Cap. VII
1 Os
fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém reuniram-se à volta de
Jesus, 2 e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras,
isto é, por lavar. 3 É que os fariseus e todos os judeus em geral não comem sem
ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme a tradição dos antigos; 4 ao
voltar da praça pública, não comem sem se lavar; e há muitos outros costumes
que seguem, por tradição: lavagem das taças, dos jarros e das vasilhas de
cobre. 5 Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e doutores da Lei: «Porque é que os
teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as
mãos impuras?» 6 Respondeu: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito,
hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu
coração está longe de mim. 7 Vazio é o culto que me prestam e as doutrinas que
ensinam não passam de preceitos humanos. 8 Descurais o mandamento de Deus, para
vos prenderdes à tradição dos homens.» 9 E acrescentou: «Anulais a vosso
bel-prazer o mandamento de Deus, para observardes a vossa tradição. 10 Pois
Moisés disse: Honra teu pai e tua mãe; e ainda: Quem amaldiçoar o pai ou a mãe
seja punido de morte. 11 Vós, porém, dizeis: "Se alguém afirmar ao pai ou
à mãe: ‘Declaro Qorban’ - isto é, oferta ao Senhor - aquilo que poderias
receber de mim...", 12 nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua
mãe, 13 anulando a palavra de Deus com a tradição que tendes transmitido. E
fazeis muitas outras coisas do mesmo género.» 14 Chamando de novo a multidão, dizia:
«Ouvi-me todos e procurai entender. 15 Nada há fora do homem que, entrando
nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro.
16 Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 17 Quando, ao deixar a multidão,
regressou a casa, os discípulos interrogaram-no acerca da parábola. 18 Ele
respondeu: «Também vós não compreendeis? Não percebeis que nada do que, de
fora, entra no homem o pode tornar impuro, 19 porque não penetra no coração mas
sim no ventre, e depois é expelido em lugar próprio?» Assim, declarava puros
todos os alimentos. 20 E disse: «O que sai do homem, isso é que torna o homem
impuro. 21 Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus
pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, 22 adultérios, ambições,
perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios. 23 Todas
estas maldades saem de dentro e tornam o homem impuro.» 24 Partindo dali, Jesus
foi para a região de Tiro e de Sídon. Entrou numa casa e não queria que ninguém
o soubesse, mas não pode passar despercebido, 25 porque logo uma mulher que
tinha uma filha possessa de um espírito maligno, ouvindo falar dele, veio lançar-se
a seus pés. 26 Era gentia, siro-fenícia de origem, e pedia que lhe da filha o
demónio. 27 Ele respondeu: «Deixa que os filhos comam primeiro pois não está
bem tomar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos.» 28 Mas ela
replicou: «Dizes bem, Senhor, mas até os cachorrinhos comem debaixo da mesa
<as migalhas dos filhos.» 29 «Em atenção a essa palavra, vai: o demónio saiu
de tua filha.» 30 Ela voltou para casa e encontrou a menina recostada na cama.
O demónio tinha-a deixado. 31 Tornando a sair da região de Tiro, veio por Sídon
para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. 32 Trouxeram-lhe
um surdo tartamudo e rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele. 33 Afastando-se
com ele da multidão, Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que
lhe tocou a língua. 34 Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo:
«Effathá», que quer dizer «abre-te.» 35 Logo os ouvidos se lhe abriram,
soltou-se a prisão da língua e falava correctamente. 36 Jesus mandou-lhes que a
ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o
apregoavam. 37 No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os
surdos e falar os mudos.»
Comentários:
Como
se sabe, os Judeus consideravam – e ainda assim é – que alguns alimentos eram
impróprios – impuros – e que Deus não desejava que os tomassem para não ficarem
eles próprios contaminados. Jesus Cristo vem explicar claramente que a Lei é,
assim, mal interpretada porque, se de facto antigamente se recomendava a
abstinência de alguns alimentos, tal se devia a evitar excessos de comida e
bebida daí, também, se recomendasse o jejum frequente. Uma “medida profilática”
dada a um povo rude e violento, transformou-se numa lei de observância rigorosa
e, talvez, caricata. A pureza ou impureza não tem a ver com a limpeza do corpo
mas com a brancura da alma e do coração. O que se pensa e deseja no íntimo, só
o próprio e Deus o sabem e só a Este haverá que dar contas.
