Art.
6 — Se a lei antiga devia levar à observância dos preceitos por promessas
temporais e cominações.
(Supra,
q. 91, a. 5; infra, q. 107, a. 1, ad 2; III Sent., dist. XL, a. 2; a. 4, qª 1;
Ad Rom., cap. VIII, lect. III; cap. X, lect. I).
O sexto discute-se assim. — Parece que
a lei antiga não devia levar à observância dos preceitos por promessas
temporais e cominações.
1. — Pois, a intenção da lei divina é
submeter os homens a Deus pelo temor e pelo amor; donde o dizer a Escritura (Dt
10, 12): Agora, pois, ó Israel, que é o que o Senhor teu Deus pede de ti, senão
que temas o Senhor teu Deus, e ande nos seus caminhos, e o ames? Ora, a cobiça
das coisas temporais desvia de Deus; pois, como diz Agostinho, o veneno da
caridade é a cobiça. Logo, as promessas e comunicações temporais contrariam à
intenção do legislador, o que torna a lei reprovável, como claramente o diz o
Filósofo.
2. Demais. — A lei divina sobrepuja em
excelência a humana. Ora, como vemos, quanto mais elevada é uma ciência, tanto
por mais elevados meios procede. E como a lei humana visa dirigir os homens por
comunicações e promessas temporais, a lei divina não devia proceder desse mesmo
modo, mas empregando meios mais elevados.
3. Demais. — Não pode ser prémio da
justiça ou pena da culpa o que sucede igualmente aos bons e aos maus. Ora, diz
a Escritura (Ecl 9, 2): todas as coisas temporais acontecem igualmente ao justo
e ao ímpio, ao bom e ao mau, ao puro e ao impuro, ao que sacrifica vítimas e ao
que despreza os sacrifícios. Logo, os bens ou males temporais não são convenientemente
postos como penas ou prémios dos mandamentos da lei divina.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Is
1, 19-20): Se quiserdes e me ouvirdes, comereis os bens da terra; mas se não
quiserdes, e me provocardes a ira, devorar-vos-á a espada.
Assim como, nas ciências
especulativas, somos levados a assentir nas conclusões por meios silogísticos;
assim também algumas leis nos induzem à observação dos seus preceitos por meio de
penas e de prémios. Ora, vemos que as ciências especulativas propõem os seus
meios ao ouvinte de acordo com a condição dele; de modo que hão-de proceder
ordenadamente, para o ensino começar pelo mais conhecido. Assim também e
necessariamente quem quer levar o homem à observância dos preceitos, comece a
movê-los pelo que já lhes está no afecto, como se provocam as crianças, com
alguns presentinhos pueris, à prática de certos actos.
Ora, como já dissemos (q. 98, a. 1, a.
2, a. 3), a lei antiga dispunha para Cristo, como o imperfeito, para o
perfeito; por isso foi dada ao povo ainda imperfeito, por comparação com a
perfeição que havia de vir de Cristo; e por isso, esse povo foi comparado à
criança dirigida pelo pedagogo, como se lê na Escritura (Gl 3, 24). Por seu
lado, a perfeição do homem consiste em desprezar os bens temporais e aderir aos
espirituais, como é claro segundo o Apóstolo (Fl 3, 13-15): esquecendo-me por
certo do que fica para trás, avanço-me ao que resta para diante. E assim, todos
os que somos perfeitos vivamos nestes sentimentos. Ora, dos imperfeitos é
próprio desejar os bens temporais, mas em dependência de Deus; e dos perversos,
constituir o seu fim nesses bens. Donde, convinha à lei antiga levar os homens
a Deus, por meio das coisas temporais, objecto do afecto deles, imperfeitos
como eram.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A cúbica, pela qual o homem pôs o seu fim nos bens temporais, é o veneno da
caridade. A consecução porém desses bens, que o homem deseja em dependência de
Deus, é uma via, que leva os imperfeitos ao amor de Deus, conforme a Escritura
(Sl 48, 19): confessar-te-á quando lhe fizeres bem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A lei humana
leva os homens, por meio de prémios ou penas temporais, distribuídos por eles próprios;
ao passo que a lei divina, por prémios e penas dadas por Deus, e portanto,
procede por meios mais elevados.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como é claro
para quem estuda a história, no Velho Testamento o estado geral do povo,
governado pela lei, foi sempre próspero, enquanto a observou; ao contrário,
desde que se afastou do preceito da lei divina, padeceu muitas adversidades. Algumas
pessoas particulares, porém, embora observantes da justiça da lei, sofreram algumas
adversidades. E isso porque já se tinham tornado a tal ponto espirituais, de
modo a mais se afastarem, assim, do desejo das coisas temporais e terem uma
virtude mais provada. Ou porque, praticando exteriormente as obras da lei
tinham o coração totalmente apegado aos bens temporais e afastado de Deus,
segundo a Escritura (Is 29, 13): Este povo honra-se como os lábios; mas, o seu
coração está longe de mim.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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