06/04/2023

Quinta e Sexta Feira Santas - Vigilia 3


 

1 Logo de manhã, os sumos sacerdotes reuniram-se em conselho com os anciãos e os doutores da Lei e todo o Sinédrio; e, tendo manietado Jesus, levaram-no e entregaram-no a Pilatos. 2 Perguntou-lhe Pilatos: «És Tu o rei dos Judeus?» Jesus respondeu-lhe: «Tu o dizes.» 3 Os sumos sacerdotes acusavam-no de muitas coisas. 4 Pilatos interrogou-o de novo, dizendo: «Não respondes nada? Vê de quantas coisas és acusado!» 5 Mas Jesus nada mais respondeu, de modo que Pilatos estava estupefacto. 6 Ora, em cada festa, Pilatos costumava soltar-lhes um preso que eles pedissem. 7 Havia um, chamado Barrabás, preso com os insurrectos que tinham cometido um assassínio durante a revolta. 8 A multidão chegou e começou a pedir-lhe o que ele costumava conceder. 9 Pilatos, respondendo, disse: «Quereis que vos solte o rei dos judeus?» 10 Porque sabia que era por inveja que os sumos sacerdotes o tinham entregado. 11 Os sumos sacerdotes, porém, instigaram a multidão a pedir que lhes soltasse, de preferência, Barrabás. 12 Tomando novamente a palavra, Pilatos disse-lhes: «Então que quereis que faça daquele a quem chamais rei dos judeus?» 13 Eles gritaram novamente: «Crucifica-o!» 14 Pilatos insistiu: «Que fez Ele de mal?» Mas eles gritaram ainda mais: «Crucifica-o!» 15 Pilatos, desejando agradar à multidão, soltou-lhes Barrabás; e, depois de mandar flagelar Jesus, entregou-o para ser crucificado. 16 Os soldados levaram-no para dentro do pátio, isto é, para o pretório, e convocaram toda a coorte. 17 Revestiram-no de um manto de púrpura e puseram-lhe uma coroa de espinhos, que tinham entretecido. 18 Depois, começaram a saudá-lo: «Salve! Ó rei dos judeus!» 19 Batiam-lhe na cabeça com uma cana, cuspiam sobre Ele e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante dele. 20 Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe o manto de púrpura e revestiram-no das suas vestes. Levaram-no, então, para o crucificar. 21 Para lhe levar a cruz, requisitaram um homem que passava por ali ao regressar dos campos, um tal Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo. 22 E conduziram-no ao lugar do Gólgota, que quer dizer ‘lugar do Crânio’. 23 Queriam dar-lhe vinho misturado com mirra, mas Ele não quis beber. 24 Depois, crucificaram-no e repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, para ver o que cabia a cada um. 25 Eram umas nove horas da manhã, quando o crucificaram. 26 Na inscrição com a condenação, lia-se: «O rei dos judeus.» 27 Com Ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita e o outro à sua esquerda. 28 Deste modo, cumpriu-se a passagem da Escritura que diz: Foi contado entre os malfeitores. 29 Os que passavam injuriavam-no e, abanando a cabeça, diziam: «Olha o que destrói o templo e o reconstrói em três dias! 30 Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!» 31 Da mesma forma, os sumos sacerdotes e os doutores da Lei troçavam dele entre si: «Salvou os outros mas não pode salvar-se a si mesmo! 32 O Messias, o Rei de Israel! Desça agora da cruz para nós vermos e acreditarmos!» Até os que estavam crucificados com Ele o injuriavam. 33 Ao chegar o meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. 34 E às três da tarde, Jesus exclamou em alta voz: «Eloí, Eloí, lemá sabachtáni?», que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? 35 Ao ouvi-lo, alguns que estavam ali disseram: «Está a chamar por Elias!» 36 Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber, dizendo: «Esperemos, a ver se Elias vem tirá-lo dali.» 37 Mas Jesus, com um grito forte, expirou. 38 E o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. 39 O centurião que estava em frente dele, ao vê-lo expirar daquela maneira, disse: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!» 40 Também ali estavam algumas mulheres a contemplar de longe; entre elas, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé, 41 que o seguiam e serviam quando Ele estava na Galileia; e muitas outras que tinham subido com Ele a Jerusalém. 42 Ao cair da tarde, visto ser a Preparação, isto é, véspera do sábado, 43 José de Arimateia, respeitável membro do Conselho que também esperava o Reino de Deus, foi corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. 44 Pilatos espantou-se por Ele já estar morto e, mandando chamar o centurião, perguntou-lhe se já tinha morrido há muito. 45 Informado pelo centurião, Pilatos ordenou que o corpo fosse entregue a José. 46 Este, depois de comprar um lençol, desceu o corpo da cruz e envolveu-o nele. Em seguida, depositou-o num sepulcro cavado na rocha e rolou uma pedra sobre a entrada do sepulcro. 47 Maria de Magdala e Maria, mãe de José, observavam onde o depositaram.

 

Comentários:

 

Este relato da Paixão de Cristo, que São Marcos faz, segue, de alguma forma, os Sinópticos. Nalguns detalhes difere um pouco e omite outros como, por exemplo, o diálogo entre Jesus Cristo e o ladrão crucificado à sua esquerda. Detenho-me, no entanto em numa frase que considero singular: «Pilatos espantou-se por Ele já estar morto». Deve, seguramente, ter colhido esta “informação” do próprio José de Arimateia. Mas, podemos perguntar: a que se deve o espanto de Pilatos? Talvez na sua perturbada consciência  houvesse alguma dúvida acerca da Divindade do Crucificado? Os sonhos que Cláudia – a sua mulher – lhe relatou terão, de alguma forma, levado o seu espírito a interrogações e perplexidades? Ter-se-à informado sobre Jesus e, tomando conhecimento dos Seus milagres, chegado a alguma “conclusão” sobre a verdadeira Natureza do homem que condenara? Poderia, de facto, O Homem que condenara, Ser Alguém com poderes extraordinários: curar enfermos de toda a ordem, multiplicar pães e peixes, andar sobre as águas, ressuscitar mortos? O centurião ter-lhe-à exposto a conclusão a que chegara: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!»? Mas qual Deus? O Deus dos Israelitas? O Tal Messias? O Rei dos Reis? O que lhe dissera claramente: «Sou Rei!». Quando mandou colocar aquela inscrição na Cruz «O rei dos judeus» te-lo-à feito por “ironia”, “acinte” para com os Chefes do Povo? A verdade, também, é que a propósito, dissera:«Quod scripsit secripsit»! Seria uma “teimosia” ou um prenúncio da verdade? Mas… ele, não sabia o que era a Vedade? A sua pergunta a Jesus Cristo, foi de facto uma declaração de ignorância ou, pelo contrário, uma afirmação de que, no seu entender, a verdade poderia ser diferente para alguns? A própria postura de Herodes – que a partir de então se tornou seu amigo – não revelaria uma convicção que Jesus Cristo poderia Ser O Tal Messias Salvador e Rei dos Judeus? Pilatos era um homem culto e inteligente, embora calculista, e com uma única preocupação: a sua “carreira no aparelho” do Império Romano, mas, este “espanto”, leva-me realmente a pensar… O facto é que Jesus Cristo, pendente da Cruz da Salvação, pediu ao Pai que perdoasse os responsáveis pela Sua Crucifixão poruqe «não sabem o que fazem» e, eu, não posso mais que concluir que, nestes, O meu Salvador, incluia Poncio Pilatos. Assim, terei “mais uma razão” para não fazer juízos nem me atrever em considerações sobre a culpabilidade do Pretor Romano. Consta na história que, caído em desgraça junto do Imperador Romano,  terá cometido suicidío pelos anos 38/39 DC. e, também constam os inúmeros atropelos contra os judeus, nomedamente assassínios em masa dos Samaritanos. Mas, a verdade, também, estes actos não “destoam”  em muito dos praticados por outros responsáveis de governo do povos naquela épocacomo, nas posteriores. Realmente, é muito comum que o  poder – quanto mais absoluto pior – pode corromper a consciência ao ponto de levar quem possui a cometer actos de inimaginável crueldade e desrespeito pela vida dos que governa. Pilatos foi “pior” que Hitler; ou Estaline; ou… ?

