DE MAGISTRO
(DO MESTRE)
CAPÍTULO
V
SINAIS
RECÍPROCOS
…/2
AGOSTINHO
– E já vislumbraste aonde
quero chegar?
ADEODATO
– Ainda não.
AGOSTINHO
– Não percebes que nome é
aquilo com que se nomeia uma coisa?
ADEODATO
– Não há para mim coisa mais
clara.
AGOSTINHO
– Então notas que “est” (é – sim) é nome, se o que havia em
Cristo se chama “est” (é – sim).
ADEODATO
– Não há como negá-lo.
AGOSTINHO
– Mas se indagasse a que
parte do discurso pertence “est” (é –
sim), creio que não responderias “nome”, mas “verbo”, embora o raciocínio tenha
demonstrado que é também nome.
ADEODATO
– É exatamente como dizes.
AGOSTINHO
– Poderás ainda duvidar que
também as outras partes da oração sejam nomes, como demonstraremos no caso do
verbo “est”?
ADEODATO
– Não duvido, pois percebo
que significam algo; mas se me perguntares a respeito das próprias coisas que
elas significam, isto é, como cada uma, individualmente, se chame ou nomeie, só
poderei responder com aquelas partes da oração que não chamamos de nomes, mas
que, ao que parece, deveríamos chamar palavras?
AGOSTINHO
– Nem te preocupa que o
nosso arrazoado possa ser abalado pela afirmação que se deve atribuir ao
Apóstolo autoridade de doutrina, mas não de palavras, e que, portanto, as bases
da nossa persuasão não são tão firmes como parecia? E pode ser que Paulo,
embora tenha vivido e ensinado rectissimamente, não tenha falado com igual exactidão
quando disse: “o sim era nele” (em Cristo); tanto mais que ele mesmo se
confessa inepto na arte de falar? Como julgas que se possa refutar tal objecção?
ADEODATO
– Não saberia o que
responder, e rogo-te que procures um dos que são tidos como autoridades máximas
na arte da palavra, para esclarecer o que desejas.
AGOSTINHO
– Parece-te, pois, que a
razão por si só, sem o aval da autoridade, não bastaria para demonstrar que
todas as partes da oração têm um significado e que, por isso, cabe-lhes uma denominação;
ora, se se chamam, também se nomeiam, e, se se nomeiam, terão de nomear-se com
um nome; o que se vê facilmente comparando diversas línguas. Pois é evidente
que se perguntarmos como os gregos nomeiam o que nós nomeamos “quis” (quem), nos responderiam tis; como
nomeiam o que nós nomeamos “bene”
(bem), eles kalõs; o que nós nomeamos
“scriptum” (escrito), eles to gegrammenon; o que nós “et” (e), eles kaí; o que nós “ab” (por,
de), eles, ápò o que nós “heu” (ai),
eles oi; e quanto a todas estas
partes da oração que enumerei, estaria certo quem fizesse a pergunta: seria
possível isto se não fossem nomes? Podemos demonstrar, mediante este processo,
que o apóstolo Paulo falou correctamente, sem apelar para a autoridade de outros
oradores: que necessidade há, pois, de procurarmos em outros o apoio para a
nossa opinião?
– Mas se houver alguém tão
tardo ou tão teimoso que não ceda e teime não ceder sem a autoridade daqueles
autores, aos quais o consenso geral atribui as regras da arte de falar, quem se
poderia encontrar na língua latina mais exímio do que Cícero? Ora, nas suas
nobilíssimas orações, apelidadas “verrinas”, ele chama “nome” ao termo “coram”
(diante de), embora naquela passagem possa ser tomado como preposição ou como advérbio.
Mas, como poderia ocorrer que eu não esteja compreendendo bem aquela passagem,
que poderia ser interpretada diversamente por outrem, vou citar um caso a que
não creio se possa fazer objecção alguma. Os mais renomados mestre de dialética
afirmam que uma frase completa é formada pelo nome e pelo verbo, quer seja
afirmativa ou negativa; o que Túlio (Cícero), em certa passagem, denomina enunciado
ou proposição. Quando o verbo está na terceira pessoa, dizem que o caso do nome
deve ser o nominativo, e está certo; e se, quando dizemos: “O homem senta, o
cavalo corre”, examinares o que ficou dito, reconhecerás, segundo julgo, que
ocorrem aí duas proposições.
ADEODATO
– Reconheço-o.
AGOSTINHO
– Observas que em cada
proposição há um nome – na primeira, “homem”, e na segunda, “cavalo” – e que
está associado a um verbo, “senta” e “corre” respectivamente?
ADEODATO
– Percebi.
AGOSTINHO
– Ora, se eu dissesse apenas
“senta” ou “corre”, com toda a razão me perguntarias quem ou o que eu
responderia “homem”, ou “cavalo”, ou “animal”, ou qualquer outra coisa que
ligasse o nome referido ao verbo para completar o enunciado, isto é, a
proposição, que poderia ser afirmativa ou negativa.
ADEODATO
– Compreendo.
AGOSTINHO
– Suponhamos agora que
estamos vendo algo bem distante e não distinguimos se se trata de um animal, de
uma pedra ou de outra coisa, e que eu afirmasse: “porque um homem, é (também)
animal”, não faria eu uma afirmação temerária?
ADEODATO
– Muito temerária, mas não o
seria se dissesses: “Se é um homem, é um animal”.
AGOSTINHO
– Dizes o certo. Portanto,
na tua frase o “se” satisfaz a mim e a ti; e, ao contrário, aos dois desagrada
o “porque” da minha.
ADEODATO
– Concordo.
AGOSTINHO
– Observa agora se estas
duas proposições, “se satisfaz”, e “porque desagrada”, estão completas.
ADEODATO
– Completas, certamente.
AGOSTINHO
– Vamos, diga-me então quais
são os verbos e quais os nomes.
ADEODATO
– Vejo que os verbos são
“satisfaz” e “desagrada”, e os nomes, quais outros haveriam de ser senão “se” e
porque”?
AGOSTINHO
– Logo, está suficientemente
demonstrado que estas duas conjunções também são nomes.
ADEODATO
– Sim, suficientemente.
AGOSTINHO
– E poderias por ti mesmo,
seguindo esta regra, demonstrar a mesma coisa nos confrontos das demais partes
da oração?
ADEODATO
– Poderia.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)