05/07/2014

Migalhas para o Caminho


O sentido do sofrimento



Conta-lhe tudo o que te acontece, honra-a

Deves ter uma intensa devoção à nossa Mãe. Ela sabe corresponder com finura aos obséquios que Lhe fizermos. Além disso, se rezares o Terço todos os dias com espírito de fé e de amor, Nossa Senhora encarregar-se-á de te levar muito longe pelo caminho do seu Filho. (Sulco, 691)

Quanto cresceriam em nós as virtudes sobrenaturais se conseguíssemos verdadeira devoção a Maria, que é Nossa Mãe! Não nos importemos de lhe repetir durante todo o dia – com o coração, sem necessidade de palavras – pequenas orações, jaculatórias. A devoção cristã reuniu muitos desses elogios carinhosos na Ladainha que acompanha o Santo Rosário. Mas cada um de nós tem a liberdade de os aumentar, dirigindo-lhe novos louvores, dizendo-lhe o que – por um santo pudor que Ela entende e aprova – não nos atreveríamos a pronunciar em voz alta.


Aconselho-te (...) que faças, se o não fizeste ainda, a tua experiência particular do amor materno de Maria. Não basta saber que Ela é Mãe, considerá-la deste modo, falar assim d'Ela. É tua Mãe e tu és seu filho; quer-te como se fosses o seu único filho neste mundo. Trata-a de acordo com isso: conta-lhe tudo o que te acontece, honra-a, ama-a. Ninguém o fará por ti, tão bem como tu, se tu não o fizeres. (Amigos de Deus, 293)

Pequena agenda do cristão

SÁBADO



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)





Propósito:
Honrar a Santíssima Virgem.

A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da Sua serva, de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas, santo é o Seu nome. O Seu Amor se estende de geração em geração sobre os que O temem. Manifestou o poder do Seu braço, derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes, aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel Seu servo, lembrado da Sua misericórdia, como tinha prometido a Abraão e à sua descendência para sempre.

Lembrar-me:
Santíssima Virgem Mãe de Deus e minha Mãe.

Minha querida Mãe: Hoje queria oferecer-te um presente que te fosse agradável e que, de algum modo, significasse o amor e o carinho que sinto pela tua excelsa pessoa.
Não encontro, pobre de mim, nada mais que isto: O desejo profundo e sincero de me entregar nas tuas mãos de Mãe para que me leves a Teu Divino Filho Jesus. Sim, protegido pelo teu manto protector, guiado pela tua mão providencial, não me desviarei no caminho da salvação.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?


Temas para meditar - 166

Acções de graças

Quan­do te sentares à mesa, reza. Quando comeres pão, fá-lo agradecendo a quem é generoso. Se beberes vinho, lembra-te de quem to concedeu para a alegria e alívio nas doenças. Quando te vestires, dá graças Àquele que benignamente te deu a roupa. Quando contemplares o céu e a beleza das estrelas, lança-te aos pés de Deus e adora aquele que com a sua Sabedoria dispôs todas estas coisas. De igual maneira, quando nasce o sol e quando se põe, enquanto dormires ou estiveres acordado, dá graças a Deus que criou e ordenou todas estas coisas para teu proveito, para que conheças, ames e louves o Criador.


(s. basilioHomília in Julittam martirem, nr. 31-32)

Jesus Cristo e a Igreja - 21

O que dizem os evangelhos apócrifos?

Entre os Evangelhos Apócrifos que proliferaram na Igreja no século II e depois, há fundamentalmente três classes: aqueles dos quais só restaram alguns fragmentos escritos em papiro e que se assemelham bastante aos canónicos; aqueles que se conservaram completos e que narram, com sentido piedoso, coisas acerca de Jesus e da Santíssima Virgem; e aqueles que, sob o nome de um Apóstolo, ensinam doutrinas estranhas, diferentes das que a Igreja acreditava por meio da verdadeira tradição apostólica.
Os primeiros são escassos e não dizem nada de novo, quiçá porque se conhece pouco sobre o seu conteúdo. A estes pertencem os fragmentos do “evangelho de Pedro” que narram a Paixão.