Quinta e Sexta Fera Santas - Vigilia 2


 

Evangelho

 

Mt XXVII

1 Ao romper da manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo tiveram conselho contra Jesus, para O entregarem à morte. 2 Em seguida, manietado, levaram-n'O e entregaram-n'O ao governador Pôncio Pilatos. 3 Então Judas, o traidor, vendo que Jesus fora condenado, tocado pelo remorso, tornou a levar as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, 4 dizendo: «Pequei, entregando sangue inocente». Mas eles disseram: «Que nos importa? Isso é contigo!». 5 Então, tendo atirado as moedas de prata para o templo, retirou-se e foi-se enforcar. 6 Os príncipes dos sacerdotes, tomando as moedas de prata, disseram: «Não é lícito deitá-las na arca das esmolas, porque são preço de sangue». 7 E, tendo consultado entre si, compraram com elas o Campo do Oleiro para sepultura dos estrangeiros. 8 Por esta razão aquele campo foi chamado até ao dia de hoje “campo de sangue”. 9 Então se cumpriu o que foi anunciado pelo profeta Jeremias: “Tomaram as trinta moedas de prata, custo d'Aquele cujo preço foi avaliado pelos filhos de Israel, 10 e deram-nas pelo Campo do Oleiro, como o Senhor me ordenou”. 11 Jesus foi apresentado diante do governador, que O interrogou, dizendo: «És Tu o Rei dos Judeus?». Jesus respondeu-lhe: «Tu o dizes». 12 Mas, sendo acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. 13 Então Pilatos disse-Lhe: «Não ouves de quantas coisas Te acusam?». 14 E não lhe respondeu a palavra alguma, de modo que o governador ficou muito admirado. 15 O governador costumava, por ocasião da festa da Páscoa, soltar aquele preso que o povo quisesse. 16 Naquela ocasião tinha ele um preso famoso, que se chamava Barrabás. 17 Estando eles reunidos, perguntou-lhes Pilatos: «Qual quereis vós que eu vos solte? Barrabás ou Jesus, que se chama Cristo?». 18 Porque sabia que O tinham entregado por inveja. 19 Enquanto ele estava sentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: «Não te metas com esse justo, porque fui hoje muito atormentada em sonhos por causa d'Ele». 20 Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram o povo a que pedisse Barrabás e que fizesse morrer Jesus. 21 O governador, tomando a palavra, disse-lhes: «Qual dos dois quereis que vos solte?». Eles responderam: «Barrabás!». 22 Pilatos disse-lhes: «Que farei então de Jesus, que se chama Cristo?». 23 Disseram todos: «Seja crucificado!». O governador disse-lhes: «Mas que mal fez Ele?». Eles, porém, gritavam mais alto: «Seja crucificado!». 24 Pilatos, vendo que nada conseguia, mas que cada vez o tumulto era maior, tomando água, lavou as mãos diante do povo, dizendo: «Eu sou inocente do sangue deste justo; a vós pertence toda a responsabilidade!». 25 Todo o povo respondeu: «O Seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos». 26 Então soltou-lhes Barrabás. Quanto a Jesus, depois de O ter mandado flagelar, entregou-O para ser crucificado. 27 Então os soldados do governador, conduzindo Jesus ao Pretório, juntaram em volta d'Ele toda a coorte. 28 Depois de O terem despido, lançaram sobre Ele um manto escarlate. 29 Em seguida, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-Lha na cabeça, e na mão direita uma cana. E, dobrando o joelho diante d'Ele, O escarneciam, dizendo: «Salve, ó rei dos Judeus!». 30 Cuspindo-Lhe, tomavam a cana e batiam-Lhe com ela na cabeça. 31 Depois que O escarneceram, tiraram-Lhe o manto, revestiram-n'O com os Seus vestidos e levaram-n'O para O crucificar. 32 Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, ao qual obrigaram a levar a cruz de Jesus. 33 Tendo chegado ao lugar chamado Gólgota, isto é, “lugar da Caveira”,34 deram-Lhe a beber vinho misturado com fel. Tendo-o provado, não quis beber. 35 Depois que O crucificaram, repartiram entre si os Seus vestidos, lançando sortes. 36 E, sentados, O guardavam. 37 Puseram por cima da Sua cabeça uma inscrição indicando a causa da Sua condenação: «Este é Jesus, o Rei dos Judeus». 38 Ao mesmo tempo foram crucificados com Ele dois ladrões: um à direita e outro à esquerda. 39  Os que passavam, movendo as suas cabeças, ultrajavam-n'O, 40 dizendo: «Ó Tu, que destróis o templo e o reedificas em três dias, salva-Te a Ti mesmo. Se és Filho de Deus, desce da cruz!». 41 Igualmente, também os príncipes dos sacerdotes com os escribas e os anciãos, insultando-O, diziam: 42 «Ele salvou outros e a Si mesmo não se pode salvar. Se é rei de Israel, desça agora da cruz e acreditaremos n'Ele. 43 Confiou em Deus: Se Deus O ama, que O livre agora; porque Ele disse: “Eu sou o Filho do Deus”». 44 Do mesmo modo O insultavam os ladrões que estavam crucificados com Ele. 45 Desde a hora sexta até à hora nona, houve trevas sobre toda a terra. 46 Perto da hora nona, exclamou Jesus com voz forte: «Eli, Eli, lemá sabachtani?», isto é: «Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?». 47 Ao ouvir isto, alguns dos que ali estavam, diziam: «Ele chama por Elias». 48 Imediatamente, um deles, a correr, tomou uma esponja, ensopou-a em vinagre, pô-la sobre uma cana, e dava-Lhe de beber. 49 Porém, os outros diziam: «Deixa; vejamos se Elias vem livrá-l'O». 50 Jesus, soltando de novo um alto grito, expirou. 51 E eis que o véu do templo se rasgou em duas partes, de alto a baixo, a terra tremeu, as rochas fenderam-se, 52 as sepulturas abriram-se, e muitos corpos de santos, que tinham adormecido, ressuscitaram, 53 e saindo das sepulturas depois da ressurreição de Jesus, foram à cidade santa e apareceram a muitos. 54 O centurião e os que com ele estavam de guarda a Jesus, vendo o terramoto e as coisas que aconteciam, tiveram grande medo, e diziam: «Na verdade Este era Filho de Deus!». 55 Estavam também ali, olhando de longe, muitas mulheres, que tinham seguido Jesus servindo-O desde a Galileia. 56 Entre elas estava Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu. 57 Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que era também discípulo de Jesus. 58 Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Pilatos mandou então que lhe fosse dado o corpo. 59 José, tomando o corpo, envolveu-O num lençol limpo, 60 e depositou-O no seu sepulcro novo, que tinha mandado abrir numa rocha. Depois rolou uma grande pedra para diante da boca do sepulcro, e retirou-se. 61 Maria Madalena e a outra Maria estavam lá, sentadas diante do sepulcro. 62 No outro dia, que é o seguinte à Preparação, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus foram juntos ter com Pilatos, 63 e disseram-lhe: «Senhor, lembramo-nos que aquele impostor, quando ainda vivia, disse: “Depois de três dias ressuscitarei”. 64 Ordena, pois, que seja guardado o sepulcro até ao terceiro dia, para que não venham os discípulos, O roubem, e digam ao povo: “Ressuscitou dos mortos”. E assim, o último embuste seria pior do que o primeiro». 65 Pilatos respondeu-lhes: «Tendes guardas; ide, guardai-O como entenderdes». 66 Foram, e tomaram bem conta do sepulcro, selando a pedra e pondo lá guardas.

