19/07/2019

Leitura espiritual


"Christus vivit": Exortação Apostólica aos Jovens 


Capítulo VI

JOVENS COM RAÍZES

179. Já me aconteceu ver árvores jovens, belas, que elevavam seus ramos sempre mais alto para o céu; pareciam uma canção de esperança.
Mais tarde, depois duma tempestade, encontrei-as caídas, sem vida.
Estenderam os seus ramos sem se enraizar bem na terra e, por ter poucas raízes, sucumbiram aos assaltos da natureza.
Por isso, custa-me ver que alguns propõem aos jovens construir um futuro sem raízes, como se o mundo começasse agora.
Com efeito, «é impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme, de pé e agarrada à terra. É fácil extraviar-se, quando não temos onde agarrar-nos, onde firmar-nos»[1].

Que não te arranquem da terra

180. Esta não é uma questão secundária, e parece-me oportuno dedicar-lhe um breve capítulo.
Compreender isto permite-nos distinguir entre a alegria da juventude e um falso culto desta de que alguns se servem a fim de seduzir os jovens e usá-los para os seus fins.

181. Pensai bem!
Se uma pessoa vos fizer uma proposta dizendo para ignorardes a história, não aproveitardes da experiência dos mais velhos, desprezardes todo o passado olhando apenas para o futuro que essa pessoa vos oferece, não será uma forma fácil de vos atrair para a sua proposta a fim de fazerdes apenas o que ela diz?
Aquela pessoa precisa de vós vazios, desenraizados, desconfiados de tudo, para vos fiardes apenas nas suas promessas e vos submeterdes aos seus planos.
Assim procedem as ideologias de variadas cores, que destroem (ou desconstroem) tudo o que for diferente, podendo assim reinar sem oposições.
Para isso, precisam de jovens que desprezem a história, rejeitem a riqueza espiritual e humana que se foi transmitindo através das gerações, ignorem tudo quanto os precedeu.

182. Ao mesmo tempo, os manipuladores servem-se de outro recurso: uma adoração da juventude, como se tudo o que não é jovem fosse detestável e caduco.
O corpo jovem torna-se o símbolo deste novo culto e, consequentemente, tudo o que tenha a ver com este corpo é idolatrado e desejado sem limites, enquanto que o que não for jovem é olhado com desprezo.
Mas é uma arma que acaba por degradar os jovens, esvaziando-os de valores reais e utilizando-os para obter benefícios individuais, económicos ou políticos.

183. Queridos jovens, não permitais que usem a vossa juventude para promover uma vida superficial, que confunde beleza com aparência.
Sabei, antes, descobrir que há beleza no trabalhador que regressa a casa surrado e desalinhado, mas com a alegria de ter ganho o pão para os seus filhos.
Há uma beleza estupenda na comunhão da família reunida ao redor da mesa e no pão partilhado com generosidade, ainda que a mesa seja muito pobre.
Há beleza na esposa mal penteada e já um pouco idosa, que continua a cuidar do seu marido doente, para além das suas forças e da própria saúde.
Embora já esteja distante a lua de mel, há beleza na fidelidade dos casais que se amam no Outono da vida, naqueles velhinhos que caminham de mãos dadas.
Há beleza, para além da aparência ou da estética imposta pela moda, em cada homem e cada mulher que vive com amor a sua vocação pessoal, no serviço desinteressado à comunidade, à pátria, no trabalho generoso a bem da felicidade da família, comprometidos no trabalho árduo, anónimo e gratuito, de restabelecer a amizade social.
Descobrir, mostrar e realçar esta beleza, que lembra a de Cristo na cruz, é colocar as bases da verdadeira solidariedade social e da cultura do encontro.

184. Actualmente, a par das estratégias do falso culto da juventude e da aparência, promovem-se uma espiritualidade sem Deus, uma afectividade sem comunidade nem compromisso com os que sofrem, o medo dos pobres vistos como sujeitos perigosos, e uma série de ofertas que pretendem fazer-vos acreditar num futuro paradisíaco que sempre será adiado para mais tarde.
Não é isto que vos quero propor; e, com todo o afecto que vos tenho, quero advertir-vos para não vos deixardes dominar por esta ideologia que, em vez de vos tornar mais jovens, transformar-vos-á em escravos.
Proponho-vos outro caminho, feito de liberdade, entusiasmo, criatividade, horizontes novos, mas cultivando ao mesmo tempo as raízes que nutrem e sustentam.

