São Josemaria Escrivá
Cristo que passa 155 a 158
155
Fecundidade da Eucaristia
Quando o Senhor na última
Ceia instituiu a Sagrada Eucaristia, era de noite, o que - comenta S. João
Crisóstomo - manifestava que os tempos tinham sido cumpridos.
Caía a noite sobre o
mundo, porque os velhos ritos, os antigos sinais da misericórdia infinita de
Deus para com a humanidade iam realizar-se plenamente, abrindo caminho a um
verdadeiro amanhecer: a nova Páscoa.
A Eucaristia foi
instituída durante a noite, preparando de antemão a manhã da Ressurreição.
Também nas nossas vidas
temos de preparar essa alvorada.
Tudo o, que é caduco, o
que é prejudicial, o que não serve - o desânimo, a desconfiança, a tristeza, a
cobardia - tudo isso tem de ser deitado fora.
A Sagrada Eucaristia
introduz a novidade divina nos filhos de Deus e devemos corresponder in
novitate sensus, com uma renovação de todo o nosso sentir e de todo o nosso
agir.
Foi-nos dado um novo
princípio de energia, uma raiz poderosa, enxertada no Senhor.
Não podemos voltar à
antiga levedura, nós que temos o Pão de agora e de sempre.
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Nesta festa, em cidades de
um extremo ao outro da Terra, os cristãos acompanham em procissão o Senhor que,
escondido na hóstia, percorre as ruas e praças - como durante a sua vida
terrena - aparecendo aos que O querem ver, vindo ao encontro dos que O não
procuram. Jesus aparece assim, uma vez mais, no meio dos seus.
Como reagimos perante esse
chamamento do Mestre?
As manifestações externas
de amor devem nascer do coração e prolongar-se com o testemunho da conduta
cristã.
Se fomos renovados com a
recepção do Corpo do Senhor, temos de o manifestar com obras.
Que os nossos pensamentos
sejam sinceros: de paz, de entrega, de serviço.
Que as nossas palavras sejam
verdadeiras, claras, oportunas; que saibam consolar e ajudar, que saibam
sobretudo levar aos outros a luz de Deus.
Que as nossas acções sejam
coerentes, eficazes, acertadas: que tenham esse bonus odor Christi , o bom odor
de Cristo, por recordarem o seu modo de Se comportar e de viver.
A procissão do Corpo de
Deus torna Cristo presente nas aldeias e cidades do mundo.
Mas essa presença, repito,
não deve ser coisa de um dia, ruído que se ouve e se esquece.
Essa passagem de Jesus
lembra-nos que temos também de descobri-Lo nos nossos afazeres quotidianos.
A par da procissão solene
desta quinta-feira deve ir a procissão silenciosa e simples da vida corrente de
cada cristão, homem entre os homens, mas com a felicidade de ter recebido a fé
e a missão divina de se comportar de tal modo que renove a mensagem do Senhor
sobre a Terra. ão nos faltam erros, misérias, pecados.
Mas Deus está com os
homens, e temos de nos dispor a que se sirva de nós e se torne contínua a sua
passagem entre as criaturas.
Vamos, pois, pedir ao
Senhor que nos conceda sermos almas de Eucaristia, que a nossa relação pessoal
com Ele se traduza em alegria, em serenidade, em desejo de justiça.
E facilitaremos aos outros
o trabalho de reconhecer Cristo, contribuiremos para colocá-lo no cume de todas
as actividades humanas.
Cumprir-se-á a promessa de
Jesus: Eu, quando for levantado sobre a terra, atrairei tudo a mim.
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O pão e a ceifa: comunhão
com todos os homens
Jesus, dizia-vos no começo,
é o semeador.
E por intermédio dos
cristãos continua a sua sementeira divina.
Cristo aperta o trigo nas
suas mãos chagadas, embebe-o com o seu sangue, limpa-o, purifica-o e lança-o no
sulco que é o mundo.
Lança os grãos um a um,
para que cada cristão, no seu próprio ambiente, dê testemunho da fecundidade da
Morte e da Ressurreição do Senhor.
Se estamos nas mãos de
Cristo, devemos impregnar-nos do seu Sangue redentor, deixar-nos lançar ao
vento, aceitar a nossa vida tal como Deus a quer.
E convencer-nos de que a
semente, para frutificar, tem que se enterrar e morrer.
Depois ergue-se o caule e
surge a espiga.