 

Comentários:

O “ganho” da traição é “maldito”! Os Chefes do Povo sabem-no bem e, por isso mesmo, não lhe querem tocar e “arranjam” uma aplicação para o mesmo. Mas, quem será mais passível de reprovação: o traidor ou quem encomenda e paga a traição? Como não sou nem juíz nem pretendo sê-lo, limito-me a discorrer que, tão indignos são um como outro. O corruptor, no entanto, talvez tenha mais responsabilidade porque é ele quem incita e remunera a traição. O corrupto é, quase sempre, um espírito fraco e perturbado, o corruptor, bem ao contrário, tem a consciência plena do que faz e não olha a meios para conseguir o que pretende. Desde sempre houve corruptos e corruptores mas, o que é verdade, é que, aqueles, não existiriam sem os segundos. Pode, pois, colocar-se a questão: quem tem maior culpa?

José de Arimateia ficará para sempre ligado à história da Salvação Humana. A sua conversa a sós, com Jesus Cristo – e podemos inferir que, por mais de uma vez - deve ter sido de tal forma profunda e decisiva que, do cuidado, que a prudência aconselhava, de sigilo e discrição, passa a actuar ás claras e com determinação. Vai a Pilatos pedir para sepultar o Corpo do Salvador. Onde estavam os seguidores do Mestre? Os que tinham sido curados por Ele, os que comeram do pão e dos peixes que tão magnanimamente lhes proporcionou, os milhares que tinham ouvido as Suas Palvras, acreditado na Sua Doutrina, “confessado” a sua fé n’Ele? Sim… onde estavam? Como que atingidos por um cataclismo, sossobraram, fugiram, esconderam-se. Não fosse este Homem – com “H grande” - e, talvez o Corpo do Senhor tivesse ficado insepulto ou atirado para uma qualquer vala comum. Das obras de misericórdia mais elementares, sepultar os defuntos, é, talvez, uma das que revelam um espírito compassivo e solidário. Compassivo para com os defuntos, solidário para todos os outros – familiares ou amigos – que, por qualquer motivo, se eximem desse dever, talvez, preferindo, chorar e lamentar o que “partiu”, do que honrar com um derradeiro gesto, a sua memória. Fazer - cumprir – a Misericórdia não pode compaginar-se nem com as circunstâncias nem com o tempo. Ou se é misericordioso – SEMPRE – ou não! Mal de nós, que desgraçados seríamos, se Deus Nosso Senhor não fosse – SEMPRE – infinitamente misericordioso para connosco, Seus filhos! E, Jesus Cristo, foi muito claro: «sede misercordios como O vosso Pai do Céu é misricordioso».

Semana Santa Quinta-Sexta Feiras Vígilia - 1



Qinta Feira Santa – Vigília Parte 1

 

Jo XIII, 1-15

 

«Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. No decorrer da ceia, tendo já o Demónio metido no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, a ideia de O entregar, Jesus, sabendo que o Pai Lhe tinha dado toda a autoridade, sabendo que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-Se da mesa, tirou o manto e tomou uma toalha, que pôs à cintura. Depois, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que pusera à cintura. Quando chegou a Simão Pedro, este disse-Lhe: «Senhor, Tu vais lavar-me os pés?». Jesus respondeu: «O que estou a fazer, não o podes entender agora, mas compreendê-lo-ás mais tarde». Pedro insistiu: «Nunca consentirei que me laves os pés». Jesus respondeu-lhe: «Se não tos lavar, não terás parte comigo». Simão Pedro replicou: «Senhor, então não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça». Jesus respondeu-lhe: «Aquele que já tomou banho está limpo e não precisa de lavar senão os pés. Vós estais limpos, mas não todos». Jesus bem sabia quem O havia de entregar. Foi por isso que acrescentou: «Nem todos estais limpos». Depois de lhes lavar os pés, Jesus tomou o manto e pôs-Se de novo à mesa. Então disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-Me Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque o sou. Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também».

Meditação

Naquela sala "no andar superior" o ambiente é estranho.

É um princípio de noite de festa e todos têm e sentem que, desta vez, a refeição da Páscoa, será diferente.

Começara quando Jesus, em resposta à pergunta: «Onde queres que preparemos a Páscoa», respondera um pouco misteriosamente: «Ide à cidade casa de um tal e perguntai-lhe... ele vos mostrará uma sala no andar superior»; assim fizeram e preparam a ceia.

Mais tarde compreenderiam que a resposta de Jesus demonstrava prudência ao não revelar o local onde celebrariam a Ceia; não convinha que esta revelação pudesse levar o traidor a transmiti-la aos chefes do povo abreviando assim a Sua prisão, tudo teria de ser cumprido conforme as Escrituras.

Sentaram-se à mesa e, como sempre, Jesus sentado ao meio, com João a Seu lado, as conversas entre eles decorriam, sobre os acontecimentos recentes e, principalmente, sobre as palavras de Jesus a propósito do que O esperava nos próximos dias.

Não conseguiam compreender e, como Pedro, não aceitavam que a Paixão do Senhor anunciada pelo Senhor pudesse realizar-se mas, também não esqueciam a forma algo dura como o Mestre reagira ás palavras de Pedro que, pobre dele, ficara como que esmagado e mergulhado em mutismo, ele, que era sempre tão falador e disposto a dar a sua opinião e parecer sobre o que fosse. Reconheciam nele o chefe do grupo e a sua indiscutível autoridade. No entanto o Senhor dissera-lhe que iria jurar não O conhecer. Assim, como Pedro, olhavam-se uns aos outros com interrogações mudas. O Mestre, pelo contrário, apresentava-Se como costume, de semblante desanuviado, trocando palavras com todos, fazendo perguntas.

Momentos depois o Senhor levanta-se e cingindo-Se de uma toalha e pondo água numa bacia ajoelha-Se em frente de cada um e lava-lhes os pés.

Durante a refeição todos os olhares, estão fixos em Jesus. Os Seus modos parecem normais e, não fora uma estranha palidez o Seu semblante era, como sempre, tranquilo.

As conversas correm à volta da mesa mas ao contrário do costume, são quase em sussurro. De facto sentem uma ansiedade que mal disfarçam que O Mestre comece - como é costume - a falar.

Quando o faz foi como se um terramoto sacudisse aquela sala: "Um de vós irá trair-me esta noite".

A voz do Mestre tem um ligeiro requebro como que um queixume sufocado no mais íntimo do Seu Coração. As conversas cessam imediatamente e os olhares de uns cruzam-se com os dos outros. Sabem que são fracos e algo volúveis e cada um se interroga interiormente: serei eu?

O Senhor percebe este desconforto que a Sua declaração provocou. Talvez que o tivesse feito exactamente com essa intenção e também para que, uma vez mais, tenham a certeza que, Ele, sabe tudo além de dar uma oportunidade ao traidor de cair em si e desistir do seu propósito. Mas, o pobre homem foge e abandona a sala.

Jesus retoma a palavra para, num longo discurso, lhes falar de Amor,  do que os espera nos dias e tempos que se vão seguir, da fé e confiança que têm de ter n'Ele, e, finalmente, pratica esse supremo acto de amor pelos homens oferecendo-Se como alimento para todo o sempre e, mais, garante que o milagre se repetirá sempre que repetirem aquelas palavras e aqueles gestos em Sua memória. Com razão a Santa Igreja chama à Sagrada Eucaristia o Sacramento da nossa Fé porque é o penhor da permanência até ao final dos tempos de Jesus Cristo entre nós, mas não só penhor, mas alimento indispensável para que as vicissitudes, obstáculos perseguições sejam vencidas e ultrapassadas, a Fé se fortaleça e crie raízes bem profundas.

As palavras rituais – «Isto é o Meu Corpo, Este é o Meu Sangue» – repetir-se-ão até ao final dos tempos sempre que é celebrada a Santa Missa.

Em todos os sacrários da terra permanecerá o Santíssimo Sacramento cuja presença é assinalada por uma pequena luz, lembrando que Ele está ali, presente, à nossa espera; quer que O visitemos com frequência, se possível diária, para Lhe manifestar o nosso amor incondicional.