Aqui
está bem expresso que o Senhor não faz acepção de pessoas. As Suas palavras
aparentemente duras para a mulher que O interpelava de facto não o são já que
esta não estranha o tratamento que lhe é dado. Jesus Cristo quis
deliberadamente mostrar aos circunstantes que todo o ser humano tem o mesmo
valor intrínseco perante Deus Criador e nem o facto de ter dado – por assim
dizer – a primazia ao povo judeu no cumprimento da promessa feita a Abraão é
motivo para não atender os que O procuram com Fé e Confiança.
O Evangelista tem a preocupação de que
conste neste relato algo singular: Jesus «tomando-o à parte de entre a multidão»… Porquê o Senhor
deseja fazer este milagre com a discrição possível, fora dos olhares dos
circunstantes? Talvez por um pormenor: «atravessando o território da
Decápole» onde como se sabe, não era bem-vindo. Não
obstante, alguns pedem-lhe por um pobre surdo-mudo, que o cure e, o Senhor, não
resiste aos pedidos justos. Tal como Deus desistiria do castigo de Sodoma e
Gomorra por causa dos justos que Abraão invocava, assim Cristo, por um só filho
Seu fará o que Se Lhe pedir.
Também nós, muitas vezes nos sentimos
impelidos a soltar este brado:"Effathá», Senhor abre a minha alma
o.meu coração para que possa escutar com clareza as Tuas palavras e escutando
entenda e entendendo as ponha em prática. Assim poderei como este que curaste
do Seu mal possa agradecer como desejo e louvar-Te como devo.
Por
aqui se vê como é conveniente na oração de petição
expormos ao Senhor as razões do nosso pedido e o que pode “advogar” em nosso
favor para que Ele no-lo conceda. Mas, o Senhor, não o sabe? Claro que sim, Ele
sabe tudo e conhece o que nos vai na alma e as intenções do nosso coração mas,
gosta de ser urgido como se precisasse de ser convencido pelos nossos
argumentos. Esta prática também nos ajuda a pedir melhor e, sobretudo, a pedir
o que realmente precisamos que nos conceda.
«foi
lançar-se a Seus pés» esta, a atitude “normal” do súbdito
perante o Senhor, da Criatura perante o Criador. Quando alguém vai ter com
outrem para lhe pedir algo importante que atitude toma? Não se lança aos pés de
quem o ouve, isso está fora de questão, mas toma uma atitude de respeito e
deferência. Ou não? Então quando nos dirigimos a Deus para Lhe pedir algo que
julgamos indispensável e decisivo para a nossa vida, a postura que adoptamos deve
ser diferente? Será que não vamos muitas vezes com a disposição de lembrar ao
Senhor que “tem” de nos dar o que pedimos como se fosse uma Sua obrigação que
está por cumprir? Claro, somos filhos de Deus e, os filhos, têm à vontade com
os Pais mas, esse à vontade, não significa de modo nenhum menos respeito ou
deferência.
Jesus Cristo mostra com evidente clareza que as Suas
obras - neste caso os milagres - não são algo automático e estereotipado. Cada
pessoa humana é um ser individual a quem o Senhor trata de acordo. Uma simples
palavra bastaria como tantas vezes fez: 'fica curado do teu mal'. Mas aqui há
como que uma "elaboração" do milagre talvez para consolidar a fé do
doente e dos circunstantes. Tudo - absolutamente - que o Senhor faz tem um
propósito e um objectivo.
