA
Notas
[1] Francisco, Saudação
aos jovens do Centro Cultural Padre Félix Varela (Cuba – Havana 20 de
Setembro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
24/IX/2015), 10.
[2] DF 46.
[3] Francisco, Discurso
na Vigília da XXVIII Jornada Mundial da Juventude (Rio de
Janeiro 27 de Julho de 2013): AAS 105 (2013), 663.
[4] Vós sois a luz
do mundo, Discurso no Monte São Cristóvão (Chile 1940) in: https://www.padrealbertohurtado.cl/escritos-2/.
[5] Francisco, Homilia
na Eucaristia da XXVIII Jornada Mundial da Juventude (Rio de Janeiro 28
de Julho de 2013): AAS 105 (2013), 665.
[6] Conferência
Episcopal Católica da Coreia, Carta Pastoral por ocasião do 150º aniversário
do Martírio durante a perseguição Byeong-in (30 de Março de 2016).
[7] Cf.
Francisco, Homilia na Eucaristia da XXXIV Jornada Mundial da
Juventude (Panamá 27 de Janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 05/II/2019), 10.
[8] Oração « Senhor,
fazei de mim um instrumento da vossa paz», inspirada em São Francisco de
Assis.