27/06/2014

Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A paz na familia 8)

Tempo comum XII Semana


Evangelho: Mt 11, 25-30

25 Então Jesus, falando novamente, disse: «Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelaste aos pequeninos. 26 Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado. 27 «Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 28 O «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. 29 Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. 30 Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo leve».

Comentário:

Fatigados das lutas diárias, que, para muitos, são a própria sobrevivência. Das querelas familiares, com os pais, com os filhos, por vezes extremando posições e tomando atitudes que magoam profundamente. Fatigados com a nossa luta pessoal contra os defeitos e misérias que persistem em machucar-nos.

Oprimidos por tantos que nos desconsideram por motivos sem razão nenhuma, porque mantemos uma firme disposição em comportar-nos como filhos de Deus, pela nossa intransigência na defesa da Fé.

Aí está Jesus Cristo, esperando-nos de braços abertos para nos consolar e incutir ânimo e coragem.

(AMA, comentário, Mt 11, 25-30, Carvide, 2012.11.02)

Leitura espiritual





Temas

A PAZ NA FAMÍLIA
…/8

O SERVIDOR DE TODOS

Com estas palavras – ser o servidor de todos –, Cristo procurou reiteradamente curar o egoísmo e a ambição dos seus Apóstolos. Várias vezes, o Evangelho nos apresenta aqueles homens bons e rudes, que Jesus chamou e que ia formando pacientemente junto de Si, a discutir sobre qual deles seria o maior. Em todas essas ocasiões, Jesus deu-lhes uma resposta “radical”: Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servidor de todos (Mc 9, 34-35). E aproveitou para recordar-lhes que esse era justamente o caminho que Ele quis seguir: O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvação de muitos (Mt 20, 28).

Como seria delicioso um lar em que todos estivessem dispostos a servir uns aos outros; mais ainda, em que competissem uns com os outros, para ver quem serve mais e melhor. Seria o império da paz e da alegria. Porque é evidente que quem serve, quem deseja servir, não se lembra de reclamar e, em consequência, está pouco predisposto a brigar ou a descambar para o mau-humor.

Grande parte das queixas que há no lar obedecem ao desejo de “sermos servidos”.

Pensamos, amargurados, que se esqueceram de nós; que não nos dão atenção; que não nos tratam com carinho; que não preparam a comida de que gostamos; que têm a rara habilidade de mudar de canal de televisão quando estamos assistindo ao nosso programa preferido...
Em suma, não nos “servem” o que achamos justo receber.

Quem tem espírito de serviço, sem cair na conivência com a desordem, reclama pouco e faz muito. E o que faz – se realmente é humilde – possui as seguintes características:
– É um serviço feito com alegria. Uma pessoa que serve resmungando, como se fosse um mártir condenado a trabalhos forçados, torna o seu serviço desagradável e deixa o ambiente rarefeito. É natural que os outros, enervados – por exemplo – pela mulher que reclama do trabalho que lhe dão, ou pelo marido que resmunga, ou pelos protestos dos filhos ante o menor pedido de ajuda, tenham vontade de gritar: “Pára com isso! Prefiro eu fazer tudo a estar tendo que aturar tanta reclamação!”
– Depois, é um serviço feito com elegância, isto é, sem lhe dar importância. Como é desagradável a pessoa que serve e, depois, fica cobrando os serviços prestados: “Eu fiz muito mais do que deveria fazer; chega, agora façam vocês”, “Eu passo o dia dando duro e vocês – os filhos –, na maior gandaia”. “Eu já fui ontem comprar pão, agora que vá a minha irmã”... Cristo, pelo contrário, ensina-nos de modo explícito que, depois de termos feito tudo, devemos dizer, sem nenhuma vaidade: Não fizemos mais que o que devíamos fazer (cf. Lc 17, 10).
– Finalmente, é um espírito de serviço que sabe adiantar-se. Muitos servem, realizam serviços, mas puxados sempre pelos outros: pelo que os outros pedem ou mandam.
Deles próprios, não parte iniciativa nenhuma.
Quando temos espírito de serviço, o coração e a mente estão vigilantes, e fazemos o que dizia São Paulo: Adiantai-vos em honrar uns aos outros (Rom 12, 10). Adiantamo-nos, fazemos as coisas antes que os outros as tenham que fazer, poupamo-los com carinho.
Como é agradável o ambiente de uma casa onde a mulher, que anda fatigada, descobre com surpresa que, sem dizer nada, a filha de treze anos se levantou um pouco antes da hora e está preparando o café; ou que o menino, sabendo que a empregada foi embora, arrumou ele sozinho – milagre! – a sua cama; ou que vê aparecer o marido na cozinha, a cantarolar “Romaria” (“Sou caipira, Pirapora...”), pondo-se de repente a lavar a louça! Isso é uma bênção de paz para o lar.

