«Não
mais vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas
chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai.»
Há de facto uma diferença e vê-se bem qual é. O amo pode ser amigo do seu
servo, isto é, sente amizade por ele porque faz o que lhe manda fazer, é
diligente, não recalcitra, aceita de bom grado o trabalho que lhe encomenda, a
sua liberdade para escolher outro servo está condicionada pela aptidão que esse
outro possa ter para cumprir as tarefas que este cumpre a contento, mas mesmo
querendo-lhe como amigo tratá-lo-á sempre como servo. O inverso pode também ser
verdadeiro, o servo pode ter amizade pelo seu senhor porque é justo, o trata
com urbanidade, não lhe exige tarefas que vão além das suas capacidades, mas
sempre o considerará como seu amo e não tem a liberdade de poder escolher
outro. Então a diferença está exactamente nisto: os amigos verdadeiros são-no
em qualquer circunstância e não se exigem nada um ao outro pelo contrário gozam
com as diferenças e idiossincrasias de cada um encontrando sempre pontos comuns
ou que se completam. São livres de ter outros amigos, diferentes interesses e
objectivos. Sim, de facto existem diferenças e de monta, mas também existe algo
que é comum e, esse algo, é exactamente o serviço. Os amigos verdadeiros
prestam-se serviços mútuos, pequenos ou grandes, de muita ou escassa
importância. Serviço que começa na disponibilidade gratuita para suprir uma
necessidade, ajudar a ultrapassar um momento menos bom, na partilha da alegria
e da dor do outro, tudo como que balizado por um profundo respeito mútuo pela
privacidade de cada um. É esta a amizade à qual o Senhor se refere e, de facto,
uma amizade assim pode conduzir à dádiva da própria vida pelo amigo.
Esta realidade que me
atinge como um raio, deixa-me sem palavras: Jesus é meu amigo! Sendo eu o que
sou. Sendo eu como sou. Durante os anos, e não são poucos, quantas conversas,
quantos desabafos, queixas e pedidos não Lhe fiz! Meu amigo! Jesus é meu amigo.
Com esta certeza, com este AMIGO, que mais posso precisar? Que posso temer?
Não tenhamos receio
que o que pedimos seja algo grande, muito importante, absolutamente desajustado
aos nossos méritos (na verdade, não temos qualquer mérito). Aprendamos a ser
simples nas nossas conversas com o Senhor, com simplicidade porque é assim que
pedem as crianças e nós, seja qual for
nossa idade ou o estatuto que possamos ter, para Deus somos sempre crianças.
Porque
a oração de Jairo foi assim, simples, concreta, confiada, Jesus foi com ele sem
mais delongas ou perguntas.
Não temos junto de
nós, fisicamente, como Jairo tinha naquele momento, a Pessoa de Jesus, não
podemos fixar o Seu olhar amabilíssimo, apreender os Seus gestos de acolhimento
e amor, mas, nos Sacrários de toda a terra, talvez algum bem próximo onde nos
encontramos, Ele está realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade,
aguardando a nossa visita diária para uma pequena e íntima conversa a dois.
Jairo teve de
informar-se por onde andava Jesus naquela hora, qual o Seu caminho, por onde
passaria e tem de apressar-se pois Jesus,
caminhava continuamente pelos caminhos da Palestina. Detinha-Se junto dos
doentes, dos aflitos, demorava-Se por vezes em pregações mais demoradas que as
multidões ansiavam por ouvir. Embora sem pressas, nunca Se detém num local por
tempo além do necessário. Tem muito que fazer!
Nós não temos de
fazer grande esforço para encontrar Jesus. Temo-Lo ali, à nossa espera, sempre
disponível para nos atender o tempo que quisermos dedicar à nossa conversa.
Somos, na verdade, muito mais afortunados que aqueles contemporâneos de Jesus –
que Jairo – que tinham de percorrer distâncias consideráveis, ficando muitas
vezes sem comer, beber ou descansar, só para terem a dita de O ver ou de O
escutar.
Visitar Jesus no
Sacrário é, portanto, um dever de amor porque, Ele está ali única e exclusivamente
por amor de nós e, amor, com amor se deve pagar.
Muito admirados terão
ficado os que O rodeavam ao verem o novo rumo do caminho de Jesus. Os mais
próximos ter-se-ão dado conta da Sua atitude perante Jairo, ouvido a Sua
interpelação suplicante e confiada. Não ouvindo resposta alguma do Mestre, mas
tão só a Sua pronta decisão de ir com Jairo, deverão ter entendido que o
Coração de Jesus fora profundamente tocado a satisfazer o que Lhe pedia. Alguns terão guardado este exemplo de como
abordar o Mestre. Todos têm algo que Lhe pedir, talvez… nem saibam bem o quê
porque sofrem tantas necessidades, sentem tantas carências. Sabem que Ele É o
refúgio, o consolo, a solução e, também, ficaram a saber, pela atitude de
Jairo, como obter tudo isso.
