Jesus Cristo o Santo de Deus
Capítulo III
ACREDITAS?
A divindade de Cristo no Evangelho de S.
João
6. “Corde
creditur: Crê-se com o coração.”
1. Crer
“em” Cristo
O carácter pessoal do acto
de fé é posto em relevo pelo próprio uso do verbo “crer” no evangelho de João.
Encontramos nele a expressão
“acreditar” que significa prestar fé, considerar verdadeiro.
Por exemplo, acreditar na
Escritura [i], em
Moisés, em Cristo [ii].
Encontramos também a
expressão “crer que” (em grego oti),
que significa estar convencido que, ou simplesmente acreditar.
Por exemplo, acreditar que
Jesus é o Santo de Deus, que Ele é o Cristo, que o Pai O enviou, etc. [iii]
Mas ao lado destas
expressões conhecidas, há uma outra que é desconhecida da linguagem profana, e
que é a que mais agrada ao evangelista: é a expressão “crer me”, (em grego: eis), como na frase:
«Não se perturbe o vosso
coração. Tendes fé em Deus, tende fé também em (eis) Mim» [iv].
Ter fé, significa, neste
caso, ter confiança, confiar n’Aquele em que se crê, construir sobre Ele a
própria vida.
Significa uma confiança
total e incondicional que deve substituir toda a segurança humana.
Uma confiança pela qual o
coração não se possa perturbar com mais nada.
Jesus pede para Si o mesmo
tipo de confiança que Deus pedia ao Seu povo no Antigo Testamento.
Já Santo Agostinho tinha
posto em relevo a força da expressão “crer em”.
Comentando: «Esta é a obra
de Deus: crer n’Aquele que Ele enviou» [v],
Santo Agostinho escreve:
«Diz crer n’Ele, não dar-Lhe
crédito, sim, porque se crerdes n’Ele, dais-lhe; porém, quem dá crédito a Ele
também a Ele não crê também necessariamente n’Ele: os demónios davam-Lhe
crédito, mas não criam n’Ele. O mesmo se pode dizer em relação aos Apóstolos:
damos crédito a Paulo; damos crédito a Pedro, mas não cremos em Pedro. Pois só
a quem crê n’Aquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça
[vi].Que
significa, então, crer n’Ele? Crer, amá-Lo, incorporar-se nos Seus membros. É
esta a fé que Deus pretende de nós, se Ele mesmo no-la conceder» [vii].
Crer “no” é algo diferente e
algo mais do que crer “que” Jesus é o Filho de Deus.
Esta última é uma fé
indivisível, que não admite em si graduações; ou existe, ou não existe; ou se
crê, ou não se crê.
Na primeira, pelo contrário,
existem vários graus e jamais se acaba de progredir nela.
Noutras palavras, podemos
ter mais confiança em Cristo, entregarmo-nos cada vez mais a Ele e perdermo-nos
n’Ele, até fazermos da fé no Filho de Deus a razão da nossa vida.
Como São Paulo que podia
dizer: «Esta vida que agora vivo, vivo-a pela fé no Filho de Deus que me amou e
Se entregou por mim» [viii].
2.
Os
frutos da fé em Cristo, Filho de Deus
Os frutos da fé na divindade
de Cristo são maravilhosos e também eles divinos.
O primeiro fruto é a vida eterna: «Quem crê n’Ele tem a vida eterna» [ix].
O próprio Evangelho foi
escrito para que se creia que Jesus é o Filho de Deus e, crendo, e crendo se
tenha a vida eterna [x].
Para João, a vida eterna não
é só a vida que começa depois da morte, mas a vida nova, de filhos de Deus, a
qual se abre já agora àqueles que creem: Quem crê n’Ele «passou já da morte à vida» [xi].
A fé permite que o mundo
divino faça uma invasão neste nosso mundo. Portanto, crer significa muito mais
que crer num “além”, numa vida depois da morte; é fazer já a experiência da vida
e da glória de Deus. Quem crê, vê logo, e desde já, a glória de Deus [xii].
Este fruto da fé que é a
vida, é também realçado com outras imagens.
Quem crê no nome de Cristo
“nasce de Deus”, recebe o poder de se tornar Filho de Deus [xiii];
passa das trevas para a luz [xiv],
fará as obras que o próprio Jesus fez [xv].
Mas, sobretudo, quem crê recebe o Espírito Santo, que é Aquele que,
concretamente, nos traz a vida eterna:
«Quem crê em Mim, como diz a Escritura, do seu seio correrão rios de água viva».
Isto dizia Ele referindo-se
ao Espírito que haveriam de receber os que cressem n’Ele!
A fé estabelece um contacto
entre Cristo e os crentes, abre uma via de comunicação, através da qual passa o
Espírito Santo.
O Espírito Santo é dado a
quem crê em Cristo.
A fé – para usar uma
metáfora – é a lança do soldado com que se abre o lado de Cristo, a fim de que
brotem dele os rios de água viva do Espírito.
Há um fruto da fé em Cristo
Filho de Deus que João descobriu já no fim da sua vida, talvez após tê-lo
experimentado pessoalmente, e que ele descreve na sua primeira carta: a fé na
divindade de Cristo, e só ela, permite vencer o mundo:
«Quem é que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de
Deus?» [xvi].
Vencer o mundo significa
vencer a hostilidade, a incredulidade, o ódio e a perseguição do mundo.
Mas não é só isto.
Tem também um significado
não polémico, existencial; vencer o mundo significa vencer o tempo, a
corrupção, a mundanidade.