185. Nesta linha - quero salientá-lo -, «muitos Padres Sinodais, vindos de contextos não ocidentais, assinalam como a globalização seja portadora, nos seus países, de autênticas formas de colonização cultural, que desenraízam os jovens das origens culturais e religiosas de onde provêm.
Torna-se necessário um esforço da Igreja para os acompanhar nesta passagem, a fim de não perderem os traços mais preciosos da sua identidade»[2].

186. Vemos hoje uma tendência para «homogeneizar» os jovens, dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série.
Deste modo, causa-se uma destruição cultural, que é tão grave como a extinção das espécies animais e vegetais[3].
Por isso, numa mensagem aos jovens indígenas reunidos no Panamá, exortava-os: «Assumi as vossas raízes! Mas não vos limiteis a isto. A partir destas raízes, crescei, florescei, frutificai»[4].

A tua relação com os idosos

187. No Sínodo, afirmou-se que «os jovens estão projectados para o futuro e enfrentam a vida com energia e dinamismo.
Mas (…) tendem por vezes a prestar pouca atenção à memória do passado de onde provêm, especialmente dos inúmeros dons que lhes foram transmitidos pelos pais, pelos avós, pela bagagem cultural da sociedade onde vivem.
Ajudar os jovens a descobrir a riqueza viva do passado, conservando-a na memória e valendo-se dela para as suas decisões e possibilidades, é um verdadeiro acto de amor para com eles visando o seu crescimento e as opções que são chamados a realizar»[5].

188. A Palavra de Deus recomenda que não se perca o contacto com os idosos, para poder recolher a sua experiência:
«Frequenta a assembleia dos anciãos; se encontrares algum sábio, faz-te amigo dele. (...) Se vires alguém sensato, madruga e vai ter com ele, e desgastem os teus pés o limiar da sua porta» (Sir 6, 34.36). Seja como for, os largos anos que viveram e tudo o que passaram na vida devem levar-nos a olhá-los com respeito: «Levanta-te perante uma cabeça branca» (Lv 19, 32).
Com efeito, «a força é a glória do jovem, e a glória dos velhos são os cabelos brancos» (Pr 20, 29).

189. A Bíblia solicita-nos: «Ouve o pai, que te gerou, e não desprezes a tua mãe quando for velha» (Pr 23, 22).
O preceito de honrar pai e mãe «é o primeiro mandamento com uma promessa» (Ef 6, 2; cf. Ex 20, 12; Dt 5, 16, Lv 19, 3), isto é, «para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra» (Ef 6, 3).

190. Isto não significa que tenhas de estar de acordo com tudo o que eles dizem, nem que deves aprovar todas as suas acções. Um jovem deveria ter sempre um espírito crítico. São Basílio Magno, referindo-se aos autores gregos antigos, recomendava aos jovens que os estimassem, mas guardassem apenas o que de bom podiam ensinar[6].
Trata-se simplesmente de se manter aberto para recolher uma sabedoria que se comunica de geração em geração, pode coexistir com algumas misérias humanas e não precisa de desaparecer perante as novidades do consumo e do mercado.

191. Ao mundo, nunca foi nem será de proveito a ruptura entre gerações.
São cantos de sereia dum futuro sem raízes, sem arraigamento.
É a mentira que deseja fazer-te crer que só o novo é bom e belo.
A existência das relações intergeracionais supõe que, nas comunidades, se possua uma memória colectiva, pois cada geração retoma os ensinamentos de quantos a antecederam, deixando assim uma herança aos seus sucessores.
Isto constitui quadros de referência para alicerçar solidamente uma sociedade nova.
Como diz o ditado: «Se o jovem soubesse e o velho pudesse, não haveria nada que não se fizesse».

