27/06/2014

Temas para meditar 158

Santo Rosário


O Rosário é o modo mais excelente de oração meditada, constituída à maneira de coroa mística onde a saudação angélica, a oração dominical e a doxologia à Trindade Augusta se entrelaçam com a consideração dos mais altos mistérios da nossa fé: nele, por meio de muitas cenas, a mente contempla o drama da encarnação e da redenção de Nosso Senhor.

(S. João XXIII Enc. Grata recordativo 1959.06.26)

Jesus Cristo e a Igreja 21

O que dizem os evangelhos apócrifos?

Entre os Evangelhos Apócrifos que proliferaram na Igreja no século II e depois, há fundamentalmente três classes: aqueles dos quais só restaram alguns fragmentos escritos em papiro e que se assemelham bastante aos canónicos; aqueles que se conservaram completos e que narram, com sentido piedoso, coisas acerca de Jesus e da Santíssima Virgem; e aqueles que, sob o nome de um Apóstolo, ensinam doutrinas estranhas, diferentes das que a Igreja acreditava por meio da verdadeira tradição apostólica.
Os primeiros são escassos e não dizem nada de novo, quiçá porque se conhece pouco sobre o seu conteúdo. A estes pertencem os fragmentos do “evangelho de Pedro” que narram a Paixão.

Entre os segundos, o mais antigo é o chamado “ Protoevangelho de Tiago” que narra a permanência da Santíssima Virgem no templo desde os três anos e o modo como São José, que era viúvo, foi designado para cuidar de Nossa Senhora quando ela fez doze anos. Os sacerdotes do Templo reuniram todos os viúvos e um prodígio na vara que José trazia fez com que uma pomba aparecesse e assim ele fosse escolhido. Outros apócrifos mais tardios referem a mesma história – como é o caso do “Pseudo Mateus” – contando como a vara floresceu milagrosamente. O Protoevangelho também se detém a contar o nascimento de Jesus, quando São José ia com Maria até Belém. Conta que o Santo Patriarca procurou uma parteira, que pôde constatar a virgindade de Maria durante o parto. Numa linha parecida, outros apócrifos como “A Natividade de Maria” narram coisas como o nascimento da Virgem e a vida de Joaquim e Ana quando estes eram já anciãos. A infância de Jesus e os milagres que fazia quando era menino podem ler-se no “Pseudo Tomé”, e a morte de S. José é o tema principal da “História de José, o Carpinteiro”. Nos apócrifos árabes da infância, que são mais tardios, centra-se a atenção nos Reis Magos cujos nomes, que depois se tornaram populares, chegam a aparecer num apócrifo etíope. Um motivo muito caro a outros apócrifos, como o chamado “Livro do Repouso” ou o “Pseudo Melitão” foi a morte e a Assunção da Santíssima Virgem, narrando que morreu rodeada pelos Apóstolos e que o Senhor transportou o seu corpo num carro celeste. Todas estas lendas piedosas circularam com profusão na Idade Média e serviram de inspiração a muitos artistas.

Outro tipo de apócrifos são os que propunham doutrinas heréticas. Os Santos Padres citam-nos para os rebater e, com frequência, designam-nos pelos nomes daqueles que os conceberam, Marcião, Basílides ou Valentim, ou pelos destinatários aos quais iam dirigidos, como o dos Hebreus ou o dos Egípcios. Outras vezes, os mesmos Santos Padres acusam estes autores de exporem as suas próprias doutrinas sob o nome de um Apóstolo, de preferência Tiago ou Tomé. As informações dos Santos Padres confirmaram-se com a aparição de cerca de quarenta obras gnósticas em Nag Hammadi (Egipto) em 1945.
Normalmente apresentam supostas revelações secretas de Jesus que carecem de qualquer fundamento.
Habitualmente, imaginam o Deus criador como um deus inferior e perverso (o Demiurgo), e a aquisição da salvação por parte do homem a partir do conhecimento da sua procedência divina.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Apresentação Migalhas para o Caminho



Maria está ao pé de ti

Não estás só. – Aceita com alegria a tribulação. – É verdade, pobre menino, que não sentes na tua mão a mão de tua Mãe. – Mas... não tens visto as mães da terra, de braços estendidos, seguir os seus pequenos quando se aventuram, receosos, a dar os primeiros passos sem a ajuda de ninguém? – Não estás só; Maria está ao pé de ti. (Caminho, 900)

Dá alegria verificar que a devoção à Virgem está sempre viva, despertando nas almas cristãs um impulso sobrenatural para se comportarem como domestici Dei, como membros da família de Deus.

