26/07/2011

Diálogos apostólicos

Diálogos
Vão todos assistir àquele espectáculo participar naquela festa – ou evento, como agora se diz - e, desafiam-te para também ires.

É normal e bom que acompanhes e confraternizes com os teus amigos.

Mas…sabes bem de que espectáculo se trata?

2011.07.26

Palavras de Jaime Nogueira Pinto

      Não vos vou falar mais da Zézinha. Porque todos a conheceram e já muitos falaram dela nestes dias. E bem. Eu, aqui, vou falar-vos da Zézinha e de nós – de mim, dos meus filhos e da nossa família - nestes cinco últimos meses desde que soubemos da doença dela, num Sábado 12 de Fevereiro, faz hoje precisamente cinco meses.
      Conheço bem as narrativas de aceitação cristã e resignada das provações que Deus manda – deste o Livro de Job às histórias dos mártires e perseguidos de todos os tempos. Mas nunca tinha assistido, e vivido, de perto, e também na pele, essa experiência. Nesse dia no Hospital da Luz a Zézinha foi informada quase ao mesmo tempo que nós do que tinha e quais eram as perspectivas; e  percebeu perfeitamente que tinha uma sentença de morte a curto prazo em cima da cabeça.
      Jantámos nessa noite com os nossos filhos e começámos, conscientes, uma longa e dolorosa noite das Oliveiras. Às quatro da manhã, vi que ela não estava no quarto e fui procura-la. Estava na casa de jantar, a fumar um cigarro.
      Perguntou-me se queria também um chá, que ia fazer para ela. E assim ficámos até às seis, a beberricar um chá e a falar da nossa vida. Da nossa vida que tinha sido uma vida boa, mas que não tivera nada a ver com uma boa vida. Tinha sido uma vida difícil, muito rica de riscos e afectos, de grandes amizades e algumas desilusões. E ela agradeceu – e eu com ela – a Deus que nos tinha dado essa vida, e os nossos filhos, e os nossos netos, e toda a família. E os nossos amigos. Todos vós.
      Depois foi o princípio desta caminhada que acabou na semana passada: ela estava resignada mas, por nós – por mim e pelos filhos - aceitou lutar, com fé em Deus e respeito pelas ciências e artes dos homens. E partimos para Nova Iorque, e depois para Madrid. E tivemos essa longa espera das consultas, dos exames, das análises, dos relatórios, das esperanças alimentadas e perdidas, das histórias dos amigos próximos solidários que vêm com uma casuística de receitas e curas. Partilhamos isto tudo com ela, mas ela – sendo a vítima – foi sempre a mais corajosa e a mais desprendida de todos nós.
      Ela rezava as suas devoções antes de dormir e eu muitas vezes rezei com ela. Nunca nessas longas semanas pediu a cura; pedia que se fizesse a vontade de Deus. Aceitava pedir pequenas coisas: para ter apetite; para não ter náuseas depois da quimioterapia; para ter ossos e cabeça no dia seguinte, para cumprir as suas obrigações profissionais – e ir ao Parlamento, ir à Renascença, ir ao debate da SIC, aguentar a campanha eleitoral, escrever o artigo para o DN.
      E estar presente com a sua extrema atenção como mulher, como mãe, como avó, como dona de casa, nas grandes e pequenas tarefas, nas rotinas todas.
      Ela que era a pessoa mais modesta do mundo e gastava metade do que ganhava nas suas “caridades”. Tinha a sua economia pensada e articuladas para a velhice. Com a doença e os tratamentos dizia, solta, a rir e a sorrir - “se duro muito, gasto o que tenho com a doença e depois vais tu ter que me sustentar.”
      Vivi isto tudo com os nossos filhos – o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e também com a Helena, o Martim e o Tiago. E com as minhas cunhadas Maria João e Sumsum, e com a minha sogra, Maria José.
      Mais que todos com a Teresinha porque estava na linha da frente, estávamos os dois com a Zézinha em casa e, talvez por isso fomos os que alimentámos mais esperanças.
      A Teresinha e eu, nesta linha da frente, tínhamos que ser mais esperançosos que os outros. Vigiávamo-nos e ajudávamo-nos, atentos a quando o outro ia a cair. Como dois Cireneus, mas quem levava a Cruz era a Zézinha.
      Escolheu – ela escolheu e nós seguimo-la – viver habitualmente esta tragédia. Nós às vezes revoltávamo-nos e pensávamos que Deus estava a escrever por linhas tortas, muito tortas. Sentíamo-nos na sua cela da morte, e pedíamos – nós – graça e clemência. Mas ela continuou a aceitar com simplicidade, com modéstia, com aquele seu sorriso que era a coisa mais luminosa do mundo, quase a pedir desculpa por estar doente, por nos preocupar, por nos mudar a vida.
      Uma ou duas vezes houve episódios positivos, animadores, que quase a perturbaram. A resignação é comovente, mas a esperança – sobretudo nos resignados - ainda é mais. Nela, a esperança guardou-a para outras coisas. Em nós houve sempre esperança quase até ao fim. Acreditamos num Deus que faz milagres, que ressuscita mortos, porque não havia de curar enfermos.
      Desta vez não curou. Há dez dias, mais ou menos, tudo se precipitou, vieram as más notícias do TAC de avaliação; já nos tínhamos apercebido que tudo estava pior, pois ela perdia mais e mais forças, os olhos perdiam o brilho, a vida ia desaparecendo. E só essa sua coragem e vontade de espírito a mantinham de pé.
        Conhecia-a há mais de quarenta anos, no dia 12 de Março de 1970. Íamos fazer quarenta anos de casados no próximo mês de Janeiro e ela faria 60 anos em 23 de Março.
        A vida a dois é uma vida difícil, mas conseguimos chegar juntos até que a morte, nos separou. Foi uma longa vida em que estivemos juntos em tudo o que de importante, bom ou mau, nos aconteceu – ou ao nosso país, ou à nossa família.
        Mas estes quase cinco meses finais na sua dor e esperança, mais que uma descida para um abismo – que também foram – transformaram-se numa escalada para além da dor, uma subida de um calvário muito particular. Um calvário de alguém que pela fé, pela entrega aos outros, pelo amor aos mais fracos, pela caridade evangélica, acabou por seguir como sempre aspirava, o caminho de Cristo.
      Sempre sem medo, nem da doença, nem da dor, nem do fim, porque ela acreditava que esse Cristo, esse Senhor era o seu pastor, e que por isso nada lhe faltaria ao atravessar o vale das trevas.
      Não faltou. Falta-nos ela a nós.