Da espiga, o pão, que será
convertido por Deus no Corpo de Cristo. Dessa forma voltaremos a reunir-nos em
Jesus, que foi o nosso semeador.
Visto que há um só pão,
nós, embora muitos formamos um só corpo, nós todos que participamos de um mesmo
pão.
Nunca percamos de vista
que não há fruto se antes não houve sementeira: por isso é preciso difundir
generosamente a Palavra de Deus, fazer com que os homens conheçam Cristo e que,
ao conhecê-Lo, tenham fome d'Ele.
Esta festa do Corpus
Christi - Corpo de Cristo, Pão da vida é uma boa ocasião para meditar na fome
de verdade, de justiça, de unidade e de paz que se adverte nos homens.
Perante a fome de paz,
teremos de repetir com S. Paulo: Cristo é a nossa paz, pax nostra.
Os desejos de verdade
hão-de levar-nos a recordar que Jesus é o caminho, a verdade e a vida.
Aos que procuram a
unidade, temos de colocá-los perante Cristo, que pede que estejamos consummati
in unum, consumados na unidade. A fome de justiça deve conduzir-nos à fonte
originária da concórdia entre os homens: ser e saber-se filhos do Pai, irmãos.
Paz, verdade, unidade,
justiça.
Que difícil parece por
vezes o trabalho de superar as barreiras, que impedem o convívio entre os
homens!
E contudo nós, os cristãos
somos chamados a realizar esse grande milagre da fraternidade: conseguir, com a
graça de Deus, que os homens se tratem cristãmente, levando uns as cargas dos
outros, vivendo o mandamento do Amor, que é o vínculo da perfeição e o resumo
da lei.
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Não deixemos de reparar
que fica ainda muito por fazer.
Em determinada ocasião,
talvez contemplando o suave movimento das espigas já gradas, disse Jesus aos
seus discípulos: A messe é grande mas os operários são poucos. Rogai pois ao
Senhor da messe que mande operários para a sua messe.
Como então, também agora
faltam homens que queiram suportar o peso do dia e do calor.
E se nós, os que
trabalhamos, não formos fiéis, acontecerá o que escreveu o profeta Joel:
destruída a colheita a terra ficou de luto: porque o trigo está seco, o vinho
arruinado, o azeite perdido. Confundi-vos, lavradores; gritai, vinhateiros,
pelo trigo e pela cevada. Não há colheita.
Não há colheita, quando
não se está disposto a aceitar generosamente o trabalho constante, que pode
tornar-se longo e fatigante: lavrar a terra, semear, cuidar do campo, fazer a
ceifa e a debulha...
Na história, no tempo,
edifica-se o Reino de Deus.
O Senhor confiou-nos a
todos essa tarefa e ninguém se pode sentir dispensado dela.
Ao adorarmos e
contemplarmos hoje Cristo na Eucaristia, pensemos que ainda não chegou a hora
do descanso, porque a jornada continua.
Está dito no livro dos
Provérbios: quem lavrar a sua campina terá pão em abundância.
Tiremos a lição espiritual
destas palavras: quem não lavra o terreno de Deus, quem não é fiel à missão
divina de se entregar aos outros, ajudando-os a conhecer Cristo, dificilmente
conseguirá entender o que é o Pão eucarístico.
Ninguém gosta daquilo que
não lhe custou esforço.
Para apreciar e amar a
Sagrada Eucaristia, é preciso percorrer o caminho de Jesus; sermos trigo,
morrermos para nós próprios, ressuscitarmos cheios de vida e darmos fruto
abundante: cem por um!
Esse caminho resume-se
numa única palavra: amar.
Amar é ter o coração
grande, sentir as preocupações dos que estão à nossa volta, saber perdoar e
compreender: sacrificar-se, com Jesus Cristo, por todas as almas.
Se amamos com o coração de
Cristo, aprenderemos a servir, e defenderemos a verdade claramente e com amor.
Para amar desta maneira, é
preciso que cada um expulse da sua vida tudo o que estorva a Vida de Cristo em
nós: o apego à nossa comodidade, a tentação do egoísmo, a tendência à exaltação
pessoal.
Só reproduzindo em nós a
Vida de Cristo, poderemos transmiti-la aos outros; só experimentando a morte do
grão de trigo, poderemos trabalhar nas entranhas da terra, transformá-la por
dentro, torná-la fecunda.
(cont)