Não tomemos de menos a tradição como
uma das fontes da nossa Fé, da nossa Santa Religião Católica. De facto os
nossos Pais e responsáveis de educação deram-nos princípios basilares que não
nos deixaram indiferentes. Mesmo que o tenham feito apenas para cumprir uma
tradição ou costume o seu efeito não se perde e, tarde ou cedo, virão ao de
cima esses princípios e conhecimentos que recebemos na infância.
Os
costumes as tradições que se vão transmitindo de geração em geração constituem
para os judeus, autênticas obrigações que não podem deixar de ser levadas em
conta. Alguns destes costumes e tradições foram até transformados em leis cada
vez mais complexas e minuciosas que eram impostas ao povo sem admitir
discussão. Claro que havia nestes procedimentos e interesses de classe, o que
Jesus não se cansa de denunciar. Por isso mesmo podemos compreender a sua
animosidade a Cristo.
A impureza é uma “carga” terrível da
qual muitos infelizmente não conseguem libertar-se. Talvez seja um dos estados
de vida que cria mais hábito e, até, rotina. O que se pratica, diz ou vive vai
perdendo a sua verdadeira importância e valor e não tarda a cair-se num “deixar
andar” em que de certa maneira tudo é permitido, nada faz mal. O Senhor foi
muito claro: «Bem-aventurados os puros de
coração porque verão a Deus».
Moisés tinha dado ao povo uma completíssima legislação o que se
compreende dada a falta de cultura - pouco mais que nómadas selvagens - do
povo israelita. Com base no Decálogo foi construindo esse acervo legislativo
que continha os princípios básicos do indispensável para regular a vida
social. Com o tempo, os Doutores da Lei e, principalmente os fariseus, foram
“misturando” as coisas levando o povo ignaro a considerar que tudo era a Lei de
Deus e, como tal, rigorosamente observado. O erro dos chefes e guias é muito
grave porque leva outros a errarem. A Deus o que é de Deus, aos homens o que é
dos homens.
Há comportamentos semelhantes
hoje em dia. Quantos progenitores não celebram os Baptizados dos filhos com
grandes festas e aparato e, depois, os deixam como que entregues a si próprios
o resto das suas infâncias! A Catequese na Igreja e se há possibilidades
económicas, algum estabelecimento de ensino religioso e… fica-se por aqui a
sua preocupação com a educação religiosa da criança. É verdade, que em muitos
casos, não se sentem muito à vontade porque como não observam os Mandamentos
e, até, à Missa ao Domingo só se vai de vez em quando, o exemplo que dão aos
filhos não sustenta o que possam dizer-lhes.
Preceitos humanos e
obrigações para com Deus, regras de convivência social e normas de relação com
o nosso Criador e Senhor. Ambas são necessárias e convém observar, mas as
segundas são prioritárias; tocam-se em muitos pontos mas não se confundem. Evidentemente
não se pode ser bom cristão tendo um comportamento social irregular mas tal não
altera aquela escala de prioridades. O Quarto
Mandamento vai perdendo a sua importância cada dia que passa. Em lugar de
exemplo a seguir, a referência a ter em conta, os Pais, sobretudo quando de
idade avançada, constituem um estorvo e encargo extra. Alguns – infelizmente
em número crescente - esquecem tudo o que os Pais fizeram para lhes
proporcionar o que desejavam, o seu apoio nas horas mais sombrias, a sua
disponibilidade para perdoar as irreverências, as preocupações com a sua
saúde, a solicitude com que atenderam os seus projectos. A ingratidão é,
sempre, uma falta muito feia mas assume especial gravidade quando se verifica
em relação aos progenitores. Infelizmente o que Jesus recrimina aos
que O ouvem, continua a verificar-se hoje em dia: filhos que abandonam os pais
quando estes se tornam incómodos porque, achacados
pela doença ou outras limitações, passam a ser um estorvo na sua vida. Todos
os anos, principalmente pelas férias de Verão, centenas de pessoas são
literalmente abandonadas nos hospitais pelos familiares mais próximos – os
filhos – que querem ir de férias “descansados” e sem maçadas. Estes
procedimentos revelam uma frieza de coração e uma total ausência de carinho ou
ternura pelos progenitores que têm direito a elas, uma falta de respeito por
eles, como pessoas em primeiro lugar e como pais em segundo. Merecem sem
dúvida, as mesmas invectivas que, neste trecho do Evangelho, Jesus faz aos
fariseus e aos escribas, precisamente aqueles que deveriam dar, ao povo, o
exemplo nas relações dos filhos com os seus pais.
