Tempo comum XXXII Semana
Evangelho:
Jo 2, 13-22
13 Estava próxima a Páscoa dos judeus,
e Jesus subiu a Jerusalém. 14 Encontrou no templo vendedores de bois, ovelhas e
pombas, e os cambistas sentados às suas mesas. 15 Tendo feito um chicote de
cordas, expulsou-os a todos do templo, e com eles as ovelhas e os bois, deitou
por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou as suas mesas. 16 Aos que vendiam
pombas disse: «Tirai isto daqui, não façais da casa de Meu Pai casa de
comércio». 17 Então lembraram-se os Seus discípulos do que está escrito: “O
zelo da Tua casa Me consome”. 18 Tomaram então a palavra os judeus e
disseram-Lhe: Que sinal nos mostras para assim procederes?». 19 Jesus
respondeu-lhes: «Destruí este templo e o reedificarei em três dias». 20 Replicaram
os judeus: «Este templo foi edificado em quarenta e seis anos, e Tu o
reedificarás em três dias?». 21 Ora Ele falava do templo do Seu corpo. 22
Quando, pois, ressuscitou dos mortos os Seus discípulos lembraram-se do que Ele
dissera e acreditaram na Escritura e nas palavras que Jesus tinha dito.
Comentário:
Nada do que Jesus Cristo, até então, tinha feito e multidões presenciado,
parece não serem “sinais” suficientemente evidentes para os que Lhe fazem a
pergunta.
De facto, há muita gente – talvez até, às vezes, nós próprios – que
deseja um sinal tão evidente como uma ‘escritura’ para aceitar ou acreditar na
Vontade de Deus.
É que estamos muito habituados a que a nossa própria vontade e desejos
coincida com a do Senhor, como se não devesse ser exactamente o contrário.
E se fosse Ele a perguntar-nos… a cada um:
‘Que sinal me dás que acreditas em Mim?’
Qual seria a nossa resposta?
(ama,
comentário sobre Jo 2, 13-22, 2013.11.09)
Leitura espiritual
A
PACIÊNCIA
INTRODUÇÃO
O HOMEM NA CALÇADA
O homem estava ali, perto
de nós – de mim e de um meu amigo –, na mesma calçada, a uns vinte metros de
distância. Era um sessentão de estatura mediana e puxava para gordo. Chamava a atenção
porque gesticulava com invulgar veemência. Dava para perceber, mesmo de longe,
que se lhe contraíam as feições. De súbito, elevou fortemente a voz, e então
chegou até nós uma frase perfeitamente audível:
– Tenha santa paciência!
Nada havíamos captado, nem
eu nem o meu amigo, da agitada conversação anterior. Mas uma certeza nos
ficava: aquele homem acabava de perder a paciência, que devotamente invocava como
“santa”.
Era evidente que o homem
gordo não tinha gostado de alguma coisa de que lhe falara o seu interlocutor. E
o pedido de que tivesse santa paciência – explodido num desabafo – fora sem
dúvida provocado por uma contrariedade: o outro afirmara, narrara ou defendera
algo que o tinha aborrecido, que o tinha contrariado. Sempre são as contrariedades
que nos fazem perder a paciência. Como é lógico, nunca nos impacientamos quando
tudo nos sorri e se amolda aos nossos desejos.
Se prestarmos atenção,
poderemos observar que, na nossa linguagem comum, a perda da paciência anda
sempre associada a alguma coisa difícil de aceitar, de aturar, de “engolir”, de
sofrer:
“Haja paciência para
aguentar isso”, “Aquilo já está saturando as paciências”, “É demais...”,
dizemos.
E é claro que, com isso,
estamos falando de algo desagradável, que nos aborreceu; quase sempre, de uma
pessoa ou de uma situação que nos vem contrariando ou incomodando desde há um
certo tempo. Perante a adversidade instantânea (como a agressão verbal de um
motorista – “domingueiro!” – que passa por nós em alta velocidade), não caímos
propriamente na impaciência, mas – como veremos logo – na ira.
TRÊS CONTRARIEDADES E DUAS
REAÇÕES
Se pensarmos um pouco,
analisando o que se passa connosco, perceberemos que costumamos padecer de três
tipos de contrariedades e que, em face delas, temos dois tipos de reações.
Existem as contrariedades
provocadas pelos outros: eles têm aqueles modos desagradáveis de falar, de
olhar ou não olhar, de retrucar ou não responder, de esquecer ou estar
lembrando-nos certas coisas a toda a hora, de dirigir carro – dirigir? –, de se
atrasar, de impor...
Existem depois as contrariedades
procedentes de nós mesmos:
‘Não me aguento, voltei a
deixar a chave de casa no escritório!’;
‘Por que sempre gaguejo ao
falar na sala de aula?’;
‘Não consigo contar uma
piada que faça rir a ninguém!’
E, por último, as que
decorrem das circunstâncias:
‘Há já sete meses que estou
sem emprego!’;
‘Desde que apanhei aquela
bronquite, nunca mais deixei de tossir!’; ‘Justamente quando fui tirar férias,
veio aquela frente fria estacionária e não parou mais de chover!’
De facto, quase todas as
contrariedades se enquadram em algum desses três capítulos.
