24/08/2014

Não queiras ser grande. – Criança, criança sempre

Não queiras ser grande. – Criança, criança sempre, ainda que morras de velho. – Quando um menino tropeça e cai, ninguém estranha...; seu pai apressa-se a levantá-lo. Quando quem tropeça e cai é adulto, o primeiro movimento é de riso. – Às vezes, passado esse primeiro ímpeto, o ridículo cede o lugar à piedade. – Mas os adultos têm de se levantar sozinhos. A tua triste experiência quotidiana está cheia de tropeços e de quedas. Que seria de ti se não fosses cada vez mais pequeno? Não queiras ser grande, mas menino. Para que, quando tropeçares, te levante a mão de teu Pai-Deus. (Caminho, 870)

A piedade que nasce da filiação divina é uma atitude profunda da alma, que acaba por informar toda a existência: está presente em todos os pensamentos, em todos os desejos, em todos os afectos. Não tendes visto como, nas famílias, os filhos, mesmo sem repararem, imitam os pais: repetem os seus gestos, seguem os seus costumes, se parecem com eles em tantos modos de comportar-se?


Pois o mesmo acontece na conduta de um bom filho de Deus. Chega-se também, sem se saber como nem por que caminho, a esse endeusamento maravilhoso que nos ajuda a olhar os acontecimentos com o relevo sobrenatural da fé; amam-se todos os homens como o nosso Pai do Céu os ama e – isto é o que mais importa – consegue-se um brio novo no esforço quotidiano para nos aproximarmos do Senhor. As misérias não têm importância, insisto, porque aí estão ao nosso lado os braços amorosos do nosso Pai Deus para nos levantar. (Amigos de Deus, 146)

Temas para meditar 215


Igreja doméstica

Por isso vos convido, com João Paulo II, a não fechar as portas da vossa vida e do vosso lar. Abri-as de par em par! Deixai que entre nas vossas almas e nas vossas casas a Luz que dissipa todas as trevas. Secundai a “a luz da fé e do amor”, que nos habilita para dar testemunho cabal da verdade sobre o matrimónio e a família: sobre a unidade e indissolubilidade; sobre o autêntico amor dos esposos, aberto sempre à vida – não tenhais medo à chegada de outros filhos; sobre a mútua fidelidade nas tristezas e nas alegrias; sobre a generosidade e a delicadeza no trato; sobre o esquecimento de si, sobre a dedicação aos filhos e ao serviço da sociedade... Acolhei em vós a Luz divina, para que esse cúmulo de realidades – quase sempre vulgares e aparentemente sem esplendor – que configuram a vida matrimonial e familiar, brilhem no vosso lar com todo o seu relevo humano e sobrenatural e o convertam numa verdadeira “igreja doméstica”: em caminho de santidade e apostolado.

(javier echevarría Homilia XV Jornada Mariana da Família Torre Ciudad 2005.09.04)

Tratado da Graça 03

Art. 3 — Se o homem pode amar a Deus sobre todas as coisas, só pelas suas faculdades naturais, sem o auxílio da graça.

(I, q. 60, a. 5, IIª-IIªe, q.26, a. 3, II Sent., dist. XXXIX, a. 3, De Virtut., q. 2, a.  2, as 16, q. 4, a. 1, ad 9, Quodl. I, q. 4, a. 3).

O terceiro discute-se assim. — Parece que o homem não pode amar a Deus sobre todas as coisas, só pelas suas faculdades naturais, sem o auxílio da graça.

1. — Pois, amar a Deus sobre todas as coisas é no que consiste própria e principalmente o acto de caridade. Ora, o homem não pode ter a caridade por si mesmo, porque, como diz o Apóstolo (Rm 5, 5), a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. Logo, só pelas suas faculdades naturais, o homem não pode amar a Deus sobre todas as coisas.

2. Demais. — Nenhuma natureza pode pretender o que lhe é superior. Ora, amar a Deus mais que a si mesmo é pretender o que é superior à natureza criada, logo, não pode amar a Deus mais que a si mesma, sem o auxílio da graça.