Honrar Pai e Mãe é um
Mandamento da Lei de Deus. Essa honra que é devida aos progenitores não pode
limitar-se em assegurar a sua velhice de forma mais ou menos confortável e
digna. Não cabem as desculpas - infelizmente tão frequentes - que 'a vida de
hoje não permite outra coisa... E já é muito. A honra tem a ver com o amor,
principalmente com o amor. É preciso fazer sacrifícios, renunciar a alguma
coisa? Pois faça-se! Renuncie-se! O nosso Pai do Céu está muito atento à forma
como tratamos os nossos pais terrenos. Não esqueçamos que a derradeira
“preocupação” de Cristo foi para com a Sua Mãe: ''eis aí a tua Mãe!''
Ao ler este trecho do Evangelho de S. Marcos talvez
alguém se sinta tentado a pensar: ‘isto não é para mim nem para agora,
passar-se-ia naquele tempo…’ Nada mais falso. Tudo isto se passa nos dias de
hoje e, cada vez com maior frequência. As desculpas e falsos motivos para
“despojar” os progenitores, envelhecidos, doentes e cansados dos seus
legítimos direitos são inúmeras e, sempre, motivadas pelo egoísmo e pela falta
de amor aos seus. Um Pai ou uma Mãe, atingidos por Alzheimer, que não dizem
coisa com coisa nem são capazes de se “governar sozinhos” é, de facto um problema
assim tão diferente daquele com que esse mesmo Pai ou essa mesma Mãe se
defrontaram quando, durante os primeiros anos da nossa vida, não articulávamos
palavra, não tínhamos coerência de pensamentos e, muito menos, éramos capazes
de nos mantermos sozinhos? Sim… com infinita paciência e carinho,
ensinaram-nos a falar, corrigiram os erros, ajudaram-nos nos primeiros passos
cambaleantes, nunca nos faltaram com a sua protecção. Tudo isto porquê? Porque
nos amavam? Então… o amor não se paga com amor?
Jesus Cristo continua a desmistificar a
interpretação da Lei de Moisés que os chefes do povo, nomeadamente os Príncipes
dos Sacerdotes e os Escribas, se foram atribuindo o direito de impor.O que não
passava de normas e recomendações de cariz meramente social, de comportamento
básico como a higiene e os cuidados a ter com o próprio corpo, passaram, assim,
a ser regras rígidas de carácter religioso cuja observância era obrigatória
desvirtuando completamente não só o sentido da Lei mas, o que era mais grave, esquecendo
o verdadeiramente importante a ter em conta
Às vezes podemos referir que os ensinamentos de Jesus são algo
enigmáticos. Teríamos razão se nos apegarmos às palavras, ao texto do discurso
e não ao seu sentido.Mas, neste caso, deste trecho do Evangelho, não podemos
dizer tal coisa porque, de facto, ele não poderia ser mais claro e conclusivo. Jesus
explica com meridiana clareza que quando o homem deixa que seja o coração a
mandar na sua vida, a determinar as emoções, sentimentos e comportamento, sem
que a 'cabeça', o entendimento o regule e comande, corre sério risco de pensar
e agir de forma inconveniente e reprovável. A pessoa bem formada, com um
carácter sólido não se deixa dominar pelos impulsos do coração mas
condiciona-os a uma avaliação criteriosa da sua conveniência.
É bem de ver a qualidade dos homens que seguiam o
Senhor, pouco inteligentes, sem grande instrução e débeis de vontade. Mas isso
pouco importa porque têm recta intenção e ausência de preconceitos e, mais
importante talvez, têm a franqueza sincera e humilde de perguntar o que não
sabem de pedir esclarecimentos sobre o que não entendem bem. O que Jesus diz
não “resvala” por eles, entranha-se no seu espírito e, depois de informados,
cria raiz e frutifica.