Quem crê foge à lei da
caducidade e da morte. Eleva-se acima do tempo. Em suma, participa da vitória
de Cristo que disse:
«Tende confiança, Eu venci o mundo» [xvii].
Mas isto é obtido somente
por uma fé de especial qualidade: a que passou, ou está passando, através da
cruz.
Foi sobre a cruz, na
verdade, que o cordeiro venceu [xviii].
A Igreja anda à procura,
hoje mais que nunca, de alguma coisa que vença o mundo, não para o dominar, mas
para o salvar e o converter.
Alguma coisa que seja mais
forte que o imenso poder que o mundo tem de resistir à fé e seduzir os homens.
A palavra de Deus assegura-nos
que essa coisa existe: é a fé em Jesus Cristo Filho de Deus:
«esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé» [xix].
Por isso, Cristo não quis
fundar a Sua Igreja sobre outra coisa que não fosse sobre a fé n’Ele próprio
como Filho de Deus.
Pedro torna-se Pedra, Kefa, Rocha, no momento em que, por
revelação do Pai, crê na origem divina de Jesus.
“Sobre esta pedra - comenta
Santo Agostinho – edificarei a fé que tu professaste. Pelo facto de teres dito
«Tu és O Cristo, O Filho de Deus vivo»,
edificarei a minha Igreja» [xx].
A Igreja é fundada sobre o
primeiro acto de fé, em ordem de tempo, na divindade de Jesus Cristo.
Esta fica a se a sua base,
aquilo que lhe permite vencer o mundo e as portas dos infernos.
Como são diferentes as obras
de Deus das obras dos homens!
Todo o imenso edifício da
Igreja se apoia sobre uma coisa invisível e frágil, mas que é invencível: é
sobre a fé em Cristo Filho de Deus e sobre a promessa feita a esta fé!
A Igreja é, em si mesma,
aprova tangível da verdade desta palavra.
Quem crê que Jesus é Filho
de Deus, vence o mundo.
9.
Convite à fé
Na Bíblia há um salmo
chamado “invitatório” e que a liturgia nos faz recitar no começo de cada novo
dia. Diz assim:
Vinde,
prostremo-nos em terra adoremos o Senhor que nos criou. Ele é o nosso Deus [xxi].
Nós, cristãos, podemos e
devemos recitar estas palavras também em relação a Cristo:
“Vinde, prostremo-nos em
terra, aproximemo-nos d’Ele com fé; Ele é o nosso Deus”
A melhor maneira para
concluir uma meditação sobre a divindade de Cristo é a de nos exortarmos
reciprocamente a crer.
Aquilo que São João diz no
seu evangelho serve também para as nossas reflexões:
«Estes sinais foram escritos
para que acrediteis que Jesus é o Filho de Deus».
Todos os evangelhos são uma
exortação a crer. A grande pergunta de Jesus através dos evangelhos é esta:
Acreditais? Acreditas?
O “Credo” com que a Igreja
responde a esta pergunta, é uma realidade temporal. É a única resposta
adequada. A Igreja dá um passo em frente e, na presença do mundo inteiro,
declara: “Eu creio!”
Como não haveria Deus de
amar a Igreja?
Ainda hoje acontece algo de
novo e incomensurável todas as vezes que um homem, sem delongas, sai da esfera
da neutralidade do mundo, da esfera de um simples narrar, explicar, discutir,
ainda que com admiração, e diz: “Eu creio!”
Eram estes momentos, quando
alguém acreditava, que faziam exultar Jesus no Espírito. Jesus era um buscador
sôfrego de fé, infinitamente mais sôfrego que os homens pesquisadores de ouro.
É Ele, o Unigénito do Pai,
que está agora diante dos homens e diz: «Tranquilizai-vos e sabei que Eu sou
Deus» [xxii].
Não lhes pede, não mendiga
fé e gratidão, como muitos pseudo-profetas e fundadores de religiões ocas e sem
sentido.
A Sua palavra é plena de autoridade
divina. Não diz: “Crede em Mim, peço-vos, prestai-me atenção”, mas diz: “Sabei
que Eu sou Deus!”. “Quer queirais quer não, quer acrediteis ou não, Eu sou
Deus!”
O evangelho narra-nos que os
magos, «prostrando-se O adoraram» e
depois abrindo os seus cofres, «Lhe
ofereceram ouro, incenso e mirra» [xxiii].
Abramos nós também o cofre
do nosso coração e ofereçamos a Jesus a nossa fé. “Corde creditur”; crê-se com
o coração, o coração foi feito para crer. Se ele nos aparecer vazio peçamos ao
Pai que no-lo encha de fé.
«Ninguém pode vir a Mim –
diz Jesus – se o Pai não o atrair» [xxiv].
“Não te sentes ainda
atraído? Reza para que o sejas” [xxv].
Não devemos cair no erro que
a fé na divindade de Cristo pode vir de nós. Quem pode sozinho escalar o
Evereste? Foi o Pai dos Céus Quem revelou a Pedro Quem era Jesus, e não a carne
ou o sangue; foi o Pai Quem lhe deu a fé para crer, e Jesus proclamou-o
bem-aventurado, precisamente por isso.
A melhor fé e a que se obtém
com a oração e não com o estudo.
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[iii]
Cfr. Jo 6,69; 11,42; 14,11
[vii]
Santo Agostinho, In Ioh. 29,6 (PI.
35,1631
[ix]
Cfr. Jo 3,5; 5,24; 6,40; 6,47
[xx]
Santo Agostinho, Sermo 295, I (PL
38,1349
[xxv]
Santo Agostinho, In Ioh. 26,2 (PL
35,1607