Sonhos e visões

192. Na profecia de Joel, encontramos um anúncio que nos permite entender isto duma maneira admirável. Diz assim:

«Depois disto, derramarei o meu espírito sobre toda a humanidade. Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões» (Jl 3, 1; cf. At 2, 17).
Se os jovens e os idosos se abrirem ao Espírito Santo, juntos produzem uma combinação maravilhosa: os idosos sonham e os jovens têm visões.
Como se completam reciprocamente as duas coisas?

193. Os idosos têm sonhos permeados de recordações, de imagens de tantas coisas vividas, com a marca da experiência e dos anos.
Se os jovens se enraizarem nos sonhos dos idosos, conseguem ver o futuro, podem ter visões que lhes abrem o horizonte e mostram novos caminhos.
Mas, se os idosos deixarem de sonhar, os jovens já não podem ver claramente o horizonte.

194. Sabe bem encontrar, no meio daquilo que guardaram os nossos pais, alguma lembrança que nos permite imaginar o que sonharam para nós os nossos avôs e as nossas avós.
Todo o ser humano, ainda antes de nascer, recebeu como prenda dos seus avós a bênção dum sonho cheio de amor e esperança: o sonho duma vida melhor.
E, se não o recebeu de nenhum dos seus avós, houve seguramente algum bisavô que o sonhou e ficou feliz por ele, ao contemplar no berço os seus filhos e, depois, os netos.
O sonho primordial, o sonho criador de Deus nosso Pai, precede e acompanha a vida de todos os seus filhos.
Guardar na memória esta bênção, que se estende de geração em geração, é uma herança preciosa que devemos saber conservar viva para também nós a podermos transmitir.

195. Por isso, é bom deixar que os idosos contem longas histórias, que às vezes parecem mitológicas, fantasiosas - são sonhos de anciãos -, mas frequentemente estão cheias duma rica experiência, de símbolos eloquentes, de mensagens escondidas.
Tais narrações requerem tempo e que nos disponhamos gratuitamente a ouvir e interpretar com paciência, porque não cabem numa mensagem das redes sociais.
Devemos aceitar que toda a sabedoria de que necessitamos na vida não pode estar confinada nos limites impostos pelos actuais recursos de comunicação.

196. No livro  A Sabedoria do Tempo[7], deixei expressos alguns desejos sob a forma de pedidos.
«Que peço aos idosos, entre os quais me incluo a mim próprio?
Peço que sejamos guardiões da memória.
Nós, os avôs e as avós, precisamos de formar um coro. Imagino os idosos como o coro permanente dum importante santuário espiritual, no qual as orações de súplica e os cânticos de louvor sustentam a comunidade inteira que trabalha e luta no campo da vida»[8].
É belo que «os jovens e as donzelas, os velhos e as crianças louvem todos o nome do Senhor» (Sal 148, 12-13).

197. Nós, os idosos, que podemos dar aos jovens?
«Aos jovens de hoje, que sentem dentro si próprios uma mistura de ambições heróicas e inseguranças, podemos lembrar-lhes que uma vida sem amor é uma vida estéril»[9].

Que podemos dizer-lhes?
«Aos jovens temerosos, podemos dizer que a ansiedade diante do futuro pode ser superada»[10].

Que podemos ensinar-lhes?
«Aos jovens excessivamente preocupados consigo mesmos, podemos ensinar que se experimenta maior alegria em dar do que em receber, e que o amor não se demonstra apenas com palavras, mas também com obras»[11].

Franciscus

Revisão da versão portuguesa por AMA


Notas



[1] Francisco, Discurso na Vigília da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 26 de Janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 6.
[2] DF 14.
[3] Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de Maio de 2015), 145: AAS107 (2015), 906.
[4] Vídeo-mensagem para o Encontro Mundial da Juventude Indígena, no Panamá (17-21 de Janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/I/2019), 4.
[5] DF 35.
[6] Cf. Carta aos jovens, I, 2: PG 31, 566.
[7] Cf. Antonio Spadaro (ed.), A Sabedoria do Tempo. Em diálogo com o Papa Francisco sobre as grandes questões da vida(Veneza 2018).
[8] Ibid., 12.
[9] Ibid., 13.
[10] Ibid., 13.
[11] Ibid., 13.