Mais uma vez; Jesus fala sobre o verdadeiro
critério que as pessoas que se pretendem com boa intenção devem ter. Não ir
atrás de falsos conceitos, promessas ou palavras soltas fora do contexto como
tanto gostam de fazer alguns chamados “pregadores” de inúmeras “igrejas” que
utilizam as palavras da Lei para manipular à vontade – à sua vontade – os
pobres incautos que lhes caem na teia. Deus não poderia nunca fazer algo mal,
isto é, que fosse mau para o homem. Quando entregou aos nossos primeiros Pais o
domínio sobre a terra e que nela se contém não pôs qualquer limitação no seu
uso. (Comer ou não carne de porco terá a ver, apenas, com a decisão pessoal e
nunca como uma regra imposta ou mesmo recomendada por Deus.) Neste caso, a
profilaxia, é uma tarefa humana. Seria o mais
completo desrespeito pela liberdade do homem, Deus impor uma selecção de
alimentos permitidos e proibidos. Ora, Deus, que respeita a liberdade da
criatura, nunca faria tal coisa. Muitos se arvoram em seus "porta-vozes"
preconizando e instituindo regras e condutas que o Senhor nunca expôs. E, isto,
serve para tudo, para coisas aparentemente boas ou, pelo menos, inócuas, ou
para comportamentos reprováveis e até perigosos. Veja-se essas
"seitas" e algumas chamadas "igrejas" que proliferam um
pouco por todo o lado algumas das quais advogam o sexo livre e indiscriminado e
até a imolação (suicídio) colectivo.
«Tudo fez bem!» Esta afirmação dos circunstantes
traduz uma verdade insofismável: Jesus Cristo é o verdadeiro Filho de Deus e,
portanto, todas as Suas obras são perfeitas. Repete-se em Jesus Cristo o que a
Bíblia nos conta sobre a Criação quando refere que (Deus) «olhou o que tinha feito e achou que tudo era muito bom» (Gen
1, 26-28.31)
Quantas vezes esperamos que o
Senhor nos diga também a nós: abre-te! Sim. Abre o teu coração ao Meu Amor, a
tua inteligência à verdadeira Fé, a tua alma às inspirações do Espírito Santo! Abre-te,
todo tu, entrega-me tudo o que tens, os teus desejos e aspirações nobres, as
tuas ânsias de santidade! Abre-te a Mim e, Eu, te encherei de mais graças para
seres mais forte, corajoso, perseverante na oração e fiel na tua amizade por
Mim!
Sabendo que nada foi escrito
por acaso e que tudo foi inspirado pelo Espírito Santo, por vezes apetece
meditar nas palavras e expressões dos evangelistas que parecem “a mais” no
texto ou, talvez, sem grande significado ou relevância. São Lucas diz que Jesus
«levantando os olhos ao Céu, suspirou». O que quer isto dizer? Porque que constam aqui
nestas pequenas coisas. Quantas vezes, perante algo que de qualquer modo nos
incomoda, não fazemos exactamente o mesmo: levantamentos os olhos ao Céu e suspiramos,
como quem diz: ‘Que hei-de fazer? Como hei-de suportar isto? Que remédio?’A
humanidade de Jesus revela-se igualmente nestas pequenas coisas, nestes gestos
e reacções tão tipicamente humanos. Se o surdo-mudo fosse um homem de fé Jesus
tê-lo-ia levado aparte, metido os dedos nos ouvidos, tocado com saliva a
língua? Muito provavelmente… não. Estes gestos foram necessários para confirmar
a pouca fé do pobre homem e, por respeito por este, faz isto afastado da
multidão. Quem procura Jesus para ser curado dos seus males obtém, seguramente
essa cura, mas ela depende da sua fé em Cristo e na sua justiça. O caminho para
Cristo é Maria, por isso a temos como especial medianeira que nos leva a seu
Filho, endireitando o que está enviesado e “compondo” o que pedimos.
