Tempo de Advento
Evangelho:
Lc 1, 46-56
46 Então Maria disse:
«A minha alma glorifica o Senhor; 47 e o meu espírito exulta de
alegria em Deus meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade da
Sua serva. Portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão
ditosa, 49 porque o Todo-poderoso fez em mim grandes coisas. O Seu
nome é Santo, 50 e a Sua misericórdia se estende de geração em
geração sobre aqueles que O temem. 51 Manifestou o poder do Seu
braço, dispersou os homens de coração soberbo. 52 Depôs do trono os
poderosos, elevou os humildes. 53 Encheu de bens os famintos, e aos
ricos despediu de mãos vazias. 54 Tomou cuidado de Israel, Seu
servo, lembrado da Sua misericórdia; 55 conforme tinha prometido a
nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre». 56 Maria
ficou com Isabel cerca de três meses; depois voltou para sua casa.
Comentário:
Poder-se-ia dizer que o Magnificat é
por excelência o canto do Natal.
De facto, entoado pela jovem Mãe que
espera com ansiosa alegria o Nascimento do Filho que se está formando no seu
puríssimo ventre, este cântico traduz de forma radiosamente bela o sentimento
dos cristãos que aguardam expectantes poder celebrar o Natal do Salvador.
(ama, comentário sobre LC 1 46-56,
2014-12-22)
Leitura espiritual
Eucaristia
A Presença Real de Cristo
na Eucaristia - Parte III
-
"Deveríamos considerar isto: se Nosso Senhor é Santo, como Ele Se deixaria
ser manejado, em um processo de transformação, por pessoas (=os sacerdotes) que
são pecadoras por natureza?" [i].
-
"Por esta palavra ('Fazei isto'), Cristo faz com que a mão do sacerdote
seja a Sua [própria mão]; a boca não é minha; a língua não é minha, mas de
Cristo, ainda que eu seja um patife ou um malandro (...) Por pior que seja um
sacerdote, o sacramento se concretiza" [ii].
HOMILIA ANÓNIMA DO SÉCULO
II OU III
Trata-se
de uma homilia sobre a Páscoa. Reflecte a doutrina da Igreja do seu tempo.
Pode
ser lida em PG 59,735-746, sendo conhecida como "In Sanctum Pascha 6".
A
segunda parte da homilia diz:
-
"Esta foi a Páscoa que Jesus desejou padecer por nós.
Pela
sua Paixão libertou-nos da paixão; e pela sua morte venceu a morte; e através
do alimento visível, a sua vida imortal nos procurou [iii].
Este
era o desejo salvífico de Jesus; este era o Seu amor espiritualíssimo,
mostrando por um lado as figuras como figuras e, de outro lado, dando aos
discípulos a correspondência com o Seu sagrado corpo: 'Tomai e comei; isto é
Meu corpo'; 'Tomai e bebei; isto é Meu sangue, a Nova Aliança, derramada por
muitos, para a remissão dos pecados".
CLEMENTE DE ALEXANDRIA
Contemporâneo
de Ireneu, nasceu em torno de 150 e morreu por volta de 215.
Oriundo
da Grécia, de família pagã.
Uma
vez convertido, viajou buscando instrução cristã, o que acabou encontrando
junto ao cristão Panteno de Alexandria, a quem sucedeu, após sua morte, no
cargo de catequista dos novos cristãos.
Perseguido
pelo Imperador Septímio Severo, fugiu para o Egipto e, finalmente morreu na
Capadócia.
Uma
homilia sua sobre Marcos 10,17-31 apresenta-nos Jesus dizendo-nos:
-
"Eu te regenerei (...) Eu te mostrarei a face de Deus, o Bom Pai (...) Eu
sou Aquele que te alimenta, que dou a Mim mesmo no pão [do qual quem provar não
experimentará a morte] e dou diariamente a Mim mesmo na bebida da
imortalidade" [iv].
É
bastante claro o sentido realista da presença do Senhor: não é o símbolo que
nos pode salvar da morte eterna, mas o próprio Senhor. E isto apesar de
Clemente ser um claro representante da Escola Alegórica de interpretação.
Este
dado deve ser levado em conta sempre que estejamos considerando este ou outros
autores alegoristas, como Tertuliano [v].
Creio
que seja útil advertir, por ocasião deste texto, que as expressões simbólicas
que eventualmente podem ocorrer em autores antigos ou modernos não implicam
necessariamente no facto de autor negar a presença real do Senhor na
Eucaristia.
Por
exemplo: Clemente, na sua homilia, faz o Senhor dizer: "Dou-me a Mim mesmo
no pão"; e nos nossos dias é comum ouvirmos dos lábios de pregadores
católicos: "Jesus se fez pão na Eucaristia" ou expressões
semelhantes.
Tais
expressões não significam que se está negando a presença real do Senhor, mas
são na verdade expressões literárias perfeitamente compreensíveis no contexto
em que são expressas: o que vemos na Eucaristia é precisamente pão e se os
ouvintes ou leitores são fiéis, não é contrário à Fé Católica falar deste modo.
