Tempo Comum V Semana
Evangelho: Lc 10 1-9
1 Depois disto, o
Senhor escolheu outros setenta e dois, e mandou-os dois a dois à Sua frente por
todas as cidades e lugares onde havia de ir. 2 Disse-lhes: «Grande é
na verdade a messe, mas os operários poucos. Rogai, pois, ao dono da messe que
mande operários para a Sua messe. 3 Ide; eis que Eu vos envio como
cordeiros entre lobos. 4 Não leveis bolsa, nem alforge, nem calçado,
e não saudeis ninguém pelo caminho. 5 Na casa em que entrardes,
dizei primeiro: A paz seja nesta casa. 6 Se ali houver algum filho
da paz, repousará sobre ele a vossa paz; senão, tornará para vós. 7
Permanecei na mesma casa, comendo e bebendo do que tiverem, porque o operário é
digno da sua recompensa. Não andeis de casa em casa. 8 Em qualquer
cidade em que entrardes e vos receberem, comei o que vos puserem diante; 9
curai os enfermos que nela houver, e dizei-lhes: Está próximo de vós o reino de
Deus.
Comentário:
Cordeiros no
meio de lobos! cheia de uma intenção de aviso e precaução o Senhor adverte uma
realidade que se há-de verificar sempre ao longo dos tempos, nunca faltarão os
que aparentando boa disposição apenas aguardam ensejo para fazer mal, perseguir
e molestar, às vezes tirando a própria vida, aos enviados de Cristo que, afinal,
somos todos os cristãos.
(ama, comentário
sobre LC 10, 1-9, 2014.02.14)
Leitura espiritual
Santíssima Virgem
Vida
de Maria (III
A VOZ DO MAGISTÉRIO
«A
definição do dogma da Imaculada Conceição refere-se de modo directo unicamente
ao primeiro instante da existência de Maria, a partir do qual ficou livre de
toda a mancha da culpa original. O Magistério pontifício quis assim definir só
a verdade que tinha sido objecto de controvérsias ao longo dos séculos: a
preservação do pecado original, sem se preocupar em definir a santidade
permanente da Virgem Mãe do Senhor».
«Essa
verdade faz parte do senso comum do povo cristão, que defende que Maria, livre
do pecado original, foi preservada também de todo o pecado actual e a santidade
inicial foi-lhe concedida para preencher toda a sua existência».
«A
Igreja reconheceu constantemente que Maria foi santa e livre de todo o pecado
ou imperfeição moral. O Concílio de Trento expressa essa convicção afirmando
que ninguém “pode na sua vida inteira evitar todos os pecados, mesmo os
veniais, se não for por privilégio especial de Deus, como a Igreja ensina sobre
a bem-aventurada Virgem" (DS 1573). Também o cristão transformado e
renovado pela graça tem a possibilidade de pecar. Com efeito, a graça não
preserva de todo o pecado no decurso completo da vida, salvo se, como afirma o
Concílio de Trento, um privilégio especial assegurar essa imunidade do pecado.
E foi isso o que aconteceu em Maria».
«O
Concílio tridentino não quis definir este privilégio, mas declarou que a Igreja
o afirma com vigor: tenet, quer dizer, mantém-no com firmeza. Trata-se de uma
opção que, longe de incluir essa verdade entre as crenças piedosas ou as
opiniões de devoção, confirma o seu carácter de doutrina sólida, bem presente
na fé do povo de Deus. Por outro lado, essa convicção fundamenta-se na graça
que o anjo atribui a Maria no momento da Anunciação. Ao chamá-la "cheia de
graça" — kejaritoméne —, o anjo reconhece n’Ela a mulher dotada de uma perfeição
permanente e de uma plenitude de santidade, sem sombra de culpa nem de imperfeição
moral ou espiritual».
«O
privilégio especial que Deus outorgou à Toda Santa leva-nos a admirar as
maravilhas realizadas pela graça na sua vida. E recorda-nos também que Maria
foi sempre toda do Senhor e que nenhuma imperfeição diminuiu a perfeita harmonia
entre Ela e Deus».
«A
sua vida terrena, portanto, caracterizou-se pelo desenvolvimento constante e
sublime da fé, da esperança e da caridade. Por isso, Maria é para os crentes
sinal luminoso da Misericórdia divina e guia seguro para as elevadas metas da
perfeição evangélica e a santidade».
João
Paulo II, Catequese mariana (Discurso na audiência geral, 19-VI-1996).
* * *
A VOZ DOS PADRES E ESCRITORES ANTIGOS
«Os
meses iam-se passando para a menina. Ao fazer dois anos, disse Joaquim a Ana:
“Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que Lhe fizemos, para
que não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a Seus olhos”. Ana
respondeu: “Esperamos até que complete
três anos, para que a menina não tenha saudades de nós. Joaquim respondeu:
“Esperaremos”».