Nestes dias, vendo como tantos cristãos exprimem dos mais diversos modos o seu carinho à Virgem Santa Maria, também vós certamente vos sentis mais dentro da Igreja, mais irmãos de todos esses vossos irmãos.

É uma espécie de reunião de família, como quando os irmãos que a vida separou voltam a encontrar-se junto da Mãe, por ocasião de alguma festa. Ainda que alguma vez tenham discutido uns com os outros e se tenham tratado mal, naquele dia não; naquele dia sentem-se unidos, reencontram-se unidos, reencontram-se todos no afecto comum.


Maria, na verdade, edifica continuamente a Igreja, reúne-a, mantém-na coesa. É difícil ter autêntica devoção à Virgem sem nos sentirmos mais vinculados aos outros membros do Corpo Místico e também mais unidos à sua cabeça visível, o Papa. Por isso me agrada repetir: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam! – todos, com Pedro, a Jesus, por Maria! (Cristo que passa, 139)

Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira





(Coisas muito simples, curtas, objectivas)



Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Tratado da lei 36

Questão 98: Da lei antiga.

Art. 4 — Se a lei antiga devia ter sido dada só ao povo judeu.

O quarto discute-se assim. — Parece que a lei antiga não devia ter sido dada só ao povo judeu.

1. — Pois, a lei antiga dispunha da salvação, que viria de Cristo, como se disse (a. 2, a. 3). Ora, essa salvação não havia de vir só para os judeus, mas para todas as gentes, conforme a Escritura (Is 49, 6): Pouco é que tu sejas meu servo para suscitar as tribos de Jacob e converter as fezes de Israel; eu te estabeleci para Luz das gentes, a fim de seres tu a salvação que eu envio até a última extremidade da terra. Logo, a lei antiga devia ter sido dada a todas as gentes e não só ao povo judeu.

2. Demais. — Como diz a Escritura (At 10, 34-35), Deus não faz acepção de pessoas; mas em toda a nação aquele que o teme e obra o que é justo, esse lhe é aceite. Logo, não devia ter aberto o caminho da salvação a um povo de preferência a outro.

3. Demais. — A lei foi dada pelos anjos, como se disse (a. 3). Ora Deus sempre o deu, o ministério dos anjos, não só aos judeus, mas a todas as gentes, conforme a Escritura (Sr 17, 14): Ele estabeleceu a cada nação ao seu príncipe que a governasse. E todas as gentes também são favorecidas por bens temporais, de que Deus cura menos que dos espirituais. Logo, também devia ter dado a lei a todos os povos.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Rm 3, 1-2): Que tem, pois, demais o Judeu? Muita vantagem logra em todas as maneiras; principalmente porque lhes foram por certo confiados os oráculos de Deus. E noutro lugar (Sl 147, 9): Não fez assim a toda outra nação, e não lhes manifestou os seus juízos.

Poder-se-ia dar uma razão de a lei ter sido outorgada antes ao povo judeu, do que aos outros povos, e é a seguinte. Enquanto os outros caíam na idolatria, só o povo judeu conservava o culto do Deus único; por isso eram aqueles indignos de receberem a lei, para não se darem as coisas santas aos cães.