Retornando
à expressão de Clemente, não esqueçamos que Jesus diz "Dou-me a Mim
mesmo" no pão; se quisermos ser mais exactos, diríamos: "Dou-me a Mim
mesmo (presença real) sob as aparências de um simples pão (o que vemos, os
acidentes, aquilo que nosso corpo consome empiricamente) ".
TERTULIANO
É
a testemunha da Igreja de Cartago.
Nascido
de pais pagãos por volta de 155, chegou a ser advogado de excelente reputação.
Converteu-se
ao Senhor em 193.
Autor
prolífico, de enorme influência no pensamento cristão, excelente conhecedor das
Escrituras, os seus escritos apresentam um período católico; a seguir, um
período de transição (semi-montanista, com tendências rigoristas); e,
finalmente, rompe com a Igreja para professar o cisma montanista, que
basicamente consistia em um Cristianismo extremamente rigorista.
Morreu
entre 240 e 250.
O
realismo eucarístico de Tertuliano é bastante conhecido. Para ele:
-
"A Eucaristia são as delícias do corpo do Senhor" [vi].
Por
não atentar-se devidamente às peculiaridades da sua linguagem, tem sido possível
o paradoxo de interpretar como simbolista um escritor que com esses mesmos
textos está decididamente refutando o Docetismo de Marcião [vii].
Vejamos
alguns textos para termos uma melhor ideia sobre a mente de Tertuliano:
-
"Pelo qual já provamos com o Evangelho pelo mistério do pão e do vinho a
verdade do corpo e do sangue do Senhor, ao contrário do fantasma de Marcião"
[viii].
Aqui,
a tradicional relação entre a Encarnação e a Eucaristia é empregue não para
provar a realidade - já reconhecida e aceite - da Eucaristia, mas para
comprovar a verdade da Encarnação!
Isto
é: assim como na Eucaristia temos realmente o corpo e o sangue do Senhor -
coisa que não se discute - 'a fortiori' dever-se-à aceitar que o corpo do
Senhor, pela Encarnação, foi real e não um fantasma: em ambos os casos,
trata-se do mesmo corpo e do mesmo sangue do Senhor.
Um
texto que normalmente é citado como simbolista é o seguinte [ix]:
-
"Após ter declarado que desejava muitíssimo comer a Sua Páscoa (seria
indigno que Deus desejasse algo desnecessário), tomando o pão e dando-o aos
discípulos, o fez Seu corpo, dizendo: 'Isto é o Meu corpo', isto é, a figura do
Meu corpo.
Porém,
não seria figura se não fosse um corpo verdadeiro; afinal, algo que é vazio (como
um fantasma) não poderia constituir uma figura". [x]
Antes
de mais nada, não devemos esquecer que o texto diz que Jesus, ao pão, "o
fez Seu corpo".
Por
outro lado, é certo que Tertuliano esclarece que trata-se da "figura do
Meu corpo".
No
entanto, este modo de falar não desvirtua em nada o realismo; ao contrário,
confirma-o, pois para que algo possa ser figura ou imagem de outra coisa,
precisa ter em si mesmo uma realidade, não pode ser um fantasma.
E
o mais importante: qual é o contexto em que se encontra esta expressão de
Tertuliano? Do que ele está falando?
Arguindo
a partir da hipótese doceta, diz-se:
-
"Se o pão se fez corpo precisamente porque Ele carecia de um corpo real (coisa
ensinada pelos docetas), então o que deveria ter sido entregue por nós era o
pão (porém, na realidade o que foi entregue foi o corpo)" [xi].
Uma
palavra sobre os "dois elementos, o terrestre e o celeste" de que é
composto o pão sobre o qual foi invocado o Espírito Santo:
Nos
grosseiros e infames ataques que a Eucaristia recebeu da parte dos gnósticos de
todos os tempos, encontra-se também algum tipo de acusação de canibalismo.
Porém,
isso é desconhecer que a Eucaristia, uma vez pronunciadas as palavras de
consagração, continua com todos e cada um dos elementos sensíveis (ou
"acidentes" ou "espécies", na linguagem filosófica
posterior) que tinha quando era "pão comum", coisa que Ireneu define
como "elemento terrestre" ou que Tertuliano chama "figura"
do corpo do Senhor.
Com
efeito, não há nenhum canibalismo, pois a presença verdadeira, real e
substancial do corpo e sangue do Senhor não se dá nas suas espécies próprias de
corpo e sangue de Cristo, mas em espécies alheias, isto é, as do pão e vinho.
Por
outras palavras: a partir do ponto de vista empírico nada mudou, ainda que a Fé
indique ao fiel que, pelo poder de Deus, a substância "já não é pão
comum".
Assim,
toda tentativa de apontar "canibalismo" às celebrações eucarísticas
demonstra uma mentalidade totalmente truncada e fechada. Convido a qualquer
gnóstico moderno a apresentar uma acusação de "canibalismo" contra a
Igreja Católica diante dos tribunais de seu país e ver que tipo de aceitação
terá.