Entre os segundos, o mais antigo é o chamado “ Protoevangelho de Tiago” que narra a permanência da Santíssima Virgem no templo desde os três anos e o modo como São José, que era viúvo, foi designado para cuidar de Nossa Senhora quando ela fez doze anos. Os sacerdotes do Templo reuniram todos os viúvos e um prodígio na vara que José trazia fez com que uma pomba aparecesse e assim ele fosse escolhido. Outros apócrifos mais tardios referem a mesma história – como é o caso do “Pseudo Mateus” – contando como a vara floresceu milagrosamente. O Protoevangelho também se detém a contar o nascimento de Jesus, quando São José ia com Maria até Belém. Conta que o Santo Patriarca procurou uma parteira, que pôde constatar a virgindade de Maria durante o parto. Numa linha parecida, outros apócrifos como “A Natividade de Maria” narram coisas como o nascimento da Virgem e a vida de Joaquim e Ana quando estes eram já anciãos. A infância de Jesus e os milagres que fazia quando era menino podem ler-se no “Pseudo Tomé”, e a morte de S. José é o tema principal da “História de José, o Carpinteiro”. Nos apócrifos árabes da infância, que são mais tardios, centra-se a atenção nos Reis Magos cujos nomes, que depois se tornaram populares, chegam a aparecer num apócrifo etíope. Um motivo muito caro a outros apócrifos, como o chamado “Livro do Repouso” ou o “Pseudo Melitão” foi a morte e a Assunção da Santíssima Virgem, narrando que morreu rodeada pelos Apóstolos e que o Senhor transportou o seu corpo num carro celeste. Todas estas lendas piedosas circularam com profusão na Idade Média e serviram de inspiração a muitos artistas.

Outro tipo de apócrifos são os que propunham doutrinas heréticas. Os Santos Padres citam-nos para os rebater e, com frequência, designam-nos pelos nomes daqueles que os conceberam, Marcião, Basílides ou Valentim, ou pelos destinatários aos quais iam dirigidos, como o dos Hebreus ou o dos Egípcios. Outras vezes, os mesmos Santos Padres acusam estes autores de exporem as suas próprias doutrinas sob o nome de um Apóstolo, de preferência Tiago ou Tomé. As informações dos Santos Padres confirmaram-se com a aparição de cerca de quarenta obras gnósticas em Nag Hammadi (Egipto) em 1945.
Normalmente apresentam supostas revelações secretas de Jesus que carecem de qualquer fundamento.
Habitualmente, imaginam o Deus criador como um deus inferior e perverso (o Demiurgo), e a aquisição da salvação por parte do homem a partir do conhecimento da sua procedência divina.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Tratado da lei 44

Questão 99: Dos preceitos da lei antiga.

Art. 6 — Se a lei antiga devia levar à observância dos preceitos por promessas temporais e cominações.

(Supra, q. 91, a. 5; infra, q. 107, a. 1, ad 2; III Sent., dist. XL, a. 2; a. 4, qª 1; Ad Rom., cap. VIII, lect. III; cap. X, lect. I).

O sexto discute-se assim. — Parece que a lei antiga não devia levar à observância dos preceitos por promessas temporais e cominações.

1. — Pois, a intenção da lei divina é submeter os homens a Deus pelo temor e pelo amor; donde o dizer a Escritura (Dt 10, 12): Agora, pois, ó Israel, que é o que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas o Senhor teu Deus, e ande nos seus caminhos, e o ames? Ora, a cobiça das coisas temporais desvia de Deus; pois, como diz Agostinho, o veneno da caridade é a cobiça. Logo, as promessas e comunicações temporais contrariam à intenção do legislador, o que torna a lei reprovável, como claramente o diz o Filósofo.

2. Demais. — A lei divina sobrepuja em excelência a humana. Ora, como vemos, quanto mais elevada é uma ciência, tanto por mais elevados meios procede. E como a lei humana visa dirigir os homens por comunicações e promessas temporais, a lei divina não devia proceder desse mesmo modo, mas empregando meios mais elevados.