Mas esta razão não pode ser considerada conveniente. Porque o povo judeu, mesmo depois de a lei lhe ter sido dada, caiu na idolatria, o que era mais grave, conforme está claro na Escritura (Ex 32; Am 5, 25-26): Porventura, ó casa de Israel; oferecestes-me vós algumas hóstias e sacrifícios no deserto onde estivestes quarenta anos? e levastes o tabernáculo ao vosso Moloch, e a imagem dos vossos ídolos, o astro do vosso Deus, coisas que fizestes por vossas mãos. E, noutro lugar, diz expressamente (Dt 9, 6): Sabe, pois, que não é pela tua justiça que o Senhor teu Deus te fará possuir esta terra tão excelente, pois que tu és um povo de cerviz duríssima.

Mas a razão está exposta no mesmo lugar: Porque o Senhor queria cumprir o que tinha prometido com juramento a teus pais Abraão, Isaac e Jacob. E qual fosse essa promessa o Apóstolo a indica (Gl 3, 16): as promessas foram ditas a Abraão e a sua semente. Não diz: E às sementes, como de muitos, senão como de um: E à tua semente, que é Cristo. Portanto, Deus deu ao povo judeu a lei e os outros benefícios especiais, por causa da promessa que fora feita aos pais, para que deles nascesse Cristo. Pois convinha que o povo, donde Cristo haveria de nascer, fosse distinguido com uma santificação especial, conforme a Escritura (Lv 19, 2): Sede santos, porque eu sou santo. Nem foi pelo mérito de Abraão, que a promessa lhe foi feita, de Cristo haver de nascer da sua semente, mas por escolha e vocação gratuita de Deus. Donde o dizer a Escritura (Is 41, 2): Quem suscitou do Oriente o justo e o chamou para que o seguisse?

Donde é claro que só por eleição gratuita os Patriarcas receberam a promessa e o povo, deles oriundo, recebeu a lei, segundo a Escritura (Dt 4, 36-37): tu ouviste as suas palavras do meio do jogo, porque amou a teus pais e escolheu depois deles a sua posteridade.

Se porém ainda se objectar a escolha de tal povo, e não outro, para Cristo nascer dele, é boa a resposta de Agostinho, onde diz: Porque chama a um e não a outro, não o queiras decidir se não queres errar.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora a salvação futura estivesse preparada para todos por Cristo, contudo era necessário nascesse ele de um povo, que por isso teve acima de todos, prerrogativa, conforme a Escritura (Rm 9, 4): os judeus, dos quais é a adopção de filhos, e a aliança, e a legislação, cujos pais são os mesmos de quem descende de Cristo segundo a carne.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A acepção de pessoas tem lugar em relação ao que é dado por dívida; no que porém é conferido por vontade gratuita, não tem lugar. Assim, não faz acepção de pessoas quem por liberalidade dá do seu a um e não a outro; mas se fosse dispensador dos bens comuns e não os distribuísse equitativamente, segundo os méritos das pessoas, então haveria acepção delas. Ora, Deus confere os seus benefícios salutares ao género humano gratuitamente. Donde, não faz acepção de pessoas, se os confere a uns de preferência a outros. Por isso, Agostinho diz: Todos os que Deus ensina, misericordiosamente os ensina; e os que não ensina, pelo seu juízo o faz; o que procede da danação do género humano, por causa do pecado do primeiro pai.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os benefícios da graça são subtraídos ao homem por causa da culpa; mas os benefícios naturais não o são. Entre os quais estão os ministérios dos anjos; pois a própria ordem das naturezas exige, que as ínfimas sejam governadas pelas médias. E também os auxílios materiais, que Deus confere, não só aos homens, mas também aos brutos, conforme a Escritura (Sl 35, 7): Tu, Senhor, salvarás os homens e as bestas.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A paz na familia 8)

Tempo comum XII Semana


Evangelho: Mt 11, 25-30

25 Então Jesus, falando novamente, disse: «Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelaste aos pequeninos. 26 Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado. 27 «Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 28 O «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. 29 Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. 30 Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo leve».

Comentário:

Fatigados das lutas diárias, que, para muitos, são a própria sobrevivência. Das querelas familiares, com os pais, com os filhos, por vezes extremando posições e tomando atitudes que magoam profundamente. Fatigados com a nossa luta pessoal contra os defeitos e misérias que persistem em machucar-nos.