A visita pode ser breve, com poucas palavras que não são precisas para que Ele saiba quanto desejamos dizer-Lhe.

Quando visitamos alguém que é amigo íntimo, os nossos pais, também não levamos um discurso preparado mas, apenas, um sorriso de alegria que espelhe o nosso interesse, o nosso amor.

Talvez… dizer-lhe o que o Anjo de Portugal ensinou aos Santos Pastorinhos de Fátima: “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Te, peço-Te perdão pelos que não creem, não adoram, não esperam e não Te amam” e, se dispomos de mais um minuto, acrescentar: “Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o Preciosissímo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra em reparação de todas ofensas, pecados e sacrilégios com que constantemente Ès ofendido e pelos méritos do Teu Sacratísímo Coração e do Imaculado Coração de Maria, peço-Vos  a conversão dos pobres pecadores”.

A Ceia termina; cantados os hinos tradicionais abandonam a sala e saem pela noite que entretanto caíra, em direcção ao Jardim das Oliveiras, em Getzamani.

Este horto que ficava numa colina nos arredores de Jerusalém era um local que muitas vezes visitavam e, até, onde passavam a noite, abrigados sobe as copas das vetustas oliveiras.

Não desanimemos ainda que o quadro da nossa vida actual apresente tonalidades tenebrosas. Jesus rezou por nós, oferecendo-nos a possibilidade de encher essa tela com a frescura, a cor e a alegria do divino. (Javier Echevarria,’ Getsemani, Planeta, 3ª Ed. Pg. 133)

Oxalá meu Jesus, fosse verdade que nunca Vos tivesse ofendido! Mas já que o mal está feito, rogo-Vos que vos esqueceis dos desgostos que Vos causei e, pela morte amarga que por mim padecesTe, levai-me ao Vosso reino depois da morte; e enquanto a vida me dure fazei que o Vosso amor reine sempre na minha alma’. (Santo Afonso Maria de Ligório, Meditações sobre a Paixão, Meditação XII, para 4ª F. Santa, 1)

Homilia pronunciada em 14 de Abril de 1960, Quinta-Feira Santa.

Antes do dia da festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Este versículo de S. João anuncia ao leitor que vai acontecer algo de importante nesse dia. É um preâmbulo terno e afectuoso, que corresponde àquele que S. Lucas recolhe no seu relato: «Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer».

‘Devemos começar desde já por pedir ao Espírito Santo que nos prepare de forma a podermos compreender todas as expressões e todos os gestos de Jesus Cristo, porque queremos viver vida sobrenatural, porque o Senhor nos manifestou a Sua vontade de Se nos oferecer como alimento da alma e porque reconhecemos que só Ele tem palavras de vida eterna.

A fé leva-nos a confessar com Simão Pedro: nós acreditamos e conhecemos que tu és Cristo, Filho de Deus. E é também ela, fundida com a nossa devoção, que nesses momentos transcendentes nos incita a imitar a audácia de João. Assim, aproximamo-nos de Jesus e reclinamos a cabeça no peito do Mestre que, como acabamos de ouvir, por amar ardentemente os seus, os iria amar até ao fim.

Todos os modos de dizer são demasiadamente pobres quando pretendem explicar, mesmo de longe, o mistério da Quinta-Feira Santa. No entanto, não é difícil imaginar os sentimentos do Coração de Jesus Cristo naquela tarde, a última que passava com os seus antes do sacrifício do Calvário.

Lembremo-nos da experiência tão humana da despedida de duas pessoas muito amigas. Desejariam ficar sempre juntas, mas o dever - ou seja o que for - obriga-as a afastar-se uma da outra. Não podem, portanto, continuar uma junto das outra, como seria do seu gosto. Nestas ocasiões, o amor humano, que por maior que seja, é sempre limitado, costuma recorrer aos símbolos. As pessoas que se despedem trocam lembranças entre si, talvez uma fotografia onde se escreve uma dedicatória tão calorosa, que até admira que não arda o papel. Mas não podem ir além disso, porque o poder das criaturas não vai tão longe como o seu querer.

Ora o que não está na nossa mão, consegue-o o Senhor. Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem, não deixa um símbolo, mas uma realidade. Fica Ele mesmo. Embora vá para o Pai, permanece entre os homens. Não nos deixará um simples presente que nos faça evocar a sua memória, alguma imagem que tenda a apagar-se com o tempo, como uma fotografia que a pouco e pouco se vai esvaindo e amarelecendo até perder o sentido para quem não interveio naquele momento amoroso. Sob as espécies do pão e do vinho está Ele, realmente presente, com o seu Corpo, o seu Sangue, a alma e a sua Divindade’. São Josemaria, Cristo que Passa, 83

 O Senhor ensina-nos que devemos ser humildes e que devemos procurar conforto nos outros quando estivermos tristes, ainda que o que tenta consolar-nos seja mais ignorante do que nós. (Luís de Palma, A Paixão do Senhor, Éfeso, 1991, pg. 81-82)

O que quiser na verdade venerar a Paixão do Senhor deve contemplar de tal forma Jesus crucificado com os olhos da alma, que reconheça a sua própria carne na carne de Jesus. (São Leão Magno, Sermão 15 sobre a Paixão)

O valor do Crucifixo como ajuda para a oração e a vida cristã é evidente: não há símbolo que nos lembre tão vivamente o infinito Amor de Deus pelo homem como esta imagem do próprio Filho de Deus pregado na Cruz por amor de nós, para que possamos alcançar a vida eterna. Nada pode incitar-nos mais ao arrependimento dos nossos pecados do que essa representação de Jesus crucificado por nossas culpas. Nada pode ser melhor âncora nas nossas tribulações e contrariedades de cada dia que esta imagem de Cristo agonizante, que dá sentido e valor ao nosso sofrimento. (Leo J. Trese, A Fé Explicada, Edições Quadrante, São Paulo, 4ª Ed., nr. 338)

 

Quando Jesus desperta os discípulos adormecidos e os exorta à oração, vinha de experimentar, na Sua própria, as mais graves dificuldades. Ele não pode estranhar que a nós nos custe orar. Mas a luta santa – a agonia de que fala São Lucas – que o Senhor teve que enfrentar e vencer põe diante dos olhos que não se entra por caminhos de verdadeira vida interior se não há verdadeira luta por perseverar na oração: uma luta que, de um modo ou outro, é a de nos acomodarmos plenamente à Vontade Divina. (Javier Echevarria, Getsemani, Planeta, 3ª Ed. Pg. 1160)

Foi para Getsemani com os Seus, e pediu-Lhes que O acompanhassem: o «ficai aqui» e depois «velai coMigo», apesar da sua forma imperativa, eram na realidade um pedido, uma petição, a forma premente de expressar a Sua necessidade humana de companhia e a necessidade imperiosa que os discípulos tinham desse unirem à Sua oração. Faltam palavras para descrever o amor de Deus à liberdade: convoca-nos como testemunhas da prodigiosa riqueza da Sua vida e do seu interesse pela nossa salvação, mas nem nesses momentos transcendentes Se impõe. (Javier Echevarria, Getsemani, Planeta, 3ª Ed. Cap. I, 4)

Em Getsemani, quando a Sua oração pela humanidade chegava ao cume da Sua acção salvifíca, sentiu pena pela indiferença dos Apóstolos, que afirmavam amá-Lo, e O amavam realmente, mas não totalmente: essa indiferença acentuou-se entre os que, por ignorância ou pela maldade do pecado, nem sequer punham os olhos n’Ele. (Javier Echevarria, Getsemani, Planeta, 3ª Ed. Cap. I, 10)