Evangelho e comentário


TEMPO COMUM



Evangelho: Mt 12 1-8

1 Naquele tempo, num dia de Sábado, passava Jesus por umas searas, e os Seus discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas e a comê-las.2 Vendo isto os fariseus disseram-Lhe: «Olha que os Teus discípulos fazem o que não é permitido fazer ao Sábado». 3 Jesus respondeu-lhes: «Não lestes o que fez David e os seus companheiros, quando tiveram fome? 4 Como entrou na casa de Deus, e comeu os pães sagrados, dos quais que não era lícito comer, nem a ele, nem aos que iam com ele, mas só aos sacerdotes? 5 Não lestes na Lei que ao Sábado os sacerdotes no Templo violam o Sábado e ficam sem culpa? 6 Ora Eu digo-vos que aqui está alguém que é maior que o Templo. 7 Se vós soubésseis o que quer dizer: “Quero misericórdia e não sacrifício”, jamais condenaríeis inocentes. 8 Porque o Filho do Homem é senhor do próprio Sábado».

Comentário:

Há, infelizmente, muitas pessoas que cumprem com rigor todas as chamadas “ regras de comportamento” e, com tal, sentem que o seu papel nesta vida que vivemos está completo e, mais, servirá de exemplo a outros.

Decerto estaria correcto se não se ficassem por aí porque o rigor no cumprimento das leis não é suficiente quando não há amor.

Referimo-nos, claro está, às Leis da Igreja e, em última análise, à Lei de Deus.

Cumprir, observar, ser rigoroso na observância de deveres e obrigações fica-se aquém de fazer tudo isto – que normalmente são escrúpulos – sem a oferta pessoal de si mesmo a Deus e aos outros.

(AMA, comentário sobre Mt 12, 1-8, 20.07.2018)




Temas para reflectir e meditar

Sobre o Exame pessoal

2 Exame pois claro!
Como se fosse assim algo de extraordinário, com um merecimento enorme!
Ainda se fosse verdadeiro, profundo, detalhado!
Mas não é, não costuma passar de uma revisão da memória onde me perco em inúmeras coisas sem importância nenhuma, em vez de ir ao "fundo", ao cerne onde nascem os meus defeitos, os meus erros.
Desejo tirar esta capa de "bem-comportado" com que me cubro para poder apresentar-me ao Senhor tal qual sou, ou, por outras palavras, como Ele sabe que sou.
Só com a Tua ajuda o conseguirei e, por isso Te peço me ajudes.

26.05.2018

Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)




Propósito:

Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?





Tantos anos a lutar...


Surgiram nuvens negras de falta de vontade, de perda de entusiasmo. Caíram aguaceiros de tristeza, com a clara sensação de te encontrares atado. E, como remate, vieram os desânimos, que nascem de uma realidade mais ou menos objectiva: tantos anos a lutar... e ainda estás tão atrasado, tão longe! Tudo isso é necessário, e Deus conta com isso. Para conseguirmos o "gaudium cum pace" – a paz e a alegria verdadeiras – havemos de acrescentar à certeza da nossa filiação divina, que nos enche de optimismo, o reconhecimento da nossa própria fraqueza pessoal. (Sulco, 78)


Mesmo nos momentos em que percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e devemos olhar para Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, sabendo-nos participantes da vida divina. Nunca existe razão suficiente para voltarmos atrás: o Senhor está ao nosso lado. Temos que ser fiéis, leais, encarar as nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo para compreender os erros dos outros e superar os nossos próprios erros. Assim, todos esses desalentos – os teus, os meus, os de todos os homens – servem também de suporte ao reino de Cristo.

Reconheçamos as nossas fraquezas, mas confessemos o poder de Deus. O optimismo, a alegria, a convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós têm de informar a vida cristã. Se nos sentirmos parte dessa Igreja Santa, se nos considerarmos sustentados pela rocha firme de Pedro e pela acção do Espírito Santo, decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de cada instante: semear todos os dias um pouco. E a colheita fará transbordar os celeiros. (Cristo que passa, 160)