Oprimidos por tantos que nos desconsideram por motivos sem razão nenhuma, porque mantemos uma firme disposição em comportar-nos como filhos de Deus, pela nossa intransigência na defesa da Fé.

Aí está Jesus Cristo, esperando-nos de braços abertos para nos consolar e incutir ânimo e coragem.

(AMA, comentário, Mt 11, 25-30, Carvide, 2012.11.02)

Leitura espiritual





Temas

A PAZ NA FAMÍLIA
…/8

O SERVIDOR DE TODOS

Com estas palavras – ser o servidor de todos –, Cristo procurou reiteradamente curar o egoísmo e a ambição dos seus Apóstolos. Várias vezes, o Evangelho nos apresenta aqueles homens bons e rudes, que Jesus chamou e que ia formando pacientemente junto de Si, a discutir sobre qual deles seria o maior. Em todas essas ocasiões, Jesus deu-lhes uma resposta “radical”: Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servidor de todos (Mc 9, 34-35). E aproveitou para recordar-lhes que esse era justamente o caminho que Ele quis seguir: O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvação de muitos (Mt 20, 28).

Como seria delicioso um lar em que todos estivessem dispostos a servir uns aos outros; mais ainda, em que competissem uns com os outros, para ver quem serve mais e melhor. Seria o império da paz e da alegria. Porque é evidente que quem serve, quem deseja servir, não se lembra de reclamar e, em consequência, está pouco predisposto a brigar ou a descambar para o mau-humor.

Grande parte das queixas que há no lar obedecem ao desejo de “sermos servidos”.

Pensamos, amargurados, que se esqueceram de nós; que não nos dão atenção; que não nos tratam com carinho; que não preparam a comida de que gostamos; que têm a rara habilidade de mudar de canal de televisão quando estamos assistindo ao nosso programa preferido...
Em suma, não nos “servem” o que achamos justo receber.

Quem tem espírito de serviço, sem cair na conivência com a desordem, reclama pouco e faz muito. E o que faz – se realmente é humilde – possui as seguintes características:
– É um serviço feito com alegria. Uma pessoa que serve resmungando, como se fosse um mártir condenado a trabalhos forçados, torna o seu serviço desagradável e deixa o ambiente rarefeito. É natural que os outros, enervados – por exemplo – pela mulher que reclama do trabalho que lhe dão, ou pelo marido que resmunga, ou pelos protestos dos filhos ante o menor pedido de ajuda, tenham vontade de gritar: “Pára com isso! Prefiro eu fazer tudo a estar tendo que aturar tanta reclamação!”
– Depois, é um serviço feito com elegância, isto é, sem lhe dar importância. Como é desagradável a pessoa que serve e, depois, fica cobrando os serviços prestados: “Eu fiz muito mais do que deveria fazer; chega, agora façam vocês”, “Eu passo o dia dando duro e vocês – os filhos –, na maior gandaia”. “Eu já fui ontem comprar pão, agora que vá a minha irmã”... Cristo, pelo contrário, ensina-nos de modo explícito que, depois de termos feito tudo, devemos dizer, sem nenhuma vaidade: Não fizemos mais que o que devíamos fazer (cf. Lc 17, 10).
– Finalmente, é um espírito de serviço que sabe adiantar-se. Muitos servem, realizam serviços, mas puxados sempre pelos outros: pelo que os outros pedem ou mandam.
Deles próprios, não parte iniciativa nenhuma.
Quando temos espírito de serviço, o coração e a mente estão vigilantes, e fazemos o que dizia São Paulo: Adiantai-vos em honrar uns aos outros (Rom 12, 10). Adiantamo-nos, fazemos as coisas antes que os outros as tenham que fazer, poupamo-los com carinho.
Como é agradável o ambiente de uma casa onde a mulher, que anda fatigada, descobre com surpresa que, sem dizer nada, a filha de treze anos se levantou um pouco antes da hora e está preparando o café; ou que o menino, sabendo que a empregada foi embora, arrumou ele sozinho – milagre! – a sua cama; ou que vê aparecer o marido na cozinha, a cantarolar “Romaria” (“Sou caipira, Pirapora...”), pondo-se de repente a lavar a louça! Isso é uma bênção de paz para o lar.