Porque Nossa Senhora não se afastou do Calvário? No fim e ao cabo, nada podia fazer, e a sua presença não evitava nem aliviava as dores do seu Filho nem a Sua humilhação. E não  fez pela mesma razão que uma mãe permanece junto ao leito do seu filho agonizante em lugar de se afastar e distrair-se, já que não pode fazer nada para que continue vivendo ou deixe de sofrer. A Virgem solidarizou-se com o seu Filho; o seu amor levou-a sofrer com Ele. (F. Suarez, A Virgem Nossa Senhora, pg. 294)

Nossa Senhora abdicou dos seus direitos de mãe sobre o seu Filho, para conseguir a salvação dos homens; e para apaziguar a justiça divina, em quanto dela dependia, imolou o seu Filho, de modo que se pode afirmar com razão que redimiu com Cristo a linhagem humana. (Bento XVI, Epístola Inter sodalícia, 22.05.1918)

Tão pouco o Senhor perdeu o ensejo para fazer o bem a quem Lhe fazia mal. Depois de ter beijado sinceramente Judas, admoestou-o, não com a dureza que merecia, mas com a suavidade com que se trata um doente. Chamou-o pelo seu nome, que é sinal de amizade... Judas, com um beijo entregas o Filho do Homem? (Lc 22, 48) Com mostras de paz fazes-me a guerra? E ainda, para o mover mais a que reconhecesse a sua culpa, fez-Lhe outra pergunta cheia de amor: «Amigo, a que vieste?» (Mt 26, 50) Amigo, é maior a injúria que me fazes porque foste Meu amigo, mais o dano que me fazes. "Porque se fosse um inimigo o que maldissesse, suportá-lo-ia..., mas tu, meu amigo, meu amigo íntimo, com quem me unia um amigável trato..." (Sal 54, 13) Amigo, ainda que tu não me queiras, Eu sim, Amigo, porque fazes isto, a que vieste? (Luís De la Palma, La Passión del Señor, pg. 59-60)

 

Se vês que adormeço; se descobres que me assusta a dor; se notas que me detenho ao ver mais de perto a Cruz, não me deixes! Diz-me como a Pedro, como a Tiago, como a João, que necessitas da minha correspondência, do meu amor. Diz-me para seguir-te, para não voltar a deixar-te abandonado com os que tramam a Tua morte, tenho que passar por cima do sono, das minhas paixões, da comodidade. (M. Montenegro, Via Crucis, Palabra, 6ª Ed., Madrid, 1971, nr. 48)

 

Como terá sido o dia de Jesus?

Sabemos como terminou, a ceia pascal, os acontecimentos no horto das oliveiras.

Mas, antes disso?

O Senhor não vivia por antecipação embora conhecesse o futuro tal como aconteceria com todo o detalhe.

Estaria alegre e bem-disposto como sempre, falando com quantos O procuravam, instruindo, doutrinando distribuindo sem reservas o Seu interesse por cada um, escutando com simpatia as queixas, os problemas, os pedidos. Um dia "normal", portanto.

Mas, mais que isso, talvez redobrasse - por assim dizer - o Seu carinho por todos, talvez, para nos deixar uma última lição: viver cada momento com a intensidade que merece, com todo o empenho e interesse, sem pressa nem activismo, como Ele próprio disse «a cada dia a sua preocupação».

De facto, de que vale viver o momento presente condicionado pelo futuro?

Acaba-se sempre por não o viver em plenitude que é o que Ele deseja e quer.

Jesus é o mesmo de sempre - hodie et semper - esperando por todos, recebendo todos, acolhendo todos os que livremente o procuram.

Nestas circunstâncias difíceis para tantos seres humanos, um pouco por todo o mundo, sofrendo as consequências devastadoras desta pandemia que assola as nossas vidas, condicionando-as de forma tão marcante e, muitas vezes, dolorosa, com as privações, o afastamento familiar e, sobretudo, a perda de entes queridos, também eu procuro viver este dia – esta Quinta-Feira Santa – com os meus sentidos colocados naquela sala onde decorre a Última Ceia Pascal de Jesus Cristo.

Em primeirissímo lugar, começo por dar graças a Deus, muitas graças, por poder fazê-lo na minha casa confortável e amena, com saúde e com o espírito livre de tristezas e amarguras.

Sim, como sempre, sinto-me abençoado pelo Senhor que não Se cansa de me cumular com o Seu cuidado amoroso.

Imaginei, ou melhor, vivi esta “Última Ceia” tantas vezes ao largo da minha longa vida que posso dizer que conheço de cor todas as palavras trocadas, os gestos, as atitudes, enfim… os detalhes de quanto se passou naquela «sala no andar de cima» (Lc 22, 12) que Jesus escolhera para concretizar o Seu Amor, sem medida nem limites: a instituição da Eucaristia.

«Tomou um pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o Meu corpo, que vai ser dado por vós; fazei isto em Minha memória. Depois de jantar, fez o mesmo com o cálice, dizendo: Este cálice é a nova Aliança no Meu sangue, que por vós se vai derramar» (Lc 22, 19-20)

Este milagre de puro amor – talvez que, maior que o Sacrifício da Cruz – renova-se constantemente, por Sua Vontade expressa, no Santo Sacrifício da Missa.

De facto, na Cruz, Cristo merece-nos a Redenção e a Salvação Eterna, numa imolação cruenta, terrível, excepcionalmente humilhante e completa.

Na Eucaristia a Sua humilhação é bem expressa ao converter pão e vinho no Seu Corpo e no Seu Sangue para servir de alimento – perene – a todos os homens.

Fico abismado com a magnitude desta humilhação do Senhor de quanto existe em consubstanciar-Se em alimento que, por sua vez, - na Comunhão Eucaristica e enquanto as Sagradas Espécies subsistirem - se transforma no meu corpo e sangue!

“Apoiado nesta fé da Igreja, o Concílio de Trento confessa “aberta e simplesmente que no fortalecedor sacramento da Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho, se contém verdadeira, real e substancialmente, Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, sob a aparência daquelas coisas sensíveis”. (De SS. Eucharistia, cap. 1) Portanto, o nosso Salvador está presente segundo a Sua humanidade, não só à direita do Pai, conforme ao modo normal de hexistir, mas ao mesmo tempo também no Sacramento da Eucaristia segundo um modo de hexistir que, ainda que mal possamos exprimir por palavras, podemos, contudo, alcançar com a razão ilustrada pela fé e devemos crer firmissímamente que é possível para Deus”. (São Paulo VI, Encíclica Mysterium Fidei)

A minha alma, o meu espírito agustiam-se, por vezes, ao considerar os “ultrajes, as ofensas e sacrilégios com que tantas vezes é ofendido”. (Oração do Anjo de Portugal na sua primeira aparição aos Pastorinhos de Fátima)

Com frequência durante o dia esta consideração faz-me realizar actos e considerações de reparação: actos de pequenas sacrifícios ou renúncias, considerações que são preces e jaculatórias.

Sobretudo quando me aproximo da Comunhão Eucaristica, peço por todos esses pobres seres que cometem esses actos tão vis de desrespeito e profanação, atrevendo-me a implorar: Senhor… eles não sabem o que fazem!

Hoje, neste ano de 2020, não posso receber-Te na Sagrada Comunhão e limito-me a fazer a comunhão espiritual que aprendi de São Josemaria: “Eu quisera Senhor, receber-vos com aquela pureza, humildade e devoção com que Vos rebeu a Vossa Santíssima Mãe, com o espírito e fervor dos Santos”.

Foi o que fiz hoje ao participar – pela Televisão - na Santa Missa celebrada na Basília de São Pedro, pelo Papa Francisco.

Comoveu-me aquela figura de homem idoso, com vísiveis dificuldades motoras, mas com um espírito lúcido e determinado.

A sua homília foi centrada nos Sacerdotes.

Foram palavras de afecto e de esperança, inspiradoras de confiança e aconselhando o serviço a Deus, e, por Deus aos outros.

Fiquei envergonhado e triste por considerar que não rezo tanto como devia pelos Sacerdotes.

Envergonhado, porque falto ao meu dever como cristão.

