Cartas
de São Paulo
Filémon
Pelo
tema e pelo tom afectuoso, esta é certamente uma Carta autêntica de Paulo
(v.19). Filémon era um cristão de elevada posição social, convertido por Paulo,
e tinha como escravo um outro cristão, Onésimo. Este, tendo fugido ao seu
senhor, refugiou-se junto de Paulo (v.10), que o refere em Cl 4,9
como "irmão fiel e querido". Este facto era motivo de graves penas
civis, tanto para o escravo como para quem o acolhia.
Paulo,
prescindindo da questão legal, envia-o ao seu senhor com o presente
"bilhete" e pede a Filémon que acolha de novo, não como escravo, mas
"como irmão querido" (v.16), um irmão na fé. Mais: como se
fosse o próprio Paulo (v.17).
LUGAR
Pelo
que é dito no v.1, a Carta terá sido escrita num dos cativeiros de Paulo (Roma,
Éfeso ou Cesareia), nos últimos anos da sua vida (ver v.9-10.13.18).
Os companheiros referidos aqui (v.23-24) são os mencionados em Cl
4,7-17.
DIVISÃO
E CONTEÚDO
Esta
tem a estrutura normal das Cartas de Paulo:
Apresentação
e saudação: v.1-3;
Acção
de graças: v.4-7;
Corpo
da Carta: v.8-22;
Saudação
final: v.23-25.
TEOLOGIA
Como noutras ocasiões em que trata a questão da escravatura, Paulo não se
preocupa em mudar a estrutura social em vigor (1 Cor 7,20-24; Ef 6,5-9; Cl
3,22-4,1). O que ele faz é prescindir disso e deslocar o problema para a
questão do amor fraterno, mais profunda que a questão legal em vigor, pois, em
Cristo, "não há escravo nem livre" (Gl 3,28).
Daí
em diante, Filémon deve tratar o (antigo) escravo Onésimo como irmão, porque
Paulo está disposto a recompensá-lo monetariamente, isto é, a resgatar Onésimo.
Com
isto, Paulo, embora não se oponha frontalmente à escravatura, tão-pouco a
aprova; e afirma que o amor fraterno, centro do Evangelho de Cristo, é que
levará à eliminação da escravatura.
Amigos de Deus
279
Em
mim encontra-se toda a graça de doutrina e de verdade, em mim toda a esperança
de vida e de virtude.
Com
quanta sabedoria pôs a Igreja estas palavras na boca da nossa Mãe, para que
nós, os cristãos, não as esqueçamos.
Ela
é a segurança, o Amor que nunca nos abandona, o abrigo constantemente aberto, a
mão que acaricia e consola sempre.
Um
antigo Padre da Igreja escreve que devemos procurar conservar na nossa mente e
na nossa memória um resumo ordenado da vida da Mãe de Deus.
Tereis
folheado muitas vezes prontuários de Medicina, de Matemática ou de outras
matérias.
Aí
se enumeram, para casos de necessidade urgente, os remédios imediatos, as
medidas que se devem adoptar, com o fim de não nos perdermos nessas ciências.
280
Meditemos
frequentemente tudo quanto temos ouvido sobre a nossa Mãe numa oração sossegada
e tranquila.
E,
como resultado, ir-se-á gravando na nossa alma uma espécie de compêndio, para
recorrermos a Ela sem vacilar, especialmente quando não tivermos outro apoio.
Não
será isto interesse pessoal da nossa parte?
Certamente
que o é.
Mas,
porventura, não sabem as mães que os filhos são geralmente um pouco
interesseiros e que com frequência se dirigem a elas como último remédio?
Sabem-no
e não se importam.
Por
isso são mães e o seu amor desinteressado percebe - no nosso aparente egoísmo -
o nosso afecto filial, a nossa confiança inabalável.
Não
pretendo - nem para mim, nem para vós - que a nossa devoção a Santa Maria se
limite a estas invocações prementes.
Acho,
no entanto, que não deve humilhar-nos que nos aconteça isso alguma vez.
As
mães não contabilizam os pormenores de carinho que os seus filhos lhes
demonstram, não pesam nem medem com critérios mesquinhos.
Uma
pequena demonstração de amor, saboreiam-na como se fosse mel e acabam por
conceder muito mais do que receberam.
Se
assim fazem as mães boas da terra, imaginai o que poderemos esperar da nossa
Mãe, Santa Maria!
281
Mãe da Igreja
Agrada-me
voltar, em pensamento, àqueles anos em que Jesus permaneceu junto de sua Mãe e
que abarcam quase toda a vida de Nosso Senhor neste mundo.
Vê-lo
pequeno quando Maria cuida d'Ele e o beija e o entretém...
Vê-lo
crescer diante dos olhos enamorados de sua Mãe e de José, seu pai na terra...
Com
quanta ternura e com quanta delicadeza Maria e o Santo Patriarca se
preocupariam com Jesus durante a sua infância!