UM CORTEJO DE VIRTUDES AMÁVEIS

Voltando ao texto de São Paulo, depois da humildade, mencionam-se outras virtudes: primeiro, uma virtude que tanto pode traduzir-se por doçura como por mansidão; e, depois, a virtude da paciência.
Como é natural, São Paulo não pretende fazer aí um tratado exaustivo: não afirma que as virtudes que enumera sejam “todas” as virtudes que contribuem para a paz. Mas, sem dúvida, todas elas estão relacionadas com a paz e, por isso, servem-nos muito bem de pauta.
Doçura, paciência, serenidade, mansidão. Só de ouvirmos estas palavras, parece que a paz já se derrama na nossa alma.
Há pessoas que, por estarem perto de Deus, difundem em todos os que as cercam uma paz serena. Bem dispostas, pacientes, suaves nos modos, são, ao mesmo tempo, gentis e cheias de delicadezas. Junto delas, experimentamos uma sensação de bem-estar parecida com a que nos envolve ao contemplarmos um suave e lento entardecer no campo.
Sem as virtudes amáveis, a vida torna-se dura, áspera, cheia de atritos. Na verdade, qual é a fonte mais comum das palavras, dos olhares e dos gestos desagradáveis? Sem dúvida, a irritabilidade e a impaciência não controladas. Ninguém tem vontade de chegar a uma casa em que a mulher grita e se impacienta por qualquer contrariedade; ou em que o pai está sempre esbravejando, furioso, e bronqueando a todos.
Em compensação, quando o marido ou a mulher possuem as virtudes amáveis de que estamos falando, os dois têm ânsias de chegar a casa, cada um sente uma pontada de vazio quando o outro está ausente, e experimenta um sobressalto de alegria quando percebe que está voltando para o lar.
Os médicos falam do sinal “patognomónico” que, como explica o dicionário, é o sintoma característico de uma doença. O professor de psiquiatria e escritor J.A. Vallejo - Nágera comentava, a este respeito, numa entrevista autobiográfica: “O sinal patognomónico de que um casamento funciona bem é o barulhinho da chave na fechadura da porta da casa.
Eu estava acostumado a chegar a casa e a que a Viky [a esposa] estivesse à minha espera.
Se, por um motivo qualquer, não estava, eu sentia um vazio, um oco. Diria até que notava o som do vazio. Quando, passado um tempo, ouvia o elevador e, depois, o barulho da chave sendo introduzida na fechadura, e sentia que o meu coração se alegrava, ficava certo de que o meu casamento funcionava. Tenho praticado muito no meu consultório o teste da chave, como eu o chamo, com pacientes que têm problemas matrimoniais” 18.

MAIS VIRTUDES AMÁVEIS

Virtudes amáveis criam vida amável. Páginas atrás, mencionávamos a resposta daquele velho amigo que acabava de celebrar as Bodas de Ouro, à pergunta sobre o que, na opinião dele, mais tinha contribuído para a paz familiar. – “A educação”, respondeu.

Os detalhes de educação, as gentilezas, as delicadezas sorridentes, não são só para praticar fora de casa, com os estranhos, nem são coisas ultrapassadas pelo à-vontade moderno (que é tão antigo como a mais velha grosseria). Não sei por quê, mas parece que basta atravessar a porta do lar para que se afrouxem e se soltem todas as normas da educação.