UM CORTEJO DE VIRTUDES AMÁVEIS

Voltando ao texto de São Paulo, depois da humildade, mencionam-se outras virtudes: primeiro, uma virtude que tanto pode traduzir-se por doçura como por mansidão; e, depois, a virtude da paciência.
Como é natural, São Paulo não pretende fazer aí um tratado exaustivo: não afirma que as virtudes que enumera sejam “todas” as virtudes que contribuem para a paz. Mas, sem dúvida, todas elas estão relacionadas com a paz e, por isso, servem-nos muito bem de pauta.
Doçura, paciência, serenidade, mansidão. Só de ouvirmos estas palavras, parece que a paz já se derrama na nossa alma.
Há pessoas que, por estarem perto de Deus, difundem em todos os que as cercam uma paz serena. Bem dispostas, pacientes, suaves nos modos, são, ao mesmo tempo, gentis e cheias de delicadezas. Junto delas, experimentamos uma sensação de bem-estar parecida com a que nos envolve ao contemplarmos um suave e lento entardecer no campo.
Sem as virtudes amáveis, a vida torna-se dura, áspera, cheia de atritos. Na verdade, qual é a fonte mais comum das palavras, dos olhares e dos gestos desagradáveis? Sem dúvida, a irritabilidade e a impaciência não controladas. Ninguém tem vontade de chegar a uma casa em que a mulher grita e se impacienta por qualquer contrariedade; ou em que o pai está sempre esbravejando, furioso, e bronqueando a todos.
Em compensação, quando o marido ou a mulher possuem as virtudes amáveis de que estamos falando, os dois têm ânsias de chegar a casa, cada um sente uma pontada de vazio quando o outro está ausente, e experimenta um sobressalto de alegria quando percebe que está voltando para o lar.
Os médicos falam do sinal “patognomónico” que, como explica o dicionário, é o sintoma característico de uma doença. O professor de psiquiatria e escritor J.A. Vallejo - Nágera comentava, a este respeito, numa entrevista autobiográfica: “O sinal patognomónico de que um casamento funciona bem é o barulhinho da chave na fechadura da porta da casa.
Eu estava acostumado a chegar a casa e a que a Viky [a esposa] estivesse à minha espera.
Se, por um motivo qualquer, não estava, eu sentia um vazio, um oco. Diria até que notava o som do vazio. Quando, passado um tempo, ouvia o elevador e, depois, o barulho da chave sendo introduzida na fechadura, e sentia que o meu coração se alegrava, ficava certo de que o meu casamento funcionava. Tenho praticado muito no meu consultório o teste da chave, como eu o chamo, com pacientes que têm problemas matrimoniais” 18.

MAIS VIRTUDES AMÁVEIS

Virtudes amáveis criam vida amável. Páginas atrás, mencionávamos a resposta daquele velho amigo que acabava de celebrar as Bodas de Ouro, à pergunta sobre o que, na opinião dele, mais tinha contribuído para a paz familiar. – “A educação”, respondeu.

Os detalhes de educação, as gentilezas, as delicadezas sorridentes, não são só para praticar fora de casa, com os estranhos, nem são coisas ultrapassadas pelo à-vontade moderno (que é tão antigo como a mais velha grosseria). Não sei por quê, mas parece que basta atravessar a porta do lar para que se afrouxem e se soltem todas as normas da educação.