3. Demais. — A Deus, que é o sumo bem é devido o sumo amor, e este consiste em amá-lo sobre todas as coisas. Ora, não podemos amar a Deus com o sumo amor, que lhe devemos, sem a graça, de contrário, esta seria dada inutilmente. Logo, o homem não pode, sem a graça, e só com as suas faculdades naturais, amar a Deus sobre todas as coisas.

Mas, em contrário. — Como certos ensinam, o primeiro homem foi constituído só com as suas faculdades naturais, em cujo estado manifestamente amou de algum modo a Deus. Ora, não O amou tanto quanto a si, ou menos que a si, porque então pecaria. Logo, amou-O mais que a si. Donde, só pelas suas faculdades naturais o homem pode amar a Deus mais que a si e sobre todas as coisas.

SOLUÇÂO. — Como já dissemos na Primeira Parte (q. 60, a. 5), onde também expusemos as diversas opiniões sobre o amor natural dos anjos, o homem, no estado da natureza íntegra, podia obrar, em virtude da sua natureza, o bem que lhe é conatural, sem o acréscimo do dom da graça, embora, não sem o auxilio da moção divina. Ora, amar a Deus sobre todas as coisas é conatural ao homem e mesmo a qualquer criatura, não só racional, mas também irracional e mesmo inanimada, conforme o modo do amor que convém a cada uma delas. E a razão está em ser natural a todos os seres desejarem e amarem o que lhes corresponda a natureza, pois, todo ser age conforme a sua capacidade natural, segundo Aristóteles. Ora, é manifesto que o bem da parte é para o bem do todo. Donde, por desejo ou amor natural, cada ser ama o seu bem próprio, por causa do bem comum de todo o universo, que é Deus. Por isso, Dionísio diz, que Deus atrai todas as coisas ao seu amor. Donde, o homem, no estado da natureza íntegra, referia não só o amor de si mesmo ao amor de Deus, como fim, mas também o de tudo o mais. E assim, amava a Deus mais que a si mesmo e sobre todas as coisas. Mas no estado da natureza corrupta, já não procede do mesmo modo por causa do apetite da vontade racional, que, por causa da corrupção da natureza procura o seu bem particular, salvo sendo restaurada pela graça de Deus. E portanto, devemos dizer, que o homem, no estado de natureza íntegra, não precisa do dom da graça, acrescentada aos seus dotes naturais, para amar a Deus naturalmente sobre todas as coisas, embora, precisasse do auxílio de Deus, para mover-se para esse fim. Mas no estado da natureza corrupta, precisa, mesmo para isso, do auxílio da graça, que restaura a natureza.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A caridade ama a Deus sobre todas as coisas de modo mais eminente que a natureza. Pois, esta ama a Deus sobre todas as coisas enquanto princípio e fim do bem natural. A caridade porém, enquanto objecto da felicidade, e enquanto o homem tem uma certa sociedade espiritual com Deus. E também a caridade acrescenta ao amor natural de Deus uma certa presteza e prazer, assim como qualquer hábito virtuoso o acrescenta ao acto bom, feito só pela razão natural do homem, sem o hábito da virtude.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Quando se diz que nenhuma natureza pode nada do que lhe é superior, não se deve por aí entender que não possa buscar um objecto que lhe seja superior. Pois, é manifesto que o nosso intelecto, por conhecimento natural, pode conhecer algumas coisas que lhe são superiores, como o demonstra o conhecimento natural de Deus. Mas devemos entendê-lo no sentido de a natureza não poder praticar um acto que lhe exceda a capacidade das forças. Ora, tal não é o acto de amar a Deus sobre todas as coisas, natural a toda natureza criada, como já se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Chama-se sumo o amor, não só quanto ao grau da dilecção, mas também quanto à razão e ao modo de amar. E sendo assim, o sumo grau do amor é o pelo qual a caridade ama a Deus como beatificante, conforme já dissemos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Tratado da Graça 04

Art. 4 — Se o homem, sem a graça, só pelas suas faculdades naturais, pode cumprir os preceitos da lei.