Vem-me agora à memória um facto recente, nada exemplar. Falava-me alguém, com tristeza, de um casal que se tratava de maneira rude e grosseira. Num daqueles dias, após uma briga com troca de insultos, em que a mulher chamou o marido de “cavalo”, acabou gritando-lhe, quando ele estava saindo de casa:
– “Não se esqueça de levar a ferradura!”
E ele retrucou, no mesmo nível:
– “Não, vou deixá-la aqui mesmo. Com certeza você vai precisar muito dela”.
Diálogos desse teor – e bem mais cavalares e chulos –, infelizmente, não são infrequentes nos lares.
Sabemos dizer “Por favor”? Sabemos ceder o melhor lugar na sala para assistir à televisão? Sabemos escolher o pior pedaço nas refeições? Sabemos apressar-nos no banho, para não fazer esperar outros? Sabemos agradecer, dizendo “Obrigado, muito obrigado, já percebi que você se lembrou de me comprar tal coisa”? Sabe o marido dizer, com um brilho sincero nos olhos: “Você está linda com esse vestido novo”, “Você prepara o melhor vatapá do Brasil”, “O que seria desta casa sem você?” Sabe ela “esperar” o marido, não para despejar-lhe em cima a carga elétrica acumulada durante o dia, mas para cumulá-lo de pequenas atenções?
Para os maridos, concretamente, parece-me interessante transcrever um caso narrado, com estilo de ficha médica, por outro psiquiatra:
“Ele tem vinte e nove anos e ela vinte e quatro. Classe média. Têm pouco mais de dois anos de casados, e já um ano depois de morarem juntos começaram fortes tensões entre os dois, com momentos muito difíceis. Numa dessas ocasiões, ela foi para a casa dos pais e voltou poucos dias depois. Têm um filho”.
O médico pede à jovem esposa que faça uma lista das coisas de que sente mais falta, e ela indica os seguintes pontos:
“1. Que, durante o café da manhã, fale comigo e não se dedique a ler o jornal sem me dizer nada; que me conte o que vai fazer nesse dia, ainda que ache que não é importante.
“2. Que me beije ao sair de casa e ao voltar.
“3. Que diga alguma coisa agradável sobre a minha apresentação: «Hoje você está linda», «como lhe fica bem essa blusa» ou alguma coisa simpática e bem humorada..., como costumava fazer no namoro.
“4. Que me pergunte como foi o meu dia, o que fiz, como me sinto.
“5. Que não se mostre mais carinhoso só quando quer ter relações íntimas comigo.
Isso é uma coisa que me revolta.
“6. Que «perca o tempo» com seu o filho quando chega do serviço, e não se feche no quarto com os seus papéis.
“7. Que colabore em algumas pequenas tarefas da casa: preparar a mesa, trazer os guardanapos, tirar as pedras de gelo da geladeira, etc.
“8. Que, nos dias «especiais», me leve a jantar fora, como fazíamos quando namorávamos ou logo depois de casados; e que se arrume e não vá com a mesma roupa com que esteve trabalhando” 19.
Também os maridos poderiam fazer listas análogas. E os filhos. E os pais. E todos eles deveriam lembrar-se de que existe um ato, um gesto precioso e insubstituível, que torna cálidas e luminosas todas as amabilidades e serviços: o sorriso.

CARAS SORRIDENTES

“Não esqueças – dizia Mons. Escrivá – que, às vezes, faz-nos falta ter ao lado caras sorridentes” 20. Ele o recomendava, e – sou testemunha disso – praticava-o em favor dos outros todos os dias e a todas as horas. Costumava dizer – por experiência própria – que, em muitas ocasiões, “sorrir é a melhor mortificação”, pois com ela prestamos um grande serviço, tornando a vida mais amável e alegre aos que convivem conosco.
É estranho, mas alguns pensam que sorrir sem ter vontade é hipocrisia. Não é verdade. Fazer o esforço de sorrir para evitar preocupações, angústias, tormentas ou cerração no lar é um grande ato de amor. O sorriso dissipa nuvens, desarma irritações, abre uma nesga de céu por onde entra o sol da alegria. Por isso, deve-se lutar esforçadamente para não privar desse bem os outros. Sorrir não é só uma reação espontânea, uma atitude “natural” incontrolável; pode – deve, muitas vezes – ser um ato voluntário de amor, praticado com esforço consciente, pensando no bem dos outros.