Vem-me agora à memória um facto recente, nada exemplar. Falava-me alguém, com tristeza, de um casal que se tratava de maneira rude e grosseira. Num daqueles dias, após uma briga com troca de insultos, em que a mulher chamou o marido de “cavalo”, acabou gritando-lhe, quando ele estava saindo de casa:
– “Não se esqueça de levar a ferradura!”
E ele retrucou, no mesmo nível:
– “Não, vou deixá-la aqui mesmo. Com certeza você vai precisar muito dela”.
Diálogos desse teor – e bem mais cavalares e chulos –, infelizmente, não são infrequentes nos lares.
Sabemos dizer “Por favor”? Sabemos ceder o melhor lugar na sala para assistir à televisão? Sabemos escolher o pior pedaço nas refeições? Sabemos apressar-nos no banho, para não fazer esperar outros? Sabemos agradecer, dizendo “Obrigado, muito obrigado, já percebi que você se lembrou de me comprar tal coisa”? Sabe o marido dizer, com um brilho sincero nos olhos: “Você está linda com esse vestido novo”, “Você prepara o melhor vatapá do Brasil”, “O que seria desta casa sem você?” Sabe ela “esperar” o marido, não para despejar-lhe em cima a carga elétrica acumulada durante o dia, mas para cumulá-lo de pequenas atenções?
Para os maridos, concretamente, parece-me interessante transcrever um caso narrado, com estilo de ficha médica, por outro psiquiatra:
“Ele tem vinte e nove anos e ela vinte e quatro. Classe média. Têm pouco mais de dois anos de casados, e já um ano depois de morarem juntos começaram fortes tensões entre os dois, com momentos muito difíceis. Numa dessas ocasiões, ela foi para a casa dos pais e voltou poucos dias depois. Têm um filho”.
O médico pede à jovem esposa que faça uma lista das coisas de que sente mais falta, e ela indica os seguintes pontos:
“1. Que, durante o café da manhã, fale comigo e não se dedique a ler o jornal sem me dizer nada; que me conte o que vai fazer nesse dia, ainda que ache que não é importante.
“2. Que me beije ao sair de casa e ao voltar.
“3. Que diga alguma coisa agradável sobre a minha apresentação: «Hoje você está linda», «como lhe fica bem essa blusa» ou alguma coisa simpática e bem humorada..., como costumava fazer no namoro.
“4. Que me pergunte como foi o meu dia, o que fiz, como me sinto.
“5. Que não se mostre mais carinhoso só quando quer ter relações íntimas comigo.
Isso é uma coisa que me revolta.
“6. Que «perca o tempo» com seu o filho quando chega do serviço, e não se feche no quarto com os seus papéis.
“7. Que colabore em algumas pequenas tarefas da casa: preparar a mesa, trazer os guardanapos, tirar as pedras de gelo da geladeira, etc.
“8. Que, nos dias «especiais», me leve a jantar fora, como fazíamos quando namorávamos ou logo depois de casados; e que se arrume e não vá com a mesma roupa com que esteve trabalhando” 19.
Também os maridos poderiam fazer listas análogas. E os filhos. E os pais. E todos eles deveriam lembrar-se de que existe um ato, um gesto precioso e insubstituível, que torna cálidas e luminosas todas as amabilidades e serviços: o sorriso.

CARAS SORRIDENTES

“Não esqueças – dizia Mons. Escrivá – que, às vezes, faz-nos falta ter ao lado caras sorridentes” 20. Ele o recomendava, e – sou testemunha disso – praticava-o em favor dos outros todos os dias e a todas as horas. Costumava dizer – por experiência própria – que, em muitas ocasiões, “sorrir é a melhor mortificação”, pois com ela prestamos um grande serviço, tornando a vida mais amável e alegre aos que convivem conosco.
É estranho, mas alguns pensam que sorrir sem ter vontade é hipocrisia. Não é verdade. Fazer o esforço de sorrir para evitar preocupações, angústias, tormentas ou cerração no lar é um grande ato de amor. O sorriso dissipa nuvens, desarma irritações, abre uma nesga de céu por onde entra o sol da alegria. Por isso, deve-se lutar esforçadamente para não privar desse bem os outros. Sorrir não é só uma reação espontânea, uma atitude “natural” incontrolável; pode – deve, muitas vezes – ser um ato voluntário de amor, praticado com esforço consciente, pensando no bem dos outros.