Jaime Nogueira Pinto
Julho de 2011

TEXTOS DE SÃO JOSEMARIA ESCRIVÁ

“Que sejais meninos que desejam a palavra de Deus”

A nossa vontade, com a graça, é omnipotente diante de Deus. – Assim, à vista de tantas ofensas ao Senhor, se dissermos a Jesus, com vontade eficaz, indo no "eléctrico" por exemplo: "Meu Deus, quereria fazer tantos actos de amor e desagravo quantas as voltas de cada roda deste carro", naquele mesmo instante, diante de Jesus, tê-lo-emos realmente amado e desagravado conforme o nosso desejo. Esta "ingenuidade" não esta fora da infância espiritual; é o eterno diálogo entre a criança inocente e o pai, doido pelo seu filho: – Quanto me queres? Diz lá! – E o miudito diz, marcando as sílabas: muitos milhões! (Caminho, 897)

Na vida interior, a todos nos convém ser quasi modo geniti infantes, como esses miuditos que parecem de borracha, que se divertem até com os seus trambolhões, porque imediatamente se põem de pé e continuam com as suas correrias e também porque não lhes falta, quando é precisa, a consolação dos pais.
Se procurarmos portar-nos como eles, os tropeções e os fracassos – aliás inevitáveis – na vida interior, nunca se transformarão em amargura. Reagiremos com dor, mas sem desânimo, e com um sorriso que brota, como a água límpida, da alegria da nossa condição de filhos desse Amor, dessa grandeza, dessa sabedoria infinita, dessa misericórdia, que é o nosso Pai. Aprendi durante os meus anos de serviço ao Senhor a ser filho pequeno de Deus. E isto vos peço: que sejais quasi modo geniti infantes, meninos que desejam a palavra de Deus, o pão de Deus, o alimento de Deus, a fortaleza de Deus para se comportarem de agora em diante, como homens cristãos. (Amigos de Deus, 146)

© Gabinete de Informação do Opus Dei na Internet
http://www.opusdei.pt/art.php?p=13979

Tema para breve reflexão

Reflectindo
Vontade

A vontade é o cerne da personalidade. 

Um homem que queira ter a cabeça de gelo e os braços de ferro deve ter primeiro uma vontade de aço.

(Rafael Llano Cifuentes, Fortaleza, Quadrante, 1991, pg. 27)


ORAÇÃO E MÚSICA

Maurice Duruflé, "Pie Jesu" from "Requiem"



agrad ALS 

Albergue nocturno (Afonso Cabral)

Navegando pela minha cidade
Foi há muitos anos. Chovia ininterruptamente desde a madrugada uma chuva miudinha e intensa. Era aquela chuva que encharca tudo até aos ossos, porque pode durar todo o dia e porque engana, pois parece-se mais a um nevoeiro forte do que a chuva.

Um vulto humano vagueava cinzento e furtivo dentro daquela humidade toda em plena auto-estrada junto ao nó de Santo Ovídio. Eram cinco da tarde de um dia de Dezembro. Mal se via aquela cinza humana na cinza da chuva daquele fim de um Domingo cinzento e húmido.

O meu amigo que me contou isto, parou o carro em plena auto-estrada e obrigou aquela cinza humana a entrar, antes que ela desaparecesse debaixo da poalha de água levantada pelas rodas dos carros que passavam sem a ver.

Dois dos filhos pequenos que iam no banco traseiro, encolheram-se e emudeceram perante aquele homem encharcado e de olhos perdidos num nevoeiro de tristeza que se sentou ao lado deles.