3. Demais. — Não pode ser prémio da justiça ou pena da culpa o que sucede igualmente aos bons e aos maus. Ora, diz a Escritura (Ecl 9, 2): todas as coisas temporais acontecem igualmente ao justo e ao ímpio, ao bom e ao mau, ao puro e ao impuro, ao que sacrifica vítimas e ao que despreza os sacrifícios. Logo, os bens ou males temporais não são convenientemente postos como penas ou prémios dos mandamentos da lei divina.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Is 1, 19-20): Se quiserdes e me ouvirdes, comereis os bens da terra; mas se não quiserdes, e me provocardes a ira, devorar-vos-á a espada.

Assim como, nas ciências especulativas, somos levados a assentir nas conclusões por meios silogísticos; assim também algumas leis nos induzem à observação dos seus preceitos por meio de penas e de prémios. Ora, vemos que as ciências especulativas propõem os seus meios ao ouvinte de acordo com a condição dele; de modo que hão-de proceder ordenadamente, para o ensino começar pelo mais conhecido. Assim também e necessariamente quem quer levar o homem à observância dos preceitos, comece a movê-los pelo que já lhes está no afecto, como se provocam as crianças, com alguns presentinhos pueris, à prática de certos actos.

Ora, como já dissemos (q. 98, a. 1, a. 2, a. 3), a lei antiga dispunha para Cristo, como o imperfeito, para o perfeito; por isso foi dada ao povo ainda imperfeito, por comparação com a perfeição que havia de vir de Cristo; e por isso, esse povo foi comparado à criança dirigida pelo pedagogo, como se lê na Escritura (Gl 3, 24). Por seu lado, a perfeição do homem consiste em desprezar os bens temporais e aderir aos espirituais, como é claro segundo o Apóstolo (Fl 3, 13-15): esquecendo-me por certo do que fica para trás, avanço-me ao que resta para diante. E assim, todos os que somos perfeitos vivamos nestes sentimentos. Ora, dos imperfeitos é próprio desejar os bens temporais, mas em dependência de Deus; e dos perversos, constituir o seu fim nesses bens. Donde, convinha à lei antiga levar os homens a Deus, por meio das coisas temporais, objecto do afecto deles, imperfeitos como eram.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A cúbica, pela qual o homem pôs o seu fim nos bens temporais, é o veneno da caridade. A consecução porém desses bens, que o homem deseja em dependência de Deus, é uma via, que leva os imperfeitos ao amor de Deus, conforme a Escritura (Sl 48, 19): confessar-te-á quando lhe fizeres bem.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A lei humana leva os homens, por meio de prémios ou penas temporais, distribuídos por eles próprios; ao passo que a lei divina, por prémios e penas dadas por Deus, e portanto, procede por meios mais elevados.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como é claro para quem estuda a história, no Velho Testamento o estado geral do povo, governado pela lei, foi sempre próspero, enquanto a observou; ao contrário, desde que se afastou do preceito da lei divina, padeceu muitas adversidades. Algumas pessoas particulares, porém, embora observantes da justiça da lei, sofreram algumas adversidades. E isso porque já se tinham tornado a tal ponto espirituais, de modo a mais se afastarem, assim, do desejo das coisas temporais e terem uma virtude mais provada. Ou porque, praticando exteriormente as obras da lei tinham o coração totalmente apegado aos bens temporais e afastado de Deus, segundo a Escritura (Is 29, 13): Este povo honra-se como os lábios; mas, o seu coração está longe de mim.


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho, comentário e Leit. Espirit. (Decl. Dominus Iesus)


Tempo comum XIII Semana



Evangelho: Mt 9, 14-17

14 Então foram ter com Ele os discípulos de João e disseram-Lhe: «Qual é a razão por que nós e os fariseus jejuamos e os Teus discípulos não jejuam?». 15 Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem estar tristes os companheiros do esposo, enquanto o esposo está com eles? Mas virão dias em que lhes será tirado o esposo e então eles jejuarão. 16 Ninguém deita um remendo de pano novo em vestido velho, porque este remendo levaria consigo uma parte do vestido e ficava pior o rasgão. 17 Nem se deita vinho novo em odres velhos; doutro modo rebentam os odres, derrama-se o vinho e perdem-se os odres. Mas deita-se o vinho novo em odres novos; e assim ambas as coisas se conservam».