E,
em silêncio, aprenderiam muito e constantemente d'Ele.
As
suas almas ir-se-iam afazendo à alma daquele Filho, Homem e Deus.
Por
isso, a Mãe - e, depois dela, José - conhece como ninguém os sentimentos do
coração de Cristo e os dois são o caminho melhor, diria até que o único, para
chegar ao Salvador.
Que
em cada um de vós, escrevia Santo Ambrósio, esteja a alma de Maria, para louvar
o Senhor; que em cada um esteja o espírito de Maria, para se regozijar em Deus.
E
este Padre da Igreja acrescenta umas considerações, que à primeira vista
parecem atrevidas, mas que têm um sentido espiritual claro para a vida do
cristão: Segundo a carne, uma só é Mãe de
Cristo; segundo a fé, Cristo é fruto de todos nós.
Se
nos identificarmos com Maria, se imitarmos as suas virtudes, poderemos
conseguir que Cristo nasça, pela graça, na alma de muitos que se identificarão
com Ele pela acção do Espírito Santo.
Se
imitarmos Maria, participaremos de algum modo na sua maternidade espiritual: em
silêncio, como Nossa Senhora, sem que se note, quase sem palavras, com o
testemunho íntegro e coerente de uma conduta cristã, com a generosidade de
repetir sem cessar um fiat que se
renova como algo íntimo entre Deus e nós.
282
O
muito amor a Nossa Senhora e a falta de cultura teológica levou um bom cristão
a fazer um comentário que vos vou narrar, porque, com toda a ingenuidade, é
lógico em pessoas de poucas letras.
Tome-o
- dizia-me - como um desabafo; compreenda a minha tristeza perante algumas
coisas que sucedem nestes tempos.
Durante
a preparação e o desenrolar do actual Concílio, propôs-se que fosse incluído o
tema da Virgem.
Assim
mesmo: o tema.
É
deste modo que falam os filhos?
É
esta a fé que sempre professaram os fiéis?
Desde
quando é que o amor da Virgem é um tema, sobre o qual se admite entabular uma
disputa a propósito da sua conveniência?
Se
há alguma coisa contrária ao amor, é a mesquinhez.
Não
me importo de ser muito claro; se não o fosse - continuava ele - parecia-me uma
ofensa à Nossa Santa Mãe.
Discutiu-se
se era ou não oportuno chamar a Maria Mãe da Igreja... Incomoda-me descer a mais
pormenores, mas a Mãe de Deus e, por isso, Mãe de todos os cristãos, não será
Mãe da Igreja, que é o conjunto dos que foram baptizados e renascem em Cristo,
filho de Maria?
Não
entendo - acrescentava - donde vem a mesquinhez de regatear esses títulos de
louvor a Nossa Senhora.
Que
diferente é a fé da Igreja!
O
tema da Virgem!
Pretendem
os filhos discutir o tema do amor a sua mãe?
Querem-lhe
muito e basta!
E
amá-la-ão muito, se são bons filhos.
Do
tema - ou do esquema - falam os estranhos, os que estudam o caso com a frieza
do enunciado de um problema.
Até
aqui, o desabafo recto e piedoso, mas injusto, daquela alma simples e
devotíssima.
283
Continuemos
nós a considerar este mistério da Maternidade divina de Maria, numa oração
calada, afirmando do fundo da alma: Virgem, Mãe de Deus: Aquele a quem os Céus
não podem conter, encerrou-se no teu seio para tomar carne de homem.
Vede
o que nos faz recitar hoje a liturgia: bem-aventuradas sejam as entranhas da
Virgem Maria, que acolheram o Filho do Pai eterno. Uma exclamação velha e nova,
humana e divina.
É
dizer ao Senhor o que se costuma dizer nalguns sítios para exaltar uma pessoa:
bendita seja a mãe que te trouxe ao mundo!
284
Mestra de Fé, de Esperança e de Caridade
Maria
cooperou com a sua caridade para que nascessem na Igreja os fiéis membros da
Cabeça de que é efectivamente mãe segundo o corpo.
Como
Mãe, ensina; e, também como Mãe, as suas lições não são ruidosas.
É
preciso ter na alma uma base de finura, um toque de delicadeza, para
compreender o que nos manifesta, mais do que com promessas, com obras.
Mestra
de fé! Bem-aventurada és tu, porque acreditaste!
Assim
a saúda Isabel, sua prima, quando Nossa Senhora sobe à montanha para a visitar.
Tinha
sido maravilhoso aquele acto de fé de Santa Maria: eis aqui a escrava do
Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.
No
nascimento de seu Filho contempla as grandezas de Deus na terra; há um coro de
Anjos e tanto os pastores como os poderosos da terra vêm adorar o Menino.
Mas
depois a Sagrada Família tem de fugir para o Egipto, para escapar às intenções
criminosas de Herodes.
Depois,
o silêncio; trinta longos anos de vida simples, vulgar, como a de qualquer lar,
numa pequena povoação da Galileia.