A este propósito, gosto de recordar um cartão de Boas-Festas que um padre amigo me mandou em fins de 1992. Era uma folha de papel simples, xerocada na paróquia, e trazia uma espécie de poema. Não sei se era da autoria dele, ou se o tomara emprestado de alguma publicação. Seja como for, o conteúdo era extremamente simpático. Debaixo do cabeçalho – Um sorriso –, vinham as seguintes frases: – “Não custa nada e rende muito.
– “Enriquece quem o recebe, sem empobrecer quem o dá.
– “Dura somente um instante, mas os seus efeitos perduram para sempre.
– “Ninguém é tão rico que dele não precise.
– “Ninguém é tão pobre que não o possa dar a todos.
– “Leva a felicidade a todos e a toda a parte.
– “É símbolo da amizade, da boa vontade, é alento para os desanimados, repouso para os cansados, raio de sol para os tristes, ressurreição para os desesperados.
– “Não se compra nem se empresta.
– “Nenhuma moeda do mundo pode pagar o seu valor.
– “Não há ninguém que precise tanto de um sorriso como aquele que já não sabe sorrir.
– “Quando você nasceu, todos sorriram, só você é que chorava. Viva de tal maneira que, quando você morrer, todos chorem e só você sorria”.
Como vemos, doçura, mansidão, paciência, educação, gentileza, sorriso..., são fontes de paz no lar. Não haverá outras “virtudes amáveis” que também colaborem para a paz? Há muitas, com certeza. Por exemplo, uma virtude que poucos relacionam com o nosso tema: a virtude da ordem. Torna-se mais fácil a paz num lar em que, sem esquemas excessivamente rígidos, existe ordem material, pontualidade, previdência e ordem nos horários. O ambiente de ordem facilita a tranquilidade e elimina muita confusão e agitação. Todos temos a experiência de que a desordem e o desmazelo – como lembrávamos antes – criam inquietações e mal-estar.

Outro exemplo de virtude amável: a confiança em Deus. Perante os problemas, sofrimentos e incertezas que sempre pairam ameaçadoramente sobre a vida familiar, a pessoa que não confia em Deus sente-se insegura, angustia-se e transmite aos outros essa sua intranquilidade. Se soubesse confiar em Deus, manter-se-ia serena e difundiria segurança à sua volta.

Poderíamos pensar ainda na virtude da afabilidade, na importância de cultivar o bom humor, no esforço por comentar o lado positivo das coisas, na necessidade de evitar apreciações apocalípticas sobre a vida, e em tantas outras manifestações de virtudes, que contribuem poderosamente para a paz no lar. Mas, como não é o caso de prosseguir até ao infinito, teremos que encerrar estes comentários por aqui... Deixaremos apenas estas reticências, para que o leitor as preencha com as suas belas experiências de paz familiar.
Em todo o caso, de tudo o que – sem pretensões de esgotar o tema [1]
– foi comentado nestas páginas, talvez possa ficar-lhe, com a ajuda de Deus, uma linha de rumo, uma diretriz para a consciência cristã: a certeza de que a paz só morre nas mãos do egoísmo, só é destruída pela falta de virtudes pessoais; e, ao mesmo tempo, a convicção de que a paz – em quaisquer circunstâncias – só é edificada e garantida pelo amor abnegado e pelas amáveis virtudes que Cristo nos ensinou.

FRANCISCO FAUS, [i] QUADRANTE, São Paulo, 1997

Copyright © 1997 QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais





[1] Sobre o tema das virtudes na vida do lar, vale a pena ler também as obras de Georges Chevrot, As pequenas virtudes do lar, 4a ed., Quadrante, São Paulo, 1990, e O Evangelho no lar, Quadrante, São Paulo, 1992.




[i] Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, os títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, A língua, A paciência e A voz da consciência.
_________________________________________
NOTAS:
 (18) J.A. Vallejo-Nágera e J.L. Olaizola, La puerta de la esperanza, Rialp-Planeta, 21a. ed., Barcelona, 1992, pág. 141;
(19) Enrique Rojas, op. cit., págs. 217-218;
(20) Sulco, n. 57.