Comentário:

As relações do homem com Deus são sempre novas porque a vida evolui e assim a fé.
Esta aumenta, fortalece-se, fica mais esclarecida.
E o que é natural e assim deve ser.
Não se trata de uma atitude nova mas diferente porque mais consciente e, mais consciente porque melhor informada.
Não se trata der ir pondo remendos, acrescentar o quer que seja mas, apenas considerar que convém ao cristão estar ao par das mais recentes propostas do Magistério.

(ama comentário sobre Mt 9,14-17, 2013.07.07)

Leitura espiritual

Documentos do Magistério

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

DECLARAÇÃO
"DOMINUS IESUS"
SOBRE A UNICIDADE E A UNIVERSALIDADE SALVÍFICA DE JESUS CRISTO E DA IGREJA

INTRODUÇÃO

1. O Senhor Jesus, antes de subir ao Céu, confiou aos seus discípulos o mandato de anunciar o Evangelho a todo o mundo e de baptizar todas as nações: «Ide a todo o mundo e pregai o Evangelho a todas as criaturas. Quem acreditar e for baptizado será salvo, mas quem não acreditar será condenado» (Mc 16,15-16); «Todo o poder Me foi no céu e na terra. Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações, baptizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinai-lhes a cumprir tudo quanto vos mandei. E Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28,18-20; cf. ainda Lc 24,46-48; Jo 17,18; 20,21; Actos 1,8).

A missão universal da Igreja nasce do mandato de Jesus Cristo e realiza-se, através dos séculos, com a proclamação do mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e do mistério da encarnação do Filho, como acontecimento de salvação para toda a humanidade. São estes os conteúdos fundamentais da profissão de fé cristã: «Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai. De novo há-de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu Reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai. Com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas. Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. Professo um só baptismo para a remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos, e a vida do mundo que há-de vir».1

2. A Igreja, ao longo dos séculos, proclamou e testemunhou com fidelidade o Evangelho de Jesus. Ao terminar o segundo milénio, porém, esta missão ainda está longe de se cumprir. 2 Daí a grande actualidade do grito do Apóstolo Paulo sobre o dever missionário de todo o baptizado: «Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória, é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9,16). Assim se explica a especial atenção que o Magistério tem posto na motivação e apoio da missão evangelizadora da Igreja, nomeadamente no que diz respeito às tradições religiosas do mundo. 3

Tendo em conta os valores que essas tradições testemunham e oferecem à humanidade, com uma atitude aberta e positiva, a Declaração conciliar sobre a relação da Igreja com as religiões não cristãs afirma: «A Igreja Católica não rejeita absolutamente nada daquilo que há de verdadeiro e santo nessas religiões. Considera com sincero respeito esses modos de agir e de viver, esses preceitos e doutrinas que, embora em muitos pontos estejam em discordância com aquilo que ela afirma e ensina, muitas vezes reflectem um raio daquela Verdade que ilumina todos os homens». 4 Prosseguindo na mesma linha, o empenho eclesial de anunciar Jesus Cristo, «caminho, verdade e vida» (Jo 14,6), hoje também encontra ajuda na prática do diálogo inter-religioso, que certamente não substitui, mas acompanha a missio ad gentes, graças àquele «mistério de unidade», de que «resulta que todos os homens e mulheres que foram salvos participam, embora de maneira diferente, no mesmo mistério de salvação em Jesus Cristo por meio do seu Espírito». 5 Este diálogo, que faz parte da missão evangelizadora da Igreja, 6 comporta uma atitude de compreensão e uma relação de recíproco conhecimento e de mútuo enriquecimento, na obediência à verdade e no respeito da liberdade. 7