(II Sent., dist. XXVIII, a. 3, De Verit., q. 24, a. 14, ad 1, 2, 7, Ad Rom., cap. II, lect III).

O quarto discute-se assim. — Parece que o homem, sem a graça, só pelas suas faculdades naturais, pode cumprir os preceitos da lei.

1. — Pois, diz o Apóstolo (Rm 2, 14): os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei. Ora, o que o homem faz naturalmente pode fazê-lo por si por si mesmo, sem a graça. Logo, sem esta pode cumprir os preceitos da lei.

2. Demais. — Jerónimo diz, que devem ser amaldiçoados os que dizem ser impossível o preceituado aos homens por Deus. Ora, é impossível, para o homem, o que ele não pode cumprir por si mesmo. Logo, por si mesmo, pode cumprir todos os preceitos da lei.

3. Demais. — De todos os preceitos da lei o maior é aquele (Mt 27, 37): Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração. Ora, este mandamento o homem pode cumpri-lo pelas suas faculdades naturais, amando a Deus sobre todas as coisas, como já dissemos (a. 3). Logo, pode cumprir todos os mandamentos da lei, sem a graça.

Mas, em contrário, Agostinho diz que é próprio da heresia dos Pelagianos crer que, sem a graça, o homem possa cumprir todos os mandamentos divinos.

Podemos cumprir os mandamentos da lei de dois modos. — Primeiro, quanto à substância das obras, quando praticamos actos de justiça, de fortaleza e das demais virtudes. E deste modo, o homem podia, no estado da natureza íntegra, cumprir todos os mandamentos da lei, de contrário, não poderia, nesse estado, deixar de pecar, pois o pecar não é senão transgredir os mandamentos divinos. Mas, no estado da natureza corrupta, não pode cumprir todos os mandamentos divinos, sem o auxílio da graça. — De outro modo, os mandamentos da lei podem ser cumpridos, não só quanto à substância das obras, mas também quanto ao modo de agir, i. é, praticando-as com caridade. E assim, nem no estado da natureza íntegra, nem no da corrupta, o homem pode cumprir, sem a graça, os mandamentos da lei. Por isso, Agostinho depois de ter dito, que sem a graça os homens não podem, absolutamente, fazer nenhum bem, acrescenta: a graça é necessária, não só para lhes dar a conhecer o que devem praticar, mas também para fazerem o de que foram informados, com amor. Além disso, precisam, em um outro estado, do auxílio da moção divina, para cumprirem os mandamentos, como dissemos (a. 2, a. 3).

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No dizer de Agostinho, não devemos nos admirar de o Apóstolo dizer, que os gentios fazem naturalmente as coisas da lei, pois, o Espírito da graça obra em nós a instauração da imagem de Deus, segundo a qual fomos naturalmente criados.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O que podemos, com o auxílio divino, não nos é absolutamente impossível, conforme o Filósofo: o que podemos por meio dos amigos podemos de certo modo por nós mesmos. Por isso, no mesmo lugar, Jerónimo confessa que o nosso arbítrio é livre, no sentido de sempre precisamos do auxílio de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O homem não pode cumprir o  preceito do amor de Deus só pelas suas faculdades naturais, conforme as exigências da caridade, como do sobredito resulta (a. 3).

