Capítulo VI
JOVENS COM RAÍZES
179.
Já me aconteceu ver árvores jovens, belas, que elevavam seus ramos sempre mais
alto para o céu; pareciam uma canção de esperança.
Mais
tarde, depois duma tempestade, encontrei-as caídas, sem vida.
Estenderam
os seus ramos sem se enraizar bem na terra e, por ter poucas raízes, sucumbiram
aos assaltos da natureza.
Por
isso, custa-me ver que alguns propõem aos jovens construir um futuro sem raízes,
como se o mundo começasse agora.
Com
efeito, «é impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a
ajudem a estar firme, de pé e agarrada à terra. É fácil extraviar-se, quando
não temos onde agarrar-nos, onde firmar-nos»[1].
Que não te arranquem da
terra
180.
Esta não é uma questão secundária, e parece-me oportuno dedicar-lhe um breve
capítulo.
Compreender
isto permite-nos distinguir entre a alegria da juventude e um falso culto desta
de que alguns se servem a fim de seduzir os jovens e usá-los para os seus fins.
181.
Pensai bem!
Se
uma pessoa vos fizer uma proposta dizendo para ignorardes a história, não
aproveitardes da experiência dos mais velhos, desprezardes todo o passado
olhando apenas para o futuro que essa pessoa vos oferece, não será uma forma
fácil de vos atrair para a sua proposta a fim de fazerdes apenas o que ela diz?
Aquela
pessoa precisa de vós vazios, desenraizados, desconfiados de tudo, para vos
fiardes apenas nas suas promessas e vos submeterdes aos seus planos.
Assim
procedem as ideologias de variadas cores, que destroem (ou desconstroem) tudo o
que for diferente, podendo assim reinar sem oposições.
Para
isso, precisam de jovens que desprezem a história, rejeitem a riqueza
espiritual e humana que se foi transmitindo através das gerações, ignorem tudo
quanto os precedeu.
182.
Ao mesmo tempo, os manipuladores servem-se de outro recurso: uma adoração da
juventude, como se tudo o que não é jovem fosse detestável e caduco.
O
corpo jovem torna-se o símbolo deste novo culto e, consequentemente, tudo o que
tenha a ver com este corpo é idolatrado e desejado sem limites, enquanto que o
que não for jovem é olhado com desprezo.
Mas
é uma arma que acaba por degradar os jovens, esvaziando-os de valores reais e
utilizando-os para obter benefícios individuais, económicos ou políticos.
183.
Queridos jovens, não permitais que usem a vossa juventude para promover uma
vida superficial, que confunde beleza com aparência.
Sabei,
antes, descobrir que há beleza no trabalhador que regressa a casa surrado e
desalinhado, mas com a alegria de ter ganho o pão para os seus filhos.
Há
uma beleza estupenda na comunhão da família reunida ao redor da mesa e no pão
partilhado com generosidade, ainda que a mesa seja muito pobre.
Há
beleza na esposa mal penteada e já um pouco idosa, que continua a cuidar do seu
marido doente, para além das suas forças e da própria saúde.
Embora
já esteja distante a lua de mel, há beleza na fidelidade dos casais que se amam
no Outono da vida, naqueles velhinhos que caminham de mãos dadas.
Há
beleza, para além da aparência ou da estética imposta pela moda, em cada homem
e cada mulher que vive com amor a sua vocação pessoal, no serviço
desinteressado à comunidade, à pátria, no trabalho generoso a bem da felicidade
da família, comprometidos no trabalho árduo, anónimo e gratuito, de
restabelecer a amizade social.
Descobrir,
mostrar e realçar esta beleza, que lembra a de Cristo na cruz, é colocar as
bases da verdadeira solidariedade social e da cultura do encontro.
184.
Actualmente, a par das estratégias do falso culto da juventude e da aparência,
promovem-se uma espiritualidade sem Deus, uma afectividade sem comunidade nem
compromisso com os que sofrem, o medo dos pobres vistos como sujeitos
perigosos, e uma série de ofertas que pretendem fazer-vos acreditar num futuro
paradisíaco que sempre será adiado para mais tarde.