Porque é que Jesus, nas curas que
opera, usa formas diferentes de actuar? Umas vezes limita-se a ordenar e, os
enfermos ficam curados; outras toca a pessoa ou deixa que esta toque, pelo
menos, o Seu manto; ou ainda, como neste caso - meter os dedos nos ouvidos ou
ungir os olhos com lama feita com saliva e terra? Não sabemos a verdadeira
razão mas podemos imaginar dois motivos; o primeiro depende da fé daquele que
pede a cura: uma fé sólida, firme, absoluta tem uma resposta imediata ao passo
que a fé mais débil ou hesitante “obriga” a um procedimento mais demorado exactamente
para fortalecer a fé de quem pede. Isto deve servir-nos de lembrança quando
pensarmos que o Senhor não atende o que justamente Lhe solicitamos. Talvez á
nossa oração falte essa fé firme, inabalável que “leve” o Senhor a conceder
sem demora o que pedimos. Além disso, ter-mos presente que, tal como neste
trecho do Evangelho, a nossa fé deve bastar para levarmos os outros, mesmo que
a sua fé seja débil, ao encontro com Cristo. Ele saberá o que fazer
Parece que algumas
pessoas - algumas com responsabilidade específica na orientação dos fiéis da
Igrejas Católica - têm alguma dificuldade em "lidar" com as curas de
Jesus, sobretudo aquelas que opera sobre possessos do demónio como
abundantemente se refere nos Evangelhos. Parece haver falso pudor ou, talvez,
medo de chamar as coisas pelo seu nome. É, pois, preciso ter claro que nenhuma
palavra dos Evangelhos foi usada por acaso ou com simbolismo. Não! O que se lê
no Evangelho é a palavra de Deus e, Ele, é a Verdade, logo não pode haver nem
dúvidas nem “interpretações” do que lá consta.
Jesus Cristo diz sempre as palavras
certas, chama as coisas pelo seu verdadeiro nome. Não procura agradar a quem O
ouve mas tão só dizer, expor, a verdade tal como ela é. Assim, chama Demónio ao
espírito imundo que possuía a jovem, como o Evangelho relata. Logo, o Demónio
existe!
A falsa humildade é, muitas vezes o que
nos impede de nos aproximar-mos de Jesus com confiança. É verdade que somos
pouca coisa e indignos de falar directamente com Deus mas, ao converter-nos em
Seus filhos pela Sua Paixão, Morte e Ressurreição, Cristo deu-nos esse direito
e quer que o exerçamos com confiança. Disse-nos com toda a clareza para
pedir-mos o que julgar-mos precisar. Ele, na Sua infinita sabedoria, dar-nos-á
aquilo que nos convém.
O
pão dos filhos! Claro que, eles, estão em primeiro lugar nas preocupações que
por eles sentimos e na assistência que lhes devemos prestar. Mas esta evidência
que é natural e legítima não deve nem pode fazer com que desprezemos os outros
e que não estejamos igualmente atentos às suas necessidades que está na nossa
mão resolver ou, de alguma forma minimizar.
«Effathá»,
abre-te! E, a estas palavras, abriram-se os ouvidos do surdo! Muitas vezes
esperamos por algo semelhante, a exclamação que nos desperte da nossa modorra,
um gesto que nos urja a levantarmo-nos do nosso torpor e a seguir o caminho,
enfim, algo que nos entusiasme, nos anime e faça decidir a continuar o caminho
traçado. E, algumas vezes, nada disto acontece, ou melhor, não nos damos conta
que aconteça, de tal forma estamos absorvidos com os nossos próprios problemas
e as soluções que procuramos para os mesmos. Entregamo-nos com ardor e
pertinácia na busca dessas soluções, desses remédios e descuramos o que está
mesmo à nossa frente, ao nosso alcance. Ele que nos diz, «Effathá», não nos deixa nunca, não se afasta e, quando nos
afastamos – porque somos nós que nos afastamos – espera pacientemente que
retrocedamos sobre os nossos passos e nos deixemos curar pela Sua ciência de
Médico Divino.