Ora, ao lado dessas três
espécies de contrariedades, existem, como mencionávamos acima, dois modos
diferentes, ainda que muito “aparentados”, de reagir. Vale a pena focalizá-los.
O primeiro modo é a
impaciência. É preciso dizer desde já que a impaciência, em si mesma, na sua
essência mais íntima, consiste em não saber sofrer. Precisamente a palavra
paciência deriva do verbo latino pati, que significa padecer. Por isso, a
virtude da paciência é a capacidade de padecer dignamente, a arte de sofrer
bem, e mais concretamente a paciência cristã é a virtude que nos dá, com a
graça divina, a capacidade de sofrer, de suportar as contrariedades e a dor – especialmente
quando se prolongam – com fé, esperança e amor.
Uma vez esclarecido isto,
pode também ficar claro que a irritação, a brusquidão, a raiva ou a cólera não
fazem parte, propriamente falando, da impaciência – ainda que muitas vezes a acompanhem
–, mas da ira. É bem verdade que a ira – a que nos referiremos daqui a instantes
– e a impaciência convivem muitas vezes no nosso dia-a-dia como duas irmãs
siamesas. Mas é útil não perder de vista, na leitura destas páginas dedicadas à
paciência, que a impaciência se dá – mesmo que não se faça acompanhar de
nenhuma emoção ou explosão – simplesmente quando não sabemos aceitar ou
aceitamos de má vontade aquilo que nos contraria ou nos faz sofrer.
A impaciência é rica em
apresentações. Pode manifestar-se quer no nosso interior, quer externamente, de
maneiras muito variadas. Com muita frequência, aflora em forma de queixas internas
(quando a pessoa se lamenta no íntimo, sentindo-se vítima), ou de reclamações
ásperas ou lamurientas com os outros, ou de cobranças insistentes, ou de
suspiros lastimosos, ou de trejeitos e desabafos reveladores de cansaços morais
(‘Já não suporto mais! Cheguei ao limite! Isto é superior às minhas forças!’).
Também são frutos da
impaciência os comentários de desânimo e os olhares de tristeza... É
interessante saber que um dos principais efeitos da paciência, mencionado por
São Tomás de Aquino, é expulsar a tristeza do coração.
A IRA É DIFERENTE
Ao lado da impaciência, um
segundo modo de reagir perante as contrariedades é a ira, a irritação já acima
mencionada como assídua parceira da impaciência. Quando alguém se deixa levar
pela ira, é porque perdeu – repentinamente ou por acumulação de contrariedades
– o controlo emocional. A pessoa irada não tem mais autodomínio e extravasa a
sua revolta por meio do grito (os terríveis gritos das mães desgovernadas!), do
safanão, da injúria, do palavrão (abra-se o ouvido no meio do trânsito de uma
grande cidade), do comentário ofensivo e grosseiro, da ‘piada’ (fecha a cara,
levanta-se da mesa e vai-se embora sem acabar de jantar) ou da violência: desde
dar um pontapé num objecto ou fechar uma porta com estrondo, até sacar o
revólver e disparar.
Assim é a ira.
Parente próxima, irmã
siamesa até – dizíamos – da impaciência, mas diferente dela.
Não é inútil, pois,
repisar que a impaciência é, essencialmente, a incapacidade de sofrer, de sofrer
“com classe”, dignamente, como um filho de Deus.
Importa insistir nisto
porque é muito comum, hoje em dia, considerar como modelos de paciência
comportamentos mansos (sem ira nenhuma) que, na realidade, são exemplos da mais
perversa impaciência.
Refiro-me, por exemplo, ao
caso, tristemente trivial, de casais que se separam, após poucos ou muitos anos
de matrimónio e, fazendo alarde de uma pretensa “maturidade”, se gabam de que
“não brigaram”, não quiseram nem ouvir falar em separação litigiosa, e entraram
em acordo “como gente civilizada” (acomodando suave e serenamente os seus dois
egoísmos).
Por trás de tanta calma, o
que é que houve?
Vejamos de perto, e logo
perceberemos que existiu uma elementar incapacidade de sofrer, de aceitar e
superar com generosidade as contrariedades e divergências normais de uma vida a
dois.
Ou seja, houve a mais pura
impaciência, uma impaciência radicalmente egoísta que, por apresentar-se
cinicamente calma e sorridente, é especialmente abjecta.
Costumam ter maior
grandeza de coração e de carácter – e mais conserto – os que cometem o erro de
separar-se arrastados por uma erupção vulcânica de raiva, de ira, de
amor-próprio ferido. A ira, às vezes, é apenas um sinal de fraqueza.
Mas a infidelidade fria e
calculista é sempre o retrato do egoísmo.
Mas deixemos a ira para
outra ocasião, e tentemos enfronhar-nos na impaciência, que é o tema que agora
nos ocupa.
E, antes de mais, como
começo de conversa, será preciso reconhecer que todos nós, de um modo ou de
outro, padecemos deste mal.
Ninguém escapa.
Por isso, será interessante
procurarmos descobrir por que e como é que nos impacientamos, a fim de
enxergarmos melhor os caminhos que nos podem conduzir à paciência, essa virtude
tão amada, tão desejada e tão pouco praticada.
(cont.)
FRANCISCO FAUS, [i]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
Suma
Teológica, II-II, q. 136, a. 2, 1.
[i]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.