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Cong para a Dout. da Fé - Quest. sobre escatologia)

Tempo comum XXI Semana

Evangelho: Mt 16, 13-21

13 Tendo chegado à região de Cesareia de Filipe, Jesus interrogou os Seus discípulos, dizendo: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?». 14 Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas». 15 Jesus disse-lhes: «E vós quem dizeis que Eu sou?». 16 Respondendo Simão Pedro, disse: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo». 17 Respondendo Jesus, disse-lhe: «Bem-aventurado és, Simão filho de João, porque não foi a carne e o sangue que to revelaram, mas Meu Pai que está nos céus. 18 E Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. 19 Eu te darei as chaves do Reino dos Céus; e tudo o que ligares sobre a terra, será ligado também nos céus, e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus». 20 Depois ordenou aos Seus discípulos que não dissessem a ninguém que Ele era o Cristo. 21 Desde então começou Jesus a manifestar a Seus discípulos que devia ir a Jerusalém e padecer muitas coisas dos anciãos, dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas, ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia.

Comentário:

Parecem – e de facto são – duras as palavras que Jesus Cristo dirige a Pedro!

Excessivas? Não!

O Senhor quer deixar bem vincadas no espírito do Apóstolo duas coisas:

A primeira é que ninguém, seja qual for o seu estatuto, pode corrigir – ou sequer tentar – o Senhor.

A segunda para chamar Pedro à realidade simples e crua da sua condição humana e a impossibilidade, por si próprio, de compreender as coisas de Deus.

(ama, comentário sobre Mt 16, 23-33, 2014.05.26)

Leitura espiritual



Magistério

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
CARTA SOBRE ALGUMAS QUESTÕES
RESPEITANTES À ESCATOLOGIA

Os mais recentes Sínodos dos Bispos, dedicados à Evangelização e à Catequese, respectivamente, contribuíram para se tomar uma consciência mais viva da necessidade de uma perfeita fidelidade às verdades fundamentais da fé, sobretudo no nosso tempo, em que mudanças profundas no ambiente humano e a preocupação de fazer penetrar a fé nas diversas culturas humanas obrigam a um esforço maior do que em tempos passados, para que a mesma fé possa ser tornada mais acessível e melhor possa ser comunicada. Esta última exigência, tão premente na actualidade, requer um cuidado maior de que nunca para se assegurar o verdadeiro sentido e a integridade da fé.

Por isso, aqueles sobre quem incumbe a responsabilidade devem estar muito atentos a tudo aquilo que possa porventura vir a causar na consciência comum dos fiéis uma lenta degradação e a progressiva extinção de qualquer elemento do Símbolo baptismal indispensável para a coerência da fé e inseparavelmente ligado a certos usos importantes na vida da Igreja.

Para um destes pontos, precisamente, pareceu oportuno e urgente chamar a atenção daqueles a quem Deus confiou o múnus de promover e de defender a fé, a fim de serem precavidos os perigos que poderiam vir o pôr em causa esta mesma fé na alma dos fiéis.

Trata-se daquele artigo do Credo que diz respeito à Vida eterna e, por consequência e de modo geral, àquilo que está para além da morte. Quanto a este problema o ensino não pode permitir-se subtrair coisa alguma; mais ainda, ele não pode permanecer deficiente ou incerto sem pôr em perigo a fé e a salvação dos fiéis.
A ninguém passa despercebida a importância desse último artigo do Símbolo baptismal: ele exprime o termo e a finalidade do desígnio de Deus, cujo desenrolar-se é descrito no mesmo Símbolo. Se não há ressurreição, desaba toda a estrutura da fé, como afirma vigorosamente São Paulo (cf. 1 Cor. 15). Se os cristãos não estiverem em condições de ligar as palavras «Vida eterna» a um conteúdo certo, então as promessas do Evangelho e o sentido da Criação e da Redenção esvaem-se, e a própria vida presente fica privada de toda a esperança (cf. Hebr. 11, 1).

Sendo assim, como se pode ignorar o mal-estar e a perturbação de que muitos ficam possuídos, em relação com este ponto? Quem não vê que a dúvida se insinua subtilmente e chega a atingir mesmo o mais profundo dos espíritos? E muito embora os cristãos na maior parte dos casos, felizmente, não cheguem à dúvida positiva, sucede que muitos se abstêm de pensar no destino que os espera para além da morte, porque começam a pressentir problemas a que receiam ter de dar uma resposta: Existirá alguma coisa para além da morte? Subsistirá alguma coisa de nós mesmos depois da morte? Não será porventura o nada que nos espera?