3. No exercício e aprofundamento teórico do diálogo entre a fé cristã e as demais tradições religiosas surgem novos problemas, que se tenta solucionar, seguindo novas pistas de investigação, adiantando propostas e sugerindo comportamentos, que carecem de um cuidadoso discernimento. Neste esforço, a presente Declaração entende recordar aos Bispos, aos teólogos e a todos os fiéis católicos alguns conteúdos doutrinais imprescindíveis, que podem ajudar a reflexão teológica a amadurecer soluções de acordo com o dado da fé e em correspondência com as urgências culturais do nosso tempo.

A linguagem expositiva da Declaração está em linha com a sua finalidade. Não se pretende tratar de forma orgânica a problemática da unicidade e universalidade salvífica do mistério de Jesus Cristo e da Igreja, nem apresentar soluções aos problemas e questões teológicos que são objecto de livre debate, mas voltar a expor a doutrina da fé católica em propósito, indicando, ao mesmo tempo, alguns problemas fundamentais que se mantêm abertos a ulteriores aprofundamentos, e confutar algumas posições erróneas ou ambíguas. É por isso que a Declaração retoma a doutrina contida nos anteriores documentos do Magistério, para reafirmar as verdades que constituem o património de fé da Igreja.

4. O perene anúncio missionário da Igreja é hoje posto em causa por teorias de índole relativista, que pretendem justificar o pluralismo religioso, não apenas de facto, mas também de iure (ou de principio). Daí que se considerem superadas, por exemplo, verdades como o carácter definitivo e completo da revelação de Jesus Cristo, a natureza da fé cristã em relação com a crença nas outras religiões, o carácter inspirado dos livros da Sagrada Escritura, a unidade pessoal entre o Verbo eterno e Jesus de Nazaré, a unidade da economia do Verbo Encarnado e do Espírito Santo, a unicidade e universalidade salvífica do mistério de Jesus Cristo, a mediação salvífica universal da Igreja, a não separação, embora com distinção, do Reino de Deus, Reino de Cristo e Igreja, a subsistência na Igreja Católica da única Igreja de Cristo.

Na raiz destas afirmações encontram-se certos pressupostos, de natureza tanto filosófica como teológicas, que dificultam a compreensão e a aceitação da verdade revelada. Podem indicar-se alguns: a convicção de não se poder alcançar nem exprimir a verdade divina, nem mesmo através da revelação cristã; uma atitude relativista perante a verdade, segundo a qual, o que é verdadeiro para alguns não o é para outros; a contraposição radical que se põe entre a mentalidade lógica ocidental e a mentalidade simbólica oriental; o subjectivismo de quem, considerando a razão como única fonte de conhecimento, se sente «incapaz de levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a verdade do ser»; 8 a dificuldade de ver e aceitar na história a presença de acontecimentos definitivos e escatológicos; o vazio metafísico do evento da encarnação histórica do Logos eterno, reduzido a um simples aparecer de Deus na história; o eclectismo de quem, na investigação teológica, toma ideias provenientes de diferentes contextos filosóficos e religiosos, sem se importar da sua coerência e conexão sistemática, nem da sua compatibilidade com a verdade cristã; a tendência, enfim, a ler e interpretar a Sagrada Escritura à margem da Tradição e do Magistério da Igreja.

Na base destes pressupostos, que se apresentam com matizes diferentes, por vezes como afirmações e outras vezes como hipóteses, elaboram-se propostas teológicas, em que a revelação cristã e o mistério de Jesus Cristo e da Igreja perdem o seu carácter de verdade absoluta e de universalidade salvífica, ou ao menos se projecta sobre elas uma sombra de dúvida e de insegurança.