Triste, por me mostrar tão ingrato por tantos inestimáveis serviços que deles tenho recebido ao longo dos anos.

«Quando chegou a hora, pôs-se à mesa; e com Ele os Apóstolos». (Lc 22, 14)

 

Quando chegou a hora?

Esta “nota” do Evangelista São Lucas dá-me que pensar: que hora?

As horas têm a ver com o “plano de vida” que, qualquer cristão deve ter.

Sim, um cristão não vai pela vida sem um rumo certo e determinado e, para estar seguro de tal, tem de ter como princípio fazer o que deve quando deve, sem ceder a tentações de adiar, “saltar”, para um outro momento, primeiro, porque não sabe se esse momento acontecerá e, depois, porque se não fizer o que deve quando deve as consequências poderão ser sérias para outros que talvez estivessem à espera da  nossa acção.

 

Um plano de vida tem, evidentemente de prever, considerar ”tempo” para o mundo – as tarefas quotidianas – e “tempo para” Deus – as orações e participação em actos litúrgicos como a Santa Missa.

Mas, na verdade, esta “distinção de tempos” não tem razão de ser, já que, as obras, as tarefas, seja o que for, devem sempre ter como critério fazer – em tudo – a Vontade de Deus.

Se tivermos, como devemos, a consciência da presença de Deus, esta disposição converter-se-á num comportamento natural.

 

Volto para aquela «sala no andar de cima» e observo com detalhe quanto acontece.

Aconteceram coisas singulares que os Evangelistas nos deixaram constantes: a rivalidade entre os Apóstolos, que começaram a discutir qual seria o maior; o exemplo surprendente de humildade e de serviço dado por Jesus realizando o ofício reservado ao mais ínfimo dos escravos: «pôs-se a lavar-lhes  os pés» (Cfr. Jo 13, 4-17); Jesus derrama-Se em amor e ternura para com os Seus discípulos. «Filhinhos» (Cfr. Jo 13, 33) chega chamar-lhes”. (F. Fernandez Carvajal, Hablar com Dios, Tomo II, 44)

 

O próprio Senhor quis dar aquela reunião tal plenitude de significado, tal riqueza de recordações, tal comoção de palavras e de sentimentos, tal novidade de actos e preceitos, que nunca terminaremos de os meditar e explorar. É uma ceia testamentária; é uma ceia afectuosa e imensamente triste, ao mesmo tempo que misteriosamente reveladora de promessas divinas, de visões supremas. Paira em cima a morte, com inauditos presságios de traição, de abandono, de imolação; a conversação apaga-se em seguida, enquanto a palavra de Jesus flui continua, nova, extremamente doce, tensa em confidências supremas, comprimindo-se assim entre a vida e a morte”. (São Paulo VI, Homília da Missa de Quinta-Feira Santa, 27.03.1975)

 

Segue-se um discurso longo, detalhado. Jesus tem um tom de voz que denuncia a importância do que diz e, talvez, para que fique bem gravado na memória dos que O ouvem – ou o leem, como eu – pelos tempos fora.

Estou tão “metido” nesse discurso que mal me dou conta que tudo já acabou, que se «cantaram os hinos» (Cfr. Mc 14, 26) e todos se vão embora.

Já passa das vinte e duas horas, é noite cerrada e, eu, recomponho-me das emoções vividas e apresso-me a sair também.

“Jesus vai para o Getsamani para Se preparar para a Paixão e Morte que se avizinham. Continua previligiando na Sua Vida o que narra o Evangelista São João: «tendo amado os outros que estavam no mundo» – a humanidade inteira porque ao encarnar-Se tornou-nos Seus a todos - , «amou-os até ao fim» (Jo 13, 1) . E dirige-Se para essa meta cumulo do Seu Amor ao Pai e – pelo Pai – aos homens Seus irmãos, rezando no Monte da Oliveiras.” (D. Javier Echevarría, Getsemaní, Planeta, pg. 16)

Jesus, mal chega ao local, recomenda aos discípulos: «Orai para não cairdes em tentação(Lc 22, 40)

“Orai, exclamou; e repetiu-o porfiadamente, segundo os momentos, com acentos de conselho, de petição, de mandato. Fixou este requesito como meio necessário para não cair na tentação, ou para não iludir o cumprimento do dever. Torna-se evidente que, com esse recurso, a alma fica bem defendida, disposta para levar a cabo as grandes tarefas, pois Deus não abndona os que O chamam. Reajamos sempre com este critério de auto-defesa, para não sucumbir aos ataques do diabo, à debilidade do homem velho que todos arrastamos (cfr. Rm 7, 22-24). (D. Javier Echevarría, Getsemaní, Planeta, pg. 39)

Evidentemente que tenho experiência própria – todos os cristãos têm – do poder da oração.

Quando menos espero, nas ocasiões mais insuspeitas, a tentação, muitas vezes sob a forma de pensamentos torpes e horíveis, atacam num crescendo tumultuosos que mais não pretendem que provocar desassossego e distracção do que estou a fazer. Paro imediatamente para elevar o pensamento ao Anjo da Minha Guarda num apelo à sua ajuda urgente.

 

Nunca falha!

 

Estas horas passadas no Horto das Oliveiras continuam, ao longo dos tempos, a marcar profundamente a Igreja e os Cristãos.

Teem-se escrito livros, meditações sem fim mas, a verdade, é que continua um acontecimento que contém um mistério denso e incompreensível para muitos.

Parece que, e muitos temos essa experiência, que o sofrimento espiritual é mais profundo que o da carne e, a verdade, é que pode provocar um verdadeiro sofrimento físico.

Há experiências pessoais que confirmam que um grande sofrimento causado, por exemplo, com a perda de um ente querido, pode acarretar consequências físicas de proporções graves. É o chamado Psicosomatismo, algo bem real e conhecido.

Jesus suava sangue. (cfr. Lc 22, 44)

Não se trata de uma “fantasia” dos Apóstolos que o constataram. Suar sangue é conhecido por  hematidrose fenómeno que ocorre quando fatores emocionais provocam o rompimento de veias capilares.

E, então, aparece um Anjo que O conforta.

Tal suscita-nos uma pergunta: Jesus Cristo tinha um Anjo da Guarda?

São Tomás de Aquino não afirma expressamente que Jesus tivesse um anjo da guarda no sentido estrito da palavra, já que o papel dos anjos da guarda, de dirigir e proteger, não Lhe era necessário. Mesmo assim, as Sagradas Escrituras parecem indicar que havia não só um anjo, mas toda uma falange de anjos a Seu serviço, de modo que São Tomás observa:

Não era de um anjo da guarda, enquanto superior, que Ele necessitava, mas de um anjo que O servisse como inferior. (Suma Teológica I, q. 113, a. 4 ad 1)

Quanto ao episódio do Getsémani, São Tomás explica: “O conforto recebido do anjo não se deu a modo de instrução, mas para manifestar a veracidade da Sua natureza humana”. (Suma Teológica III, q.12, a. 4, ad 1)

 

Sinto-me como que aturdido, esmagado por estas cenas em que me é dado participar e, uma vez mais, me dou conta do valor, real e concreto, que, mau grado as minhas misérias, tenho para Jesus.

Sim… um valor que merece da Sua parte tal dor, tal sacrifício!

“O meu Senhor retirou-se para rezar.

Procurou a solidão no silêncio do fim do dia.

A Sua Humanidade sofria intensamente com a visão dos tormentos que se aproximavam.

Poderia Jesus ter suportado a flagelação, as vergastadas, os espinhos cravando-se na Sua cabeça, os pregos rasgando a carne, o horror do suplício da Cruz?

Estou certo que sim. Jesus era um homem perfeito e o sofrimento, por excessivo que fosse não deveria atemorizá-lo de forma tão absoluta.

Outros sofreram também horrores, sacrifícios inauditos de incrível crueldade.

Julgo que o atroz sofrimento de Jesus, no Horto das Oliveiras, nascia principalmente no Seu espírito, no Seu coração.