A causa disto há que buscá-la, em parte pelo menos, na repercussão que, sem se querer, têm nos espíritos as controvérsias teológicas, hoje em dia largamente difundidas entre ó grande público, e das quais a a maior parte dos fiéis não está em condições de discernir o objecto preciso, nem de medir o alcance. Assim, ouve-se discutir a existência da alma e o significado de uma sobrevivência é fazerem-se interrogações quanto ao que se passa entre a morte do cristão e a ressurreição universal. Ora, com todas estas coisas o povo cristão fica desorientado, uma vez que já não encontra o seu vocabulário e as noções que lhe são familiares.

Não se trata, obviamente, de coarctar ou então de impedir a investigação teológica, da qual a fé da Igreja tem necessidade e de cujos resultados, portanto, há-de poder aproveitar; isso, porém, de maneira nenhuma permite descurar o dever de tempestivamente salvaguardar a fé dos cristãos, quanto àqueles pontos que são postos em dúvida.

É deste duplo e difícil dever que queremos recordar sumariamente a natureza e os vários aspectos, nesta situação delicada.
É necessário, antes de mais nada, que aqueles que exercem as funções de ensinar saibam discernir bem aquilo que a Igreja considera como fazendo parte da essência da sua fé; a investigação teológica não pode visar outro objectivo que não seja o de aprofundar isso mesmo e de melhor o explicar.
Esta Sagrada Congregação, que tem a responsabilidade de promover e de defender a doutrina da fé, propõe-se hoje recordar aquilo que a Igreja ensina, em nome de Cristo, especialmente quanto ao que sobrevêm entre a morte do cristão e a ressurreição universal.

1) A Igreja crê (cf. Símbolo dos Apóstolos), numa ressurreição dos mortos.

2) A Igreja entende esta ressurreição referida ao homem todo; esta, para os eleitos, não é outra coisa senão a extensão aos homens da própria Ressurreição de Cristo.

3) A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência depois da morte de um elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal modo que o « eu humano » subsista. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra « alma », consagrada pelo uso que dela fazem a Sagrada Escritura e a Tradição. Sem ignorar que este termo é tomado na Bíblia em diversos significados, ela julga, não obstante isso, que não existe qualquer razão séria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indispensável um instrumento verbal para suster a fé dos cristãos.

4) A Igreja exclui todas as formas de pensamento e de expressão que, a adoptarem-se, tornariam absurdos ou ininteligíveis a sua oração, os seus ritos fúnebres e o seu culto dos mortos, realidades que, na sua substância, constituem lugares teológicos.

5) A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera « a gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo » (cf. Const. Dei Verbum, I, 4), que ela considera como distinta e diferida em relação àquela condição própria do homem imediatamente depois da morte.

6) A Igreja, ao expor a sua doutrina sobre a sorte do homem depois da morte, exclui qualquer explicação com que se tirasse o seu sentido à Assunção de Nossa Senhora, naquilo que esta tem de único; ou seja, o facto de ser a glorificação corporal da Virgem Santíssima uma antecipação da glorificação que está destinada a todos os outros eleitos.

7) A Igreja, em adesão fiel ao Novo Testamento e à Tradição, acredita na felicidade dos justos que « estarão um dia com Cristo ». Ao mesmo tempo ela crê numa pena que há-de castigar para sempre o pecador que for privado da visão de Deus, e ainda na repercussão desta pena em todo o «ser » do mesmo pecador. E por fim, ela crê existir para os eleitos uma eventual purificação prévia à visão de Deus, a qual no entanto é absolutamente diversa da pena dos condenados. É isto o que a Igreja entende quando ela fala de Inferno e de Purgatório.