O mistério da oração
tem-nos sempre suspensos como que numa espécie de limbo nebuloso. Eu penso,
quero confiar no Senhor e, por isso, rezo, mas, cá no meu íntimo, sei que não
mereço nada e que a minha oração, muito provavelmente, não será ouvida. Que mal
estaríamos, se o Senhor só ouvisse as orações dos que têm algum merecimento…!
Eu sei, também, que o
próprio Jesus insistiu, tantas vezes, em que rezássemos continuamente, sem
desfalecer. Deu-nos exemplos que constam nos Evangelhos. Só que, por vezes, é
tão difícil rezar! Parece sempre tanto tempo!
Na verdade, muitas
vezes procuramos consolações na oração, um empolgamento do espírito que nos
arrebate e eleve o coração no espaço espiritual onde nos sentimos mais perto de
Deus. Infelizmente, parece que, assim, estamos a rezar a nós próprios, num
contentamento espiritual que é, desde logo, a paga almejada. É uma pena porque
assim, perdemos aquela outra paga, extraordinariamente mais importante e de
valor incomensuravelmente maior, porque é uma paga divina. Nem a gente sabe
“fazer as contas” que o Senhor usa para connosco.
Conta-se que
Alexandre o Grande mandou dar o governo de cinco cidades a um pobre camponês
que lhe dera uma indicação útil. O pobre homem, espantado, terá dito: Senhor,
nunca me atreveria a pedir tanto! Ao que Alexandre respondeu: Tu pedes como quem
és, eu dou como quem sou!
Eu peço como quem
sou: um pobre miserável que precisa de tudo, absolutamente tudo, do seu Senhor.
Nada tenho, nada valho e tudo o que tenho ou possa valer é d’Ele, desse Senhor
que me deu uma alma imortal e nela imprimiu a Sua imagem. É o meu único bem de
valor – aliás, incalculável – a imagem de Deus impressa na minha alma.
Ele ouve a minha
oração e dá-me não o que Lhe peço, mas o que entende dar-me, com uma
generosidade e uma grandeza que me espantam. E atrevo-me a dizer-Lhe
profundamente agradecido: Peço-Te, Senhor, que recebas o meu
amor como se fosse o único amor que tens na terra. Assim não notarás como é
pequeno, miserável... Serei feliz porque mesmo sabendo o pouco que é, como to
dou todo... fico disponível para me “encher” do Teu...’
Um Funcionário Real a implorar pelo seu servo doente. Não se achara digno
de comparecer ante Jesus e, assim pedira por interpostas pessoas. Fez mais,
declarou expressamente ao Mestre que se sentia indigno de O receber em sua casa, mas que sabia que bastaria uma palavra Sua para
se cumprir o que desejava. Jesus ficou admirado com a sua fé e fez o que lhe
pedia.
Agora o
que se passa é mais grave. Jesus sabe muito bem que a filha de Jairo já morreu.
Pode, se quiser, devolvê-la à vida em qualquer momento, em não importa que
local, mas encontra uma ocasião propícia para edificar o povo que O seguia e,
talvez principalmente, os três discípulos que convocará para O acompanharem. Estes três escolhidos terão sempre um lugar muito particular nos grandes
momentos da vida pública de Jesus. Estiveram nas bodas de Caná como São João
diz expressamente – era usual os “rabis” fazerem-se acompanhar de alguns dos
seus discípulos mais chegados -, talvez, na altura, não se tivessem dado bem
conta do portentoso milagre que, a instâncias de Sua Mãe, Jesus operou. Por uma
razão simples e muito humana, poder-se-ia dizer: “salvar a face” dos noivos
aflitos com a falta de vinho. Não são necessárias grandes causas ou magnos
problemas para que Cristo Se compadeça do ser humano. O Seu Coração amantíssimo
move-se pelos mais singelos problemas dos homens e, ainda mais, quando a Sua
Mãe intervém.
A ti, Mãe, recorro nesta hora de preocupação. Como em Caná intervieste em
favor dos noivos que, sem terem pedido, obtiveram por teu intermédio uma graça
inesperada, diz-lhe também agora: Este meu filho não tem! E como é uma graça
que por tua maternal intercessão, solicito, tenho a certeza que a obterei.
Terão os discípulos percebido que fora devido à intervenção da Virgem que,
Jesus decidira, definitivamente, fazer o milagre? Talvez não. Podemos supor que
sendo a primeira vez que o poder divino de Jesus se manifestava de forma tão
evidente, eles não estivessem preparados para dar atenção aos pormenores. Mais
tarde, sim. No fragor dos dias que se seguiram à Crucifixão e Morte do Senhor,
hão-de procurar refúgio junto da Mãe e, será junto dela, no Cenáculo, que
receberão o Espírito Santo que lhes abrirá definitivamente a compreensão de
todas as coisas.
Junto dela encontramos, sempre, refúgio e protecção, a luz necessária para
distinguir os caminhos que Jesus quer que percorramos e, também, a compreensão
das incidências e agruras que inevitavelmente surgem na vida de cada um.
Links
sugeridos:
Evangelho/Biblia
Santa Sé