A este propósito, gosto de recordar um cartão de Boas-Festas que um padre amigo me mandou em fins de 1992. Era uma folha de papel simples, xerocada na paróquia, e trazia uma espécie de poema. Não sei se era da autoria dele, ou se o tomara emprestado de alguma publicação. Seja como for, o conteúdo era extremamente simpático. Debaixo do cabeçalho – Um sorriso –, vinham as seguintes frases: – “Não custa nada e rende muito.
– “Enriquece quem o recebe, sem empobrecer quem o dá.
– “Dura somente um instante, mas os seus efeitos perduram para sempre.
– “Ninguém é tão rico que dele não precise.
– “Ninguém é tão pobre que não o possa dar a todos.
– “Leva a felicidade a todos e a toda a parte.
– “É símbolo da amizade, da boa vontade, é alento para os desanimados, repouso para os cansados, raio de sol para os tristes, ressurreição para os desesperados.
– “Não se compra nem se empresta.
– “Nenhuma moeda do mundo pode pagar o seu valor.
– “Não há ninguém que precise tanto de um sorriso como aquele que já não sabe sorrir.
– “Quando você nasceu, todos sorriram, só você é que chorava. Viva de tal maneira que, quando você morrer, todos chorem e só você sorria”.
Como vemos, doçura, mansidão, paciência, educação, gentileza, sorriso..., são fontes de paz no lar. Não haverá outras “virtudes amáveis” que também colaborem para a paz? Há muitas, com certeza. Por exemplo, uma virtude que poucos relacionam com o nosso tema: a virtude da ordem. Torna-se mais fácil a paz num lar em que, sem esquemas excessivamente rígidos, existe ordem material, pontualidade, previdência e ordem nos horários. O ambiente de ordem facilita a tranquilidade e elimina muita confusão e agitação. Todos temos a experiência de que a desordem e o desmazelo – como lembrávamos antes – criam inquietações e mal-estar.

Outro exemplo de virtude amável: a confiança em Deus. Perante os problemas, sofrimentos e incertezas que sempre pairam ameaçadoramente sobre a vida familiar, a pessoa que não confia em Deus sente-se insegura, angustia-se e transmite aos outros essa sua intranquilidade. Se soubesse confiar em Deus, manter-se-ia serena e difundiria segurança à sua volta.

Poderíamos pensar ainda na virtude da afabilidade, na importância de cultivar o bom humor, no esforço por comentar o lado positivo das coisas, na necessidade de evitar apreciações apocalípticas sobre a vida, e em tantas outras manifestações de virtudes, que contribuem poderosamente para a paz no lar. Mas, como não é o caso de prosseguir até ao infinito, teremos que encerrar estes comentários por aqui... Deixaremos apenas estas reticências, para que o leitor as preencha com as suas belas experiências de paz familiar.
Em todo o caso, de tudo o que – sem pretensões de esgotar o tema [1]
– foi comentado nestas páginas, talvez possa ficar-lhe, com a ajuda de Deus, uma linha de rumo, uma diretriz para a consciência cristã: a certeza de que a paz só morre nas mãos do egoísmo, só é destruída pela falta de virtudes pessoais; e, ao mesmo tempo, a convicção de que a paz – em quaisquer circunstâncias – só é edificada e garantida pelo amor abnegado e pelas amáveis virtudes que Cristo nos ensinou.

FRANCISCO FAUS, [i] QUADRANTE, São Paulo, 1997

Copyright © 1997 QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais





[1] Sobre o tema das virtudes na vida do lar, vale a pena ler também as obras de Georges Chevrot, As pequenas virtudes do lar, 4a ed., Quadrante, São Paulo, 1990, e O Evangelho no lar, Quadrante, São Paulo, 1992.




[i] Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, os títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, A língua, A paciência e A voz da consciência.
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NOTAS:
 (18) J.A. Vallejo-Nágera e J.L. Olaizola, La puerta de la esperanza, Rialp-Planeta, 21a. ed., Barcelona, 1992, pág. 141;
(19) Enrique Rojas, op. cit., págs. 217-218;
(20) Sulco, n. 57.

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