Ou
seja: suposta a identidade do corpo físico de Jesus com o Seu corpo eucarístico
(identidade que para Tertuliano não é discutível porque ele não conhece senão
um só e verdadeiro corpo do Senhor), esse corpo real e único cumpre
precisamente na Eucaristia uma antiga "figura": aquela que foi
assinalada por Jeremias [xii],
que profetizou: "Coloquemos o lenho em seu pão".
Esta
é exactamente a passagem que está sendo comentada por Tertuliano.
Para
ele, o Profeta Jeremias designa com "o lenho" a cruz e com "o
pão" o corpo do Senhor.
Como
pode o pão designar o corpo do Senhor?
Essa
figura, cunhada pelo Profeta, é revelada por Jesus quando, com o pão nas mãos,
disse: "Isto é Meu corpo".
Foi
então que foi explicado o significado do pão naquela profecia. [xiii]
Neste
sentido, é compreensível também a expressão relativa ao sangue:
-
"Agora consagrou Seu sangue no vinho Aquele mesmo que então fez do vinho
figura do sangue [xiv]"
[xv].
Notemos
a força da seguinte expressão, onde Tertuliano defende a bondade do corpo
humano contra o preconceito gnóstico, de que a carne é coisa má, e proclama,
através das coisas sensíveis como instrumentos - os Sacramentos que tocam o
corpo - de que Deus santifica a alma:
-
"Lava-se a carne (com o Baptismo), para que a alma seja limpa. Unge-se a
carne (pelo Baptismo e Confirmação), para que a alma seja consagrada.
Assinala-se
a carne (pela Confirmação e Unção dos Enfermos), para que a alma seja
protegida.
Encobre-se
a carne com a imposição das mãos (pela Confirmação e Ordem), para que a alma
seja iluminada.
Alimenta-se
a carne com o corpo e o sangue de Cristo (pela Eucaristia) para que também a
alma se sacie de Deus" [xvi].
À
luz destas expressões é possível enxergar também estas outras coisas:
-
"Porém, é certo que Cristo até agora não reprovou a água do Criador (com a
qual lava os seus fiéis), nem o óleo (com o que os unge), nem a mistura de mel
e leite (com que os amamenta), nem o pão (que o tornou o Seu corpo).
Até para os próprios Sacramentos é necessário
mendigar ao Criador!" [xvii],[xviii].
-
"Ainda que a expressão diga: 'O pão nosso de cada dia nos dai hoje',
devemos entendê-la melhor espiritualmente, porque Cristo é o nosso pão, já que
Cristo é a vida e a vida é o pão (Ele disse: 'Eu sou o Pão da Vida'; e, um
pouco antes: 'O pão é a Palavra do Deus vivo que desceu do céu').
Além
disso, porque Seu corpo também é autoritariamente designado como 'pão': 'Isto é
o Meu corpo'" [xix].
Isto
é, o corpo do Senhor é dado na forma de pão, sob as aparências de pão.
Porém,
o que é consumido não é pão, mas o corpo de Cristo: "Isto é Meu
corpo".
Esta
é a substância que o fiel consome quando participa da Eucaristia.
(cont)
p. juan carlos sack
Revisão
da versão portuguesa por ama.
[i] Guillermo Hernández
Agüero, evangélico
[iv] Quis Dives Salvetur
23
[v] Seria o caso deste outro texto de
Clemente: "O Verbo é tudo para a criança: pai e mãe; e, por sua vez,
pedagogo e alimentante. Ele disse: 'Comei o Meu corpo e bebei o Meu sangue'.
Estes são os alimentos, bem apropriados para nós, que o Senhor dá: oferece Sua
carne e dá Seu sangue; nada falta às crianças para que cresçam" (Pedagogo
1,6,42,3).
[vii] A heresia docetista
ensinava, substancialmente, que a Encarnação não fôra real, mas aparente, uma
espécie de ilusão: nem o Verbo se fez carne realmente, nem morreu realmente na
cruz, etc.
[ix] Citado em parte por
Hernández Agüero no Site “Conoceréis la Verdad”.
[x] Contra Marcião
4,40,3
[xi] Contra Marcião
4,40,3
[xiii] Esta doutrina de
Tertuliano encontra-se em Contra Marcião 4,40,3-4 e em 3,19,3-4
[xiv] Isaías 63,1; Gênesis
49,19
[xv] Contra Marcião
4,40,4-6
[xvi] Da Ressurreição dos
Mortos 8,3
[xviii] É óbvio que
Tertuliano acreditava que Jesus tinha Se convertido em pão... O contrário é que
deve ser entendido, como já mencionamos em uma nota anterior, acerca do modo poético
de se falar da Eucaristia. Certamente, nenhum "pão" pode nos dar nada
no plano da salvação, salvo se esse "pão" agora for "o corpo do
Senhor". Nesta chave, todos os textos patrísticos podem ser compreendidos.