Ele tinha dado tudo quanto tinha para dar, oferecido todos os meios, apontado todos os caminhos e, agora, iam fazer pouco, escarnecê-Lo, violentá-Lo na Sua inteireza de homem bom e recto, iam negá-Lo como Filho de Deus, Deus verdadeiro feito homem.

Tudo isto, e muito mais, e não só nessa noite e no dia seguinte, mas depois, em todas as noites e todos os dias até ao final dos tempos.

Milhões de homens e mulheres que sempre O iriam negar, escarnecer, cuspir e crucificar outra vez. Que peso, Senhor, que peso incrível seria o conhecimento de tudo isto!

        Ah! Meu Jesus, se ainda se salvassem todos os homens!

Se, apesar de tudo, essas almas conhecessem a Vida Eterna no seio de Deus Pai, como tinhas previsto e desejado desde o início dos tempos!

Mas não, Jesus, o que mais Te dói agora, neste fim de dia no Horto das Oliveiras é que tantos milhões de homens e mulheres se percam eternamente.

Dói-te tanto, Senhor, não pelo Teu sacrifício ter sido inútil para esses, mas porque o Teu coração bondoso, a Tua misericórdia infinita se entristece mortalmente com esse fim trágico dos Teus filhos.

        Não foi isso que quisesTe.

Nunca desejas-Te outra coisa senão a eterna felicidade de todos os homens, que todos, absolutamente todos, se salvassem e pudessem estar conTigo, com o Pai, com o Espírito Santo, com a Tua Santíssima Mãe, com a legião de Anjos e Santos, por toda a eternidade.

Não tens, ali, a Tua Mãe extremosa, para Te amparar e dar consolo. Nesta hora tão triste, de certeza que o seu coração se contrai também na dor que não pode deixar de sentir em uníssono com o seu Filho.

Talvez, na casa onde pernoita, vele angustiada, esperando o horror que adivinha.

Decerto que Tu, Filho fiel, com todo o carinho e ternura lhe terás desvendado algo do que irá acontecer nas próximas horas.

Soube, antes que lho contasses, da tristeza que já Te invadia o coração, bastava-lhe olhar o rosto adorado do seu divino Filho para se aperceber do vendaval de emoções que n'Ele se chocavam.

Também ela, a Tua Santíssima Mãe, reza com fervor repetindo o “Fiat” que pronunciara trinta e três anos antes.

Punha nas mãos de Deus, Teu e seu Pai, toda a vida, toda a morte, todos os sofrimentos do seu Filho.

Tem confiança, tem esperança mas, sobretudo, sabe, que há-de voltar a ver-Te ressuscitado e glorioso.

Esta certeza, do sofrimento de Tua Mãe, junta-se às dores que Te partem o coração e tornam tão grande, tão incomensurável a Tua dor, tens tanta pena, que suas sangue e, numa fraqueza momentânea, pedes a Teu Pai que afaste esse cálice. Cfr. Mc 14, 36

Por momentos, Senhor, a Tua humanidade tornou-se mais evidente. Mas logo, a Tua perfeição absoluta, reduziu a nada esse desejo legítimo, a esse desabafo: «não se faça o que Eu quero, senão o que Tu queresCfr. 14,36

Também eu digo, faça-se a Tua vontade, Deus e Senhor de tudo e de todas as coisas e não a minha vontade de homem!

A Tua dor, Senhor, é uma dor de amor que só pode ser mitigada com amor.

Posso eu, Senhor, ter sempre presente a Tua agonia enorme e inimaginável, ou estou sempre tão ocupado, tão absorvido, tão disperso que nem sequer sou capaz de estar conTigo uma simples hora do meu dia, inteiramente dedicada a Ti, fazendo-Te companhia, compartilhando a Tua dor, carregando um pouco do Teu sofrimento?

Minha Mãe Santíssima, ajuda-me a ter uma dor de amor tão completa que me faça despertar deste sono que me carrega o espírito e permanecer ao lado do teu divino Filho, vigilante e decidido a não ceder nem à dor nem ao cansaço.

 

Jesus, ajuda-me a acompanhar a Tua Santíssima Mãe e compartilhar com Ela estes Mistérios Dolorosos, animando-a e confortando-a na sua dor e angústia”. (AMA, Santo Rosário, 1999)

Vou omitir algumas considerações que tinha pensado fazer sobre os últimos momentos: A consumação da traição de Judas e aprisão de Jesus.

Sinto que… é demais!

Sinto que… as considerações poderiam levar-me à revolta, à indignação, a fazer juízos.

E… não quero!

Desejo antes ficar-me pela consideração de não me deixar adormecer na vigília que devo manter – permanentemente – sobre o meu comportamento, as minhas acções, desejos e omissões.

Estar vigilante, como Jesus pediu e recomendou aos Discípulos adormecidos «Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é débil.» (MT 26, 41), e a todos nós.

Sempre… porque só vigiando sem descanso posso evitar ser surpreendido pelas minhas fraquezas e misérias e sucumbir à tentação.


Segunda Parte

 

Jo 18 - 3 Judas, então, guiando o destacamento romano e os guardas ao serviço dos sumos sacerdotes e dos fariseus, munidos de lanternas, archotes e armas, entrou lá. 4 Jesus, sabendo tudo o que lhe ia acontecer, adiantou-se e disse-lhes: «Quem buscais?» 5 Responderam-lhe: «Jesus, o Nazareno.» Disse-lhes Ele: «Sou Eu!» E Judas, aquele que O ia entregar, também estava junto deles. 6 Logo que Jesus lhes disse: ‘Sou Eu!’, recuaram e caíram por terra. 7 E perguntou-lhes segunda vez: «Quem buscais?» Disseram-lhe: «Jesus, o Nazareno!» 8 Jesus replicou-lhes: «Já vos disse que sou Eu. Se é a mim que buscais, então deixai estes ir embora.» 9 Assim se cumpria o que dissera antes: ‘Dos que me deste, não perdi nenhum.’ 10 Nessa altura, Simão Pedro, que trazia uma espada, desembainhou-a e arremeteu contra um servo do Sumo Sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O servo chamava-se Malco. 11 Mas Jesus disse a Pedro: «Mete a espada na bainha. Não hei-de beber o cálice de amargura que o Pai me ofereceu?» 12 Então, o destacamento, o comandante e os guardas das autoridades judaicas prenderam Jesus e manietaram-no. 13 E levaram-no primeiro a Anás, porque era sogro de Caifás, o Sumo Sacerdote naquele ano. 14 Caifás era quem tinha dado aos judeus este conselho: ‘Convém que morra um só homem pelo povo’. 15 Entretanto, Simão Pedro e outro discípulo foram seguindo Jesus. Esse outro discípulo era conhecido do Sumo Sacerdote e pôde entrar no seu palácio ao mesmo tempo que Jesus. 16 Mas Pedro ficou à porta, de fora. Saiu, então, o outro discípulo que era conhecido do Sumo Sacerdote, falou com a porteira e levou Pedro para dentro. 17 Disse-lhe a porteira: «Tu não és um dos discípulos desse homem?» Ele respondeu: «Não sou.» 18 Lá dentro estavam os servos e os guardas, de pé, aquecendo-se à volta de um braseiro que tinham acendido, porque fazia frio. Pedro ficou no meio deles, aquecendo-se também. 19 Então, o Sumo Sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina. 20 Jesus respondeu-lhe: «Eu tenho falado abertamente ao mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e não disse nada em segredo. 21 Porque me interrogas? Interroga os que ouviram o que Eu lhes disse. Eles bem sabem do que Eu lhes falei.» 22 Quando Jesus disse isto, um dos guardas ali presente deu-lhe uma bofetada, dizendo: «É assim que respondes ao Sumo Sacerdote?» 23 Jesus replicou: «Se falei mal, mostra onde está o mal; mas, se falei bem, porque me bates?» 24 Então, Anás mandou-o manietado ao Sumo Sacerdote Caifás. 25 Entretanto, Simão Pedro estava de pé a aquecer-se. Disseram-lhe, então: «Não és tu também um dos seus discípulos?» Ele negou, dizendo: «Não sou.» 26 Mas um dos servos do Sumo Sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse-lhe: «Não te vi eu no horto com Ele?» 27 Pedro negou Jesus de novo; e nesse instante cantou um galo. 28 De Caifás, levaram Jesus à sede do governador romano. Era de manhã cedo e eles não entraram no edifício para não se contaminarem e poderem celebrar a Páscoa. 29 Pilatos veio ter com eles cá fora e perguntou-lhes: «Que acusações apresentais contra este homem?» 30 Responderam-lhe: «Se Ele não fosse um malfeitor, não to entregaríamos.» 31 Retorquiu-lhes Pilatos: «Tomai-o vós e julgai-o segundo a vossa Lei.» «Não nos é permitido dar a morte a ninguém», disseram-lhe os judeus, 32 em cumprimento do que Jesus tinha dito, quando explicou de que espécie de morte havia de morrer. 33 Pilatos entrou de novo no edifício da sede, chamou Jesus e perguntou-lhe: «Tu és rei dos judeus?» 34 Respondeu-lhe Jesus: «Tu perguntas isso por ti mesmo, ou porque outros to disseram de mim?» 35 Pilatos replicou: «Serei eu, porventura, judeu? A tua gente e os sumos sacerdotes é que te entregaram a mim! Que fizeste?» 36 Jesus respondeu: «A minha realeza não é deste mundo; se a minha realeza fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que Eu não fosse entregue às autoridades judaicas; portanto, o meu reino não é de cá.» 37 Disse-lhe Pilatos: «Logo, Tu és rei!» Respondeu-lhe Jesus: «É como dizes: Eu sou rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz.» 38 Pilatos replicou-lhe: «Que é a verdade?» Dito isto, foi ter de novo com os judeus e disse-lhes: «Não vejo nele nenhum crime. 39 Mas é costume eu libertar-vos um preso na Páscoa. Quereis que vos solte o rei dos judeus?» 40 Eles puseram-se de novo a gritar, dizendo: «Esse não, mas sim Barrabás!» Ora Barrabás era um salteador.

