Art.
4 — Se em Cristo havia livre arbítrio.
O quarto discute-se assim. — Parece
que em Cristo não havia livre arbítrio.
1. — Pois, diz Damasceno: Se quisermos falar com propriedade, a gnome
(isto é, o juízo, o pensamento ou o raciocínio) e a proairesis (isto é, a
eleição) não podemos atribuí-las a Deus. Ora, sobretudo em matéria de fé,
devemos falar com propriedade de expressão. Logo, em Cristo não houve eleição.
E por consequência, nem livre arbítrio, do qual a eleição é acto.
2. Demais. — Como diz o Filósofo, a
eleição é o desejo do que já foi deliberado. Ora, parece que em Cristo não
houve conselho, pois, não deliberamos sobre aquilo de que estamos certos, ora,
Cristo tinha certeza de tudo. Logo, em Cristo não houve eleição. E portanto,
nem livre arbítrio.
3. Demais. — O livre arbítrio não é
determinado. Ora, a vontade de Cristo queria determinadamente o bem, pois, não
podia pecar, como dissemos. Logo, em Cristo não houve livre arbítrio.
Mas, em contrário, a Escritura: Ele comerá manteiga e mel até que saiba
rejeitar o mal e escolher o bem, o que é um acto de livre arbítrio. Logo,
em Cristo houve livre arbítrio.
Como dissemos, havia em
Cristo duplo acto de vontade. Um pelo qual a sua vontade era levada para um
objecto como querido em si mesmo, e que tem a natureza de fim, outro, pelo qual
a sua vontade queria um objecto conducente a outro, o que tem a natureza de
meio. Ora, como diz o Filósofo, a eleição difere da vontade em que a vontade,
propriamente falando, busca o fruir, ao passo que a eleição tem por objecto os
meios. E assim, em sentido absoluto, a vontade é o mesmo que a vontade como
natureza, ao passo que a eleição é o mesmo que a vontade como razão e é o
próprio acto do livre arbítrio, como dissemos na Primeira Parte. Ora, como
atribuindo a Cristo a vontade, enquanto razão, havemos necessariamente de
admitir nele a eleição, e por consequência o livre arbítrio, do qual a eleição
é um acto, conforme estabelecemos na Primeira Parte.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Damasceno exclui de Cristo a eleição, por entender que a denominação de
eleição inclui a ideia de dúvida. Contudo, a dúvida não é necessária à eleição,
pois, também Deus pode eleger, como se lê na Escritura: Elegeu-nos nele mesmo antes do estabelecimento do mundo, embora em
Deus não haja nenhuma dúvida. Mas, a eleição inclui a dúvida, quando quem elege
é por natureza sujeito à ignorância. E o mesmo devemos dizer do mais a que se
refere a referida autoridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A eleição
pressupõe o conselho, mas, não resulta do conselho, senão quando já determinado
pelo juízo, pois, o que julgamos devemos praticar, depois da perquisição do
conselho, isso escolhemos, como diz Aristóteles. Donde, se julgamos que revemos
praticar um acto, sem ter precedido nenhuma dúvida e nenhuma perquisição, isso
basta para a eleição. Donde é claro, que a dúvida ou a perquisição não se
incluem, como tais, na eleição, mas só quando se trata de quem por natureza
está sujeito à ignorância.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A vontade de
Cristo, embora determinada para o bem, não está contudo determinada a um ou
outro bem particular. E por isso, era próprio de Cristo eleger pelo livre arbítrio
confirmado no bem, como se dá com os bem-aventurados.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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