Ao
chegar aos três anos, disse Joaquim: “Chama as donzelas hebreias que não têm
mancha e que cada uma leve uma lâmpada acesa e a acompanhem, para que a menina
não olhe para trás e seu coração seja cativado por alguma coisa fora do templo
de Deus. Assim fizeram, enquanto iam subindo para o templo de Deus. Lá
recebeu-a o sacerdote, que abraçando-a, abençoou-a e exclamou: “O Senhor
glorificou o teu nome diante de todas as gerações, e no final dos tempos,
manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel”».
Fê-la
sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre a menina,
que dançou cativando toda a casa de Israel.
«Os
seus pais saíram do templo cheios de admiração e louvando a Deus porque a
menina não tinha olhado para trás. Maria permaneceu no templo alimentando-se
como uma pomba e recebendo alimento pelas mãos de um anjo».
Proto-evangelho
de Santiago, VII-VIII (Escrito apócrifo do século II).
***
«Quando
ultrapassou a idade da amamentação e fez três anos, os seus bem-aventurados
pais levaram-na ao templo de Deus e consagraram-na como oferenda, de acordo com
a promessa que tinham feito antes do seu nascimento. Conduziram-na com glória e
honra, como era justo; precediam-na muitas virgens e acompanhavam-na com lâmpadas
acesas, como tinha preanunciado um dia o rei profeta [David], antepassado da
Virgem imaculada, dizendo: As suas jovens companheiras conduziram-na até ao
rei, os seus amigos ofereceram-lha (Sal 44 [45] 15). O profeta tinha dito isto
com antecedência, a propósito da apresentação no templo e das virgens que a
precediam e a acompanhavam».
«No
entanto, esta profecia não diz respeito somente àquelas virgens, mas refere-se
também às almas virgens que seguiram os seus passos, almas a que o profeta
chamou "seus amigos". Embora todos sejam inferiores a Ela na amizade
e na semelhança, no entanto, por graça e bondade do seu Filho, o Senhor, as
almas dos santos são chamadas " seus amigos "; por outro lado, o
próprio Senhor e Criador do universo não considerou indigno chamar
"irmãos" àqueles que lhe são gratos e o imitam. Na realidade, todas
as almas dos justos que chegaram a ser "seus amigos" mediante o
exercício da santidade, gozarão da sua ajuda e estarão espiritualmente unidas
ao Senhor seu Filho e serão introduzidas Santo dos Santos celestial».
Vida
de Maria, atribuída a São Máximo o Confessor (século VII)
* * *
A VOZ DOS SANTOS
«Não
houve nem nunca haverá oferenda feita por uma criatura, nem maior nem mais
perfeita do que a que fez Maria a Deus quando se apresentou no Templo para Lhe
oferecer, não incenso nem cordeiros, nem moedas de ouro, mas a si própria de
todo e por inteiro, em perfeito holocausto, consagrando-se como vítima perpétua
em Sua honra. Compreendeu muito bem a voz do Senhor que a chamava a dedicar-se
toda inteira ao Seu amor, com aquelas palavras: Levanta-te, apressa-te, amiga
minha... e vem (Ct 2, 10). Por isso queria o seu Senhor que se dedicasse de
todo a amá-Lo e a alegrá-Lo: Ouve, minha filha, olha, inclina o teu ouvido e
esquece o teu povo e a casa paterna (Sal 44, 14). E Ela, nesse mesmo instante,
seguiu a chamada de Deus».
«Por
amor a esta menina privilegiada acelerou o Redentor a Sua vinda ao mundo.
Precisamente porque não se julgava digna sequer de ser escrava da Mãe de Deus,
foi a escolhida para ser essa mãe. Com o aroma das suas virtudes e com as suas
poderosas orações atraiu ao seu seio virginal o Filho de Deus. Por isso o seu
divino Esposo lhe chamou rola: Ouviu-se na nossa terra a voz da rola (Ct 2,
12); não só porque Ela, tal como a rola, sempre gostou da solidão, vivendo
neste mundo como num deserto, mas porque como a rola que vai sempre gemendo
pela campina, Maria suspirava sempre compadecendo-se das misérias do mundo
perdido e pedindo a Deus que outorgasse a redenção para todos. Com muito mais
fervor do que os profetas Ela repetia, quando estava no templo, as súplicas e
suspiros deles para que mandasse o Redentor: Envia, Senhor, o Cordeiro
dominador da terra (Is 15, 1). Céus, gotejai lá de cima; e as nuvens chovam o
Justo (Is 45, 8). Oh se rasgásseis os céus e descêsseis! (Is 44, 1)».