As normas que se referem neste trecho
do Evangelho, foram instituídas por Moisés para um povo pouco menos que
selvagem e primitivo. Como muitas outras tratavam-se códigos de conduta social
destinadas a levar o povo a um patamar mais elevado de educação comportamental.
Por conveniência os chefes do povo foram convertendo estes códigos em lei
religiosa que tinha de ser estritamente observada. Assim dominavam e exerciam
poder sobre os seus concidadãos por quem não tinham outra preocupação motivada
pela misericórdia e solidariedade.
Por várias vezes os comentários sobre
estas atitudes dos fariseus e chefes do povo referem a falta de critério
e honradez intelectual de que amiúde davam mostras. Teremos de fazer um esforço
para compreender que, apesar de tudo, manifestam coerência. Louva-se a sua
atitude? Evidentemente não mas consideremos que embora eles não tenham essa
intenção, as reacções e respostas de Jesus a estas manifestações contribuem
para o esclarecimento do povo e a afirmação da doutrina verdadeira. E teremos
de concluir que, de um “mal” aparente, o Senhor, tira sempre um bem verdadeiro.
Talvez
a hipocrisia seja um dos defeitos que Jesus mais aponta aos Fariseus e
Escribas. Porque ama a simplicidade, não sabe o que há-de fazer com mentes
retorcidas, calculistas, preconceituosas. Ser simples – simples como as
crianças – é a virtude que Cristo mais sublinha e inúmeras vezes de forma muito
radical, diria. Afirma inclusive, que se não formos simples como as crianças
não teremos lugar no Reino de Deus. Ouvi muitas vezes o meu querido Pai
afirmar: ‘um homem deve ser igual a si mesmo’. Em pequeno, não percebia muito
bem o que isto queria dizer, mas hoje sei que, o que quer dizer, é o mesmo que
Jesus afirma: Sede homens de sim, sim, não, não. Não podemos ser outra coisa,
sob pena de não ser-mos credíveis, sérios, aceites pelos outros e, sobretudo,
pelo Senhor que nos quer como filhos autênticos, em quem pode e quer confiar
não obstante - e apesar de – todos os nossos defeitos e imperfeições.
Esta passagem do Evangelho
sublinha ainda a repulsa que Jesus sente por tudo quanto é preconceituoso,
excessivo, e escrupuloso no cumprimento da Lei divina. Pôr a forma, o conteúdo
à frente do coração, do desejo de cumprir. O que O Senhor quer e deseja é
Filhos Seus autênticos e verdadeiros, que pratiquem uma fé escorreita e
sincera, sem se refugiarem atrás e pormenores que não passam disso mesmo.
Alegria, sinceridade, disponibilidade é o que é preciso para cumprir as nossas
obrigações de cristãos. Ouve-se por vezes ‘eu cá não vou à Missa no Domingo...
pois se eu não sinto nada é melhor não ir do que fingir...’ Falsa razão. Ninguém vai à Missa para
"sentir" seja o que for, vai-se à Missa, para participar no
Sacramento divino, para, ao cumprir um preceito, dar glória e honra a Deus. A
prática da fé não é um sentimento, uma tradição, um hábito... não... a prática
da fé é, antes de mais, uma obrigação e uma necessidade; obrigação de, como
filhos de Deus, honrar o nosso Pai; uma necessidade, porque precisamos do
alimento da frequência dos Sacramentos, da vida de piedade, da oração.
O Quarto Mandamento, que é
também de direito natural, requer de todos os homens, mas especialmente
daqueles que querem ser bons cristãos, a ajuda abnegada e cheia de carinho aos
pais, que se realiza todos os dias em mil pequenos detalhes e ganha particular
relevo quando os progenitores são anciãos ou estão mais necessitados. (cfr.
Conc. Vat. II, Const. Gadium et spes, 48)