Não
é isto que vos quero propor; e, com todo o afecto que vos tenho, quero
advertir-vos para não vos deixardes dominar por esta ideologia que, em vez de
vos tornar mais jovens, transformar-vos-á em escravos.
Proponho-vos
outro caminho, feito de liberdade, entusiasmo, criatividade, horizontes novos,
mas cultivando ao mesmo tempo as raízes que nutrem e sustentam.
185.
Nesta linha - quero salientá-lo -, «muitos Padres Sinodais, vindos de contextos
não ocidentais, assinalam como a globalização seja portadora, nos seus países,
de autênticas formas de colonização cultural, que desenraízam os jovens das
origens culturais e religiosas de onde provêm.
Torna-se
necessário um esforço da Igreja para os acompanhar nesta passagem, a fim de não
perderem os traços mais preciosos da sua identidade»[2].
186.
Vemos hoje uma tendência para «homogeneizar» os jovens, dissolver as diferenças
próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos
em série.
Deste
modo, causa-se uma destruição cultural, que é tão grave como a extinção das
espécies animais e vegetais[3].
Por
isso, numa mensagem aos jovens indígenas reunidos no Panamá, exortava-os: «Assumi
as vossas raízes! Mas não vos limiteis a isto. A partir destas raízes, crescei,
florescei, frutificai»[4].
A tua relação com
os idosos
187.
No Sínodo, afirmou-se que «os jovens estão projectados para o futuro e
enfrentam a vida com energia e dinamismo.
Mas
(…) tendem por vezes a prestar pouca atenção à memória do passado de onde
provêm, especialmente dos inúmeros dons que lhes foram transmitidos pelos pais,
pelos avós, pela bagagem cultural da sociedade onde vivem.
Ajudar
os jovens a descobrir a riqueza viva do passado, conservando-a na memória e
valendo-se dela para as suas decisões e possibilidades, é um verdadeiro acto de
amor para com eles visando o seu crescimento e as opções que são chamados a
realizar»[5].
188.
A Palavra de Deus recomenda que não se perca o contacto com os idosos, para
poder recolher a sua experiência:
«Frequenta
a assembleia dos anciãos; se encontrares algum sábio, faz-te amigo dele. (...)
Se vires alguém sensato, madruga e vai ter com ele, e desgastem os teus pés o
limiar da sua porta» (Sir 6, 34.36). Seja como for, os largos anos que
viveram e tudo o que passaram na vida devem levar-nos a olhá-los com respeito:
«Levanta-te perante uma cabeça branca» (Lv 19,
32).
Com
efeito, «a força é a glória do jovem, e a glória dos velhos são os cabelos
brancos» (Pr 20, 29).
189.
A Bíblia solicita-nos: «Ouve o pai, que te gerou, e não desprezes a tua mãe
quando for velha» (Pr 23, 22).
O
preceito de honrar pai e mãe «é o primeiro mandamento com uma promessa» (Ef
6, 2; cf. Ex 20, 12; Dt 5, 16, Lv 19, 3), isto é, «para que sejas feliz e
gozes de longa vida sobre a terra» (Ef 6, 3).
190.
Isto não significa que tenhas de estar de acordo com tudo o que eles dizem, nem
que deves aprovar todas as suas acções. Um jovem deveria ter sempre um espírito
crítico. São Basílio Magno, referindo-se aos autores gregos antigos,
recomendava aos jovens que os estimassem, mas guardassem apenas o que de bom
podiam ensinar[6].
Trata-se
simplesmente de se manter aberto para recolher uma sabedoria que se comunica de
geração em geração, pode coexistir com algumas misérias humanas e não precisa
de desaparecer perante as novidades do consumo e do mercado.
191.
Ao mundo, nunca foi nem será de proveito a ruptura entre gerações.
São
cantos de sereia dum futuro sem raízes, sem arraigamento.
É
a mentira que deseja fazer-te crer que só o novo é bom e belo.
A
existência das relações intergeracionais supõe que, nas comunidades, se possua
uma memória colectiva, pois cada geração retoma os ensinamentos de quantos a
antecederam, deixando assim uma herança aos seus sucessores.
Isto
constitui quadros de referência para alicerçar solidamente uma sociedade nova.