I. O CARÁCTER PLENO E DEFINITIVO DA REVELAÇÃO DE JESUS CRISTO

5. Para fazer frente a essa mentalidade relativista, que se vai difundindo cada vez mais, há que reafirmar, antes de mais, o carácter definitivo e completo da revelação de Jesus Cristo. Deve, de facto, crer-se firmemente na afirmação de que no mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, que é «o caminho, a verdade e a vida» (cf. Jo 14,6), dá-se a revelação da plenitude da verdade divina: «Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o queira revelar» (Mt 11,27); «A Deus, ninguém jamais O viu. O próprio Filho Único, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer» (Jo 1,18); «É em Cristo que habita corporalmente toda a plenitude da divindade e n'Ele participais da sua plenitude» (Col 2,9).

Fiel à palavra de Deus, o Concílio Vaticano II ensina: «A verdade profunda, tanto a respeito de Deus como da salvação dos homens, manifesta-se-nos por esta revelação na pessoa de Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude de toda a revelação». 9 E sublinha: «Jesus Cristo, portanto, Verbo Encarnado, enviado como “homem aos homens”, “fala as palavras de Deus” (Jo 3,34) e consuma a obra da salvação que o Pai Lhe confiou (cf. Jo 5,36; 17,4). Por isso, Ele — ao qual quem vê, vê o Pai (Jo 14,9) — com a sua total presença e manifestação pessoal, com as palavras e as obras, com os sinais e com os milagres e, sobretudo, com a sua morte e gloriosa ressurreição de entre os mortos, enfim, com o envio do Espírito de Verdade, completa perfeitamente a revelação e a confirma com o seu testemunho divino [...]. A economia cristã, portanto, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e não mais se deve esperar nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1 Tim 6,14 e Tit 2,13)». 10

Por isso, a Encíclica Redemptoris missio relembra à Igreja a missão de proclamar o Evangelho, como plenitude da verdade: «Nesta Palavra definitiva da sua revelação, Deus deu-Se a conhecer do modo mais pleno: Ele disse à humanidade quem é. E esta auto-revelação definitiva de Deus é o motivo fundamental pelo qual a Igreja é, por sua natureza, missionária. Não pode deixar de proclamar o Evangelho, ou seja, a plenitude da verdade que Deus nos deu a conhecer acerca de Si mesmo». 11 Só a revelação de Jesus Cristo, portanto, «introduz na nossa história uma verdade universal e última, que leva a mente do homem a nunca mais se deter». 12

6. É, por conseguinte, contrária à fé da Igreja a tese que defende o carácter limitado, incompleto e imperfeito da revelação de Jesus Cristo, que seria complementar da que é presente nas outras religiões. A razão de fundo de uma tal afirmação basear-se-ia no facto de a verdade sobre Deus não poder ser compreendida nem expressa na sua globalidade e inteireza por nenhuma religião histórica e, portanto, nem pelo cristianismo e nem sequer por Jesus Cristo.

Semelhante posição está em total contradição com as precedentes afirmações de fé, segundo as quais, temos em Jesus Cristo a revelação plena e completa do mistério salvífico de Deus. Portanto, as palavras, as obras e o inteiro facto histórico de Jesus, se bem que limitados enquanto realidades humanas, têm, todavia, como sujeito a Pessoa divina do Verbo Encarnado, «verdadeiro Deus e verdadeiro homem», 13 e assim comportam o carácter definitivo e completo da revelação dos caminhos salvíficos de Deus, embora a profundidade do mistério divino em si mesmo permaneça transcendente e inesgotável. A verdade sobre Deus não é abolida nem diminuída pelo facto que é proferida numa linguagem humana. É, invés, única, plena e completa, porque quem fala e actua é o Filho de Deus Encarnado. Daí a exigência da fé em se professar que o Verbo feito carne é, em todo o seu mistério que vai da encarnação à glorificação, a fonte, participada mas real, e a consumação de toda a revelação salvífica de Deus à humanidade, 14 e que o Espírito Santo, que é o Espírito de Cristo, ensinará aos Apóstolos e, por meio deles, à Igreja inteira de todos os tempos, esta «verdade total» (Jo 16, 13).