Os vidros do carro mais embaciaram com a humidade que se evaporou daqueles cabelos e barbas desgrenhados e compridas; das roupas sujas e esfarrapadas; dos olhos que se fixavam perdidos na angústia; daquela humanidade crucificada na demência; das suas palavras incoerentes e perladas de gotas de água.

Depois de deixar a família em casa, este meu amigo levou aquele destroço humano ao único abrigo que conhecia, ao Albergue Nocturno que fica na rua dos Mártires da Liberdade.

Foi por lá ter passado ontem que me lembrei desta história e também de como aquele homem ali foi acolhido, alimentado e lá dormiu nessa noite.

Nessa noite, porque no dia seguinte partiu para continuar a sua viagem ao fim da noite[1].

Este albergue está ali desde 1881 e abriga actualmente cerca de oitenta pessoas com pensão completa. Muitos são os voluntários que trabalham neste abrigo. Na porta principal daquela grande casa há uma pequena ranhura e sobre ela uma chapa esmaltada que diz: ALBERGUES NOCTURNOS DO PÔRTO – ESMOLAS – O VOSSO AUXILO É PRECIOSO (sic).

Quem dá precisa sempre de mais para mais dar, e por isso pede como um pedinte, fazendo brilhar a dádiva com adjectivos que se aplicam a jóias. E são-no de facto.

Esta rua, depois de décadas de decadência, começa agora a renascer pela progressão da movida portuense. E por isso, várias casas há muito abandonadas, estão a ser restauradas e a renascer entre outras entaipadas e cheias de posters publicitando dezenas de actividades artísticas.

Num deles, uma rapariga sorri levemente tendo ao colo um pequeno monstro em carne viva com um olho aflitivamente aberto diz: KEEP IT YOURS; outro diz simplesmente: DREAM THEATER. Mas do que mais gostei foi o que anunciava em azul a FEIRA DO LIVRO ANARQUISTA.   

[Dedicamos um dos dias à crítica do desenvolvimento que o capitalismo e o Estado tentam impor. Partindo dos seus projectos e das suas investidas contra a Natureza e os locais onde vivemos, queremos discutir formas de travar esse “progresso” e passarmos nós ao ataque. Noutro dia questionamos as recentes manifestações de descontentamento nas ruas reflectindo sobre os caminhos que nos poderão levar a uma ruptura com o Estado e com a economia. Duas questões, que embora separadas, se cruzam inevitavelmente. Procuramos estimular a luta, a solidariedade e a reflexão como forma de ataque às várias faces da autoridade].

E gostei porque reflecte o inconformismo; a ruptura com o aburguesamento; a insatisfação e um anseio de libertação de um Estado sufocante.

Mas não é mais do que isso, porque o anarquismo nunca apresentou alternativas e sempre se esgotou nos meios. É o combate pelo combate. Basta-se a si próprio.

Quanto à invocada solidariedade seria melhor que a procurassem, nessa mesma rua, no Albergue Nocturno, no nº 237.


Afonso Cabral


[1] Título do mais célebre livro de Louis Ferdinad Céline

Evangelho do dia e comentário

 S. Joaquim e Santa Ana pais de N Senhora [i]






T. Comum– XVII Semana

Evangelho: Mt 13, 16-17 

Ditosos, porém, os vossos olhos, porque vêem e os vossos ouvidos, porque ouvem. 17 Em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram.

Meditação:

Como será, Senhor, contemplar o Teu Rosto?
Estar face a face contigo, sem nenhum disfarce ou intermediário?

Não faço nem ideia, como poderia?

Mas sei que será uma ventura imensa, indescritível, sem comparação! Quase que sou levado a pedir-te que apresses esse momento mas logo me lembro do muito, muitíssimo, que tenho a reparar, a pedir perdão, a tudo fazer por alcançar algum merecimento aos Vossos olhos.

Nunca conseguirei, por mim, consegui-lo, mas com a maternal ajuda de Maria Santíssima, quero verdadeiramente tentar.

(ama, meditação sobre Mt 13, 16-17, 2010.07.26)


[i] S. Joaquim e Santa Ana


Em hebraico, Ana exprime "graça" e Joaquim equivale a "Javé prepara ou fortalece". 
Alguns escritos apócrifos narram a respeito da vida destes que foram os primeiros educadores da Virgem Santíssima. Também os Santos Padres e a Tradição testemunham que, São Joaquim e Santa Ana, correspondem aos pais de Nossa Senhora.
Santa Ana teria nascido em Belém. São Joaquim na Galileia. Ambos eram estéreis. Mas, apesar de enfrentarem esta dificuldade, viviam uma vida de fé e de temor a Deus.
O Senhor então os abençoou com o nascimento da Virgem Maria e, também segundo uma antiga tradição, São Joaquim e Santa Ana já eram de idade avançada quando receberam esta graça.
A menina Maria foi levada mais tarde pelos pais Joaquim e Ana para o Templo, onde foi educada, ficando aí até ao tempo do noivado com São José. A data do nascimento e morte de ambos não possuímos, mas sabemos que vivem no coração da Igreja e nesta são cultuados desde o século VI.