 

Jo 19 1 Pilatos tomou então Jesus e mandou-O flagelar.2 Depois, os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-Lha sobre a cabeça e revestiram-n'O com um manto de púrpura.3 Aproximavam-se d'Ele e diziam-Lhe: «Salve, rei dos judeus!», e davam-Lhe bofetadas.4 Saiu Pilatos ainda outra vez fora e disse-lhes: «Eis que vo-l'O trago fora, para que conheçais que não encontro n'Ele crime algum».5 Saiu, pois, Jesus, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos disse-lhes: «Eis aqui o Homem!».6 Então os príncipes dos sacerdotes e os guardas, quando O viram, gritaram: «Crucifica-O, crucifica-O!». Pilatos disse-lhes: «Tomai-O e crucificai-O, porque eu não encontro n'Ele motivo algum de condenação».7 Os judeus responderam-lhe: «Nós temos uma Lei e, segundo essa Lei, deve morrer, porque Se fez Filho de Deus».8 Pilatos, tendo ouvido estas palavras, temeu ainda mais.9 Entrou novamente no Pretório e disse a Jesus: «Donde és Tu?». Mas Jesus não lhe deu resposta.10 Então Pilatos disse-Lhe: «Não me falas? Não sabes que tenho poder para Te soltar e também para Te crucificar?».11 Jesus respondeu: «Tu não terias poder algum sobre Mim, se não te fosse dado do alto. Por isso, quem Me entregou a ti tem maior pecado». 12 Desde este momento, Pilatos procurava soltá-l'O. Porém, os judeus gritavam: «Se soltas Este, não és amigo de César!, porque todo aquele que se faz rei, declara-se contra César».13 Pilatos, tendo ouvido estas palavras, conduziu Jesus para fora e sentou-se no seu tribunal, no lugar chamado Litóstrotos, em hebraico Gábata.14 Era o dia da Preparação da Páscoa, cerca da hora sexta. Pilatos disse aos judeus: «Eis o vosso rei!».15 Mas eles gritaram: «Tira-O, tira-O, crucifica-O!». Pilatos disse-lhes: «Hei-de crucificar o vosso rei?». Os pontífices responderam: «Não temos outro rei senão César».16 Então entregou-Lho para que fosse crucificado. 17 Tomaram, pois, Jesus que, carregando com a Sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, em hebraico Gólgota,18 onde O crucificaram, e com Ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio.19 Pilatos redigiu um título, que mandou colocar sobre a cruz. Nele estava escrito: «Jesus Nazareno, Rei dos Judeus».20 Muitos judeus leram este título, porque o lugar onde foi crucificado ficava perto da cidade. Estava redigido em hebraico, em latim e em grego.21 Os pontífices dos judeus diziam, porém, a Pilatos: «Não escrevas: Rei dos Judeus, mas: Este homem disse: Eu sou o Rei dos Judeus».22 Pilatos respondeu: «O que escrevi, está escrito!».23 Os soldados, depois de terem crucificado Jesus, tomaram as Suas vestes e fizeram delas quatro partes, uma para cada soldado. Tomaram também a túnica. A túnica não tinha costura, era toda tecida de alto a baixo.24 Disseram entre si: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver a quem tocará; para que se cumprisse deste modo a Escritura, que diz: “Repartiram entre si as Minhas vestes e lançaram sortes sobre a Minha túnica”. “Os soldados assim fizeram. 25 Estavam, de pé, junto à cruz de Jesus, Sua mãe, a irmã de Sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. 26 Jesus, vendo Sua mãe e, junto dela, o discípulo que amava, disse a Sua mãe: «Mulher, eis o teu filho» .27 Depois disse ao discípulo: «Eis a tua mãe». E, desde aquela hora, o discípulo recebeu-a na sua casa. 28 Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir a Escritura, disse: «Tenho sede». 29 Havia ali um vaso cheio de vinagre. Então, os soldados, ensopando no vinagre uma esponja e atando-a a uma cana de hissopo, chegaram-Lha à boca. 30 Jesus, tendo tomado o vinagre, disse: «Tudo está consumado!». Depois, inclinando a cabeça, entregou o espírito. 31 Os judeus, visto que era o dia da Preparação, para que os corpos não ficassem na cruz no sábado, porque aquele dia de sábado era de grande solenidade, pediram a Pilatos que lhes fossem quebradas as pernas e fossem retirados. 32 Foram, pois, os soldados e quebraram as pernas ao primeiro e ao outro com quem Ele havia sido crucificado. 33 Mas, quando chegaram a Jesus, vendo que já estava morto, não Lhe quebraram as pernas, 34 mas um dos soldados trespassou-Lhe o lado com uma lança e imediatamente saiu sangue e água. 35 Quem foi testemunha deste facto o atesta, e o seu testemunho é digno de fé e ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis. 36 Porque estas coisas sucederam para que se cumprisse a Escritura: “Não Lhe quebrarão osso algum”.37 E também diz outro passo da Escritura: “Hão-de olhar para Aquele a quem trespassaram”. 38 Depois disto, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, ainda que oculto por medo dos judeus, pediu a Pilatos que lhe deixasse levar o corpo de Jesus. Pilatos permitiu-o. Foi, pois, e tomou o corpo de Jesus. 39 Nicodemos, aquele que tinha ido anteriormente de noite ter com Jesus, foi também, levando uma composição de quase cem libras de mirra e aloés. 40 Tomaram o corpo de Jesus e envolveram-n'O em lençóis com perfumes, segundo a maneira de sepultar usada entre os judeus. 41 Ora, no lugar em que Jesus foi crucificado, havia um horto e no horto um sepulcro novo, em que ninguém tinha ainda sido sepultado. 42 Por ser o dia da Preparação dos judeus e o sepulcro estar perto, depositaram ali Jesus.