Pelo que respeita à condição do homem depois da morte, há que precaver-se particularmente contra o perigo de representações fundadas apenas na imaginação e arbitrárias, porque o excesso das mesmas entra em grande parte nas dificuldades que muitas vezes a fé cristã encontra. No entanto, as imagens de que se serve a Sagrada Escritura merecem todo o respeito. Mas é preciso captar o seu sentido profundo, evitando o risco de as atenuar demasiadamente, o que equivale não raro a esvaziar da própria substância as realidades que são indicadas por tais imagens.

Nem a Sagrada Escritura nem a Teologia nos proporcionam luzes bastantes para uma representação da vida futura para além da morte. Os cristãos devem manter-se firmes quanto a dois pontos essenciais: devem acreditar, por um lado, na continuidade fundamental que existe, por virtude do Espírito Santo, entre a vida presente em Cristo e a vida futura (a caridade, efectivamente, é a lei do Reino de Deus, e é pela nossa caridade aqui na terra que há-de ser medida a nossa participação na glória do Céu); por outro lado, os mesmos cristãos devem saber bem que existe uma ruptura radical entre o presente e o futuro, pelo facto de que à economia da fé sucede a economia da plena luz; ou seja, nós estaremos com Cristo e «veremos Deus» (cf. 1 Jo. 3, 2), promessa e mistério inauditos nos quais consiste essencialmente a nossa esperança. Se é certo que a nossa capacidade de imaginar não atinge isso, o nosso coração instintiva e profundamente tende para lá chegar.

Depois de se terem recordado estes dados, seja permitido agora evocar os principais aspectos da responsabilidade pastoral, tal como ela se deve traduzir na prática, nas circunstâncias actuais e à luz da prudência cristã.

As dificuldades que andam conexas com estes problemas impõem graves deveres aos teólogos, cuja missão é indispensável. Assim, eles têm o direito ao nosso incitamento, bem como àquela margem de liberdade que exijam legitimamente os seus métodos de trabalho. Por nossa parte, todavia, é necessário lembrar incessantemente aos fiéis os ensinamentos da Igreja que constituem a base quer da vida cristã, quer das investigações dos especialistas. É necessário também envidar esforços por que os teólogos compartilhem as nossas preocupações pastorais, a fim de evitar que os seus estudos e as suas iniciativas de pesquisa sejam temerariamente difundidos entre os fiéis, cuja fé, hoje mais do que nunca, está sujeita a perigos.

O último Sínodo tornou claramente manifesta a atenção que o Episcopado consagra ao conteúdo essencial da catequese, tendo em vista o maior bem dos fiéis. É necessário, pois, que todos aqueles a quem está confiado o múnus de transmitir esse conteúdo tenham do mesmo uma ideia muito clara. Assim, nós devemos proporcionar-lhes os meios para que eles se mantenham muito firmes quanto ao essencial da doutrina e, ao mesmo tempo, bem atentos para não deixar que representações infantis ou arbitrárias se confundam com a verdade da fé.

Deve ser exercida uma vigilância constante e corajosa, mediante uma Comissão doutrinal diocesana ou nacional, sobre a produção literária, não apenas para prevenir a tempo os fiéis contra as obras que se apresentem pouco seguras quanto à doutrina, mas sobretudo para lhes dar a conhecer aquelas outras que se demonstrem capazes de alimentar e de apoiar a sua fé. Isto constitui uma tarefa árdua e de grande importância, que se apresenta urgente, quer pela vasta difusão da imprensa, quer para aquela descentralização das responsabilidades, que as circunstâncias actuais tornam necessária e que foi querida pelos Padres do Concílio Ecuménico.

Esta Carta, sobre cujo teor havia deliberado em reunião ordinária a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, no decurso de uma Audiência concedida ao abaixo-assinado Cardeal Prefeito foi aprovada por Sua Santidade o Papa João Paulo II, que ordenou a sua publicação.

Roma, sede da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, ao 17 de Maio de 1979.

Francisco Cardeal Seper
Prefeito

+ Fr. Jerónimo Hamer, O. P.
Arcebispo Tit. de Lorium
Secretário