7. A melhor resposta à revelação de Deus é a «obediência da fé (Rom 1,5; cf. Rom 16,26; 2 Cor 10,5-6), com a qual o homem se entrega livre e totalmente a Deus, oferecendo a Deus “revelador a submissão plena da inteligência e da vontade” e dando voluntariamente assentimento à revelação feita por Ele». 15 A fé é um dom da graça: «Porque para professar esta fé, é necessária a graça de Deus que previne e ajuda, e os outros auxílios internos do Espírito Santo, o qual mova e converta para Deus os corações, abra os olhos da alma, e dê “a todos a suavidade no aderir e dar crédito à verdade”». 16

A obediência da fé comporta a aceitação da verdade da revelação de Cristo, garantida por Deus, que é a própria Verdade: 17 «A fé é, antes de mais, uma adesão pessoal do homem a Deus; ao mesmo tempo e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou».18 A fé, portanto, «dom de Deus» e «virtude sobrenatural por Ele infundida»,19 comporta uma dupla adesão: a Deus, que revela, e à verdade revelada por Ele, pela confiança que se tem na pessoa que o afirma. Por isso «não se deve acreditar em mais ninguém, a não ser em Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo».20

Deve, portanto, manter-se firmemente a distinção entre a fé teologal e a crença nas outras religiões. Se fé é aceitar na graça a verdade revelada, «que permite penetrar no seio do mistério, favorecendo a sua inteligência coerente»,21 a crença nas outras religiões é o conjunto de experiência e pensamento, que constitui os tesouros humanos de sabedoria e de religiosidade, que o homem na sua procura da verdade ideou e pôs em prática em referência ao Divino e ao Absoluto.22

Nem sempre se tem presente essa distinção na reflexão hodierna, sendo frequente identificar a fé teologal, que é aceitação da verdade revelada por Deus Uno e Trino, com crença nas outras religiões, que é experiência religiosa ainda à procura da verdade absoluta e ainda carecida do assentimento a Deus que Se revela. Essa é uma das razões porque se tende reduzir, e por vezes até anular, as diferenças entre o cristianismo e as outras religiões.

(cont.)
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Notas:
(1) Conc. de Costantinopla I, Symbolum Constantinopolitanum: Denz., n. 150.
(2) Cf. João Paulo II, Carta Enc. Redemptoris missio, n. 1: AAS 83 (1991) 249-340.
(3) Cf. Conc. Vaticano II, Decr. Ad gentes e Decl. Nostra aetate; cf. ainda Paulo VI, Exort. apost. Evangelii nuntiandi: AAS 68 (1976) 5-76; João Paulo II, Carta Enc. Redemptoris missio.
(4) Conc. Vaticano II, Decl. Nostra aetate, n. 2.
(5) Pont. Cons. para o Diálogo Inter-religioso e Congr. para a Evangelização dos Povos, Instr. Diálogo e anúncio, n. 29: AAS 84 (1992) 414-446; cf. Conc. Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, n. 22.
(6) Cf. João Paulo II, Carta Enc. Redemptoris missio, n. 55.
(7) Cf. Pont. Cons. para o Diálogo Inter-religioso e Congr. para a Evangelização dos Povos, Instr. Diálogo e anúncio, n. 9.
(8) João Paulo II, Carta Enc. Fides et ratio, n. 5: AAS 91 (1999) 5-88.
(9) Conc. Vaticano II, Const. dogm. Dei verbum, n. 2.
(10) Ibid., n. 4.
(11) João Paulo II, Carta Enc. Redemptoris missio, n. 5.
(12) João Paulo II, Carta Enc. Fides et ratio, n. 14.
(13) Conc. de Calcedonia, Symbolum Chalcedonense: Denz., n. 301. Cf. S. Atanásio de Alexandria, De Incarnatione, 54, 3: SC 199, 458.
(14) Cf. Conc. Vaticano II, Const. dogm. Dei verbum, n. 4.
(15) Ibid., n. 5.
(16) Ibid.
(17) Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 144.
(18) Ibid., n. 150.
(19) Ibid., n. 153.
(20) Ibid., n. 178.
(21) João Paulo II, Carta Enc. Fides et ratio, n. 13.
(22) Cf. ibid., nn. 31-32.