Como
diz o ditado: «Se o jovem soubesse e o velho pudesse, não haveria nada que não
se fizesse».
Sonhos e visões
192.
Na profecia de Joel, encontramos um anúncio que nos permite entender isto duma
maneira admirável. Diz assim:
«Depois disto, derramarei o meu espírito
sobre toda a humanidade. Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os
vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões» (Jl
3, 1; cf. At 2, 17).
Se
os jovens e os idosos se abrirem ao Espírito Santo, juntos produzem uma
combinação maravilhosa: os idosos sonham e os jovens têm visões.
Como
se completam reciprocamente as duas coisas?
193.
Os idosos têm sonhos permeados de recordações, de imagens de tantas coisas
vividas, com a marca da experiência e dos anos.
Se
os jovens se enraizarem nos sonhos dos idosos, conseguem ver o futuro, podem
ter visões que lhes abrem o horizonte e mostram novos caminhos.
Mas,
se os idosos deixarem de sonhar, os jovens já não podem ver claramente o
horizonte.
194.
Sabe bem encontrar, no meio daquilo que guardaram os nossos pais, alguma
lembrança que nos permite imaginar o que sonharam para nós os nossos avôs e as
nossas avós.
Todo
o ser humano, ainda antes de nascer, recebeu como prenda dos seus avós a bênção
dum sonho cheio de amor e esperança: o sonho duma vida melhor.
E,
se não o recebeu de nenhum dos seus avós, houve seguramente algum bisavô que o
sonhou e ficou feliz por ele, ao contemplar no berço os seus filhos e, depois,
os netos.
O
sonho primordial, o sonho criador de Deus nosso Pai, precede e acompanha a vida
de todos os seus filhos.
Guardar
na memória esta bênção, que se estende de geração em geração, é uma herança
preciosa que devemos saber conservar viva para também nós a podermos
transmitir.
195.
Por isso, é bom deixar que os idosos contem longas histórias, que às vezes
parecem mitológicas, fantasiosas - são sonhos de anciãos -, mas frequentemente
estão cheias duma rica experiência, de símbolos eloquentes, de mensagens
escondidas.
Tais
narrações requerem tempo e que nos disponhamos gratuitamente a ouvir e
interpretar com paciência, porque não cabem numa mensagem das redes sociais.
Devemos
aceitar que toda a sabedoria de que necessitamos na vida não pode estar
confinada nos limites impostos pelos actuais recursos de comunicação.
«Que
peço aos idosos, entre os quais me incluo a mim próprio?
Peço
que sejamos guardiões da memória.
Nós,
os avôs e as avós, precisamos de formar um coro. Imagino os idosos como o coro
permanente dum importante santuário espiritual, no qual as orações de súplica e
os cânticos de louvor sustentam a comunidade inteira que trabalha e luta no
campo da vida»[8].
É
belo que «os jovens e as donzelas, os velhos e as crianças louvem todos o nome
do Senhor» (Sal 148, 12-13).
197.
Nós, os idosos, que podemos dar aos jovens?
«Aos
jovens de hoje, que sentem dentro si próprios uma mistura de ambições heróicas
e inseguranças, podemos lembrar-lhes que uma vida sem amor é uma vida estéril»[9].
Que
podemos dizer-lhes?
Que
podemos ensinar-lhes?
«Aos
jovens excessivamente preocupados consigo mesmos, podemos ensinar que se
experimenta maior alegria em dar do que em receber, e que o amor não se
demonstra apenas com palavras, mas também com obras»[11].
Franciscus
Revisão da versão
portuguesa por AMA
Notas
[1] Francisco, Discurso
na Vigília da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 26 de Janeiro
de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019),
6.
[2] DF 14.
[4] Vídeo-mensagem
para o Encontro Mundial da Juventude Indígena, no Panamá (17-21 de Janeiro
de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/I/2019),
4.
[5] DF 35.
[6] Cf. Carta
aos jovens, I, 2: PG 31, 566.
[7] Cf. Antonio Spadaro
(ed.), A Sabedoria do Tempo. Em diálogo com o Papa Francisco sobre as
grandes questões da vida(Veneza 2018).