«Numa
palavra, Ela era o objecto das complacências de Deus, ao contemplar esta
virgenzinha aspirando sempre à mais elevada perfeição como coluna de incenso
rica pelo aroma de todas as virtudes, tal como a descreve o Espírito Santo:
Quem é esta que vai subindo pelo deserto como uma coluna de fumo feita de mirra
e de incenso e de toda a espécie de aromas? (Ct 3, 6). Na verdade, diz
Sofronio, era esta donzela o jardim das delícias do Senhor onde se encontravam
toda a espécie de flores e todos os aromas das virtudes. Por isso, afirma São
João Crisóstomo, Deus escolheu Maria para Sua Mãe, porque não encontrou na
terra uma virgem mais santa nem mais perfeita que Maria, nem lugar mais digno
para habitar do que o seu seio sacrossanto. São Bernardo diz de modo
semelhante: não houve na terra sítio mais digno do que o seio virginal. Santo
Antonino afirma que a bem-aventurada Virgem, para ser escolhida e destinada à
dignidade de Mãe de Deus, tinha que possuir uma perfeição tão grande e
consumada que superasse totalmente a perfeição de todas as outras criaturas: a
suprema perfeição da graça é estar preparada para conceber o Filho de Deus».
«Como
a santa menina Maria se ofereceu a Deus no templo com prontidão e por inteiro,
assim nós neste dia apresentemo-nos a Maria sem demora e sem reserva e
roguemos-lhe que nos ofereça a Deus, que não nos recusará vendo que somos
oferecidos pelas mãos daquela que foi o templo vivo do Espírito Santo, as
delícias do seu Senhor e a escolhida como Mãe do Verbo eterno. E esperemos toda
a espécie de bens desta excelsa e muito agradecida Senhora que recompensa com
grande amor os obséquios que recebe dos seus devotos».
Santo
Afonso Maria de Ligório (séc. XVII), As glórias de Maria, Parte II, Discurso
III.
***
«Desde
há quase trinta anos, Deus pôs no meu coração o anseio de fazer compreender às
pessoas de qualquer estado, condição ou ofício, esta doutrina: a vida corrente
pode ser santa e cheia de Deus; o Senhor chama-nos a santificar o trabalho
quotidiano, porque aí está também a perfeição cristã. Consideramo-lo uma vez
mais, contemplando a vida de Maria.
Não
nos esqueçamos de que a quase totalidade dos dias que Nossa Senhora passou na
Terra decorreram de forma muito semelhante aos dias de muitos milhões de
mulheres, ocupadas a cuidar da sua família, a educar os seus filhos, a levar a
cabo as tarefas do lar. Maria santifica as coisas mais pequenas, aquilo que
muitos consideram erradamente como não transcendente e sem valor: o trabalho de
cada dia, os pormenores de atenção com as pessoas queridas, as conversas e as
visitas por motivo de parentesco ou de amizade... Bendita normalidade, que pode
estar cheia de tanto amor de Deus!
Na
verdade, é isso que explica a vida de Maria: o seu amor. Um amor levado ao
extremo, até ao esquecimento completo de si mesma, contente por estar ali, onde
Deus quer que esteja e cumprindo com esmero a vontade divina. Isso é o que faz
com que o mais pequeno dos seus gestos nunca seja banal, mas cheio de significado.
Maria, nossa Mãe, é para nós exemplo e caminho. Temos de procurar ser como Ela
nas circunstâncias concretas em que Deus quer que vivamos».
São
Josemaría (s. XX), Cristo que passa, n. 148.
* * *
A VOZ DOS POETAS
Endechas
a Nossa Senhora
Virgem
soberana,
De
outros cantos dina:
Falta
a voz humana,
Cante
a voz divina.
Estrelas
e flores,
Areias
do mar
Podem-se
contar,
Não
vossos louvores.
De
tal maravilha
Não
me maravilho,
Pois
sois mãe e filha
De
Deus, vosso Filho.
Sois
templo divino
Do
Espírito Santo:
Quem
é Só e Trino
A
vós só quis tanto.
Sois
cedro em Líbano,
Em
Cádis sois palma,
Remédio
do dano,
Vida
da nossa alma.
Sois
jardim cheiroso,
Plátano
em ribeira;
Em
campo formoso,
Formosa
oliveira.
Sois
esquadrão forte,
Torre
em alto erguida,
Escudo
da morte,
Doçura
da vida.
Entre
espinhos rosa,
Lírio
junto de água;
Toda
sois formosa,
Em
vós não há mágoa.
Fostes
escolhida
Por
nossa desculpa,
Sem
culpa nascida,
Remédio
da culpa.
Quanto
Eva perdeu
Por
vós se cobrou,
Quem
de vós nasceu
Tal
vos fabricou.
O
Verbo nascido
Deu-vos
por Mãe sua,
O
Sol por vestido,
Por
chapins a Lua.
Deu-vos
a Trindade
Coroa
de estrelas;
Mas
a claridade,
Vós
lha dais a elas.
Sois
fonte suave,
Alívio
de tristes;
Sois
do Céu a chave,
Vós
o Céu abristes!
Quanto
o Sol rodeia,
Quanto
o Mar abraça,
Tudo
encheis de graça,
Sois
de graça cheia.
Diogo
Bernardes (1532-1605)