São Josemaria Escrivá
CRISTO QUE PASSA
119
Vida de oração
Uma oração ao Deus da
minha vida.
Se Deus é vida para nós,
não deve causar-nos estranheza que a nossa existência de cristãos tenha de
estar embebida de oração.
Mas não penseis que a
oração é um acto que se realiza e se abandona logo a seguir.
O justo encontra na lei de
Iavé a sua complacência e procura acomodar-se a essa lei durante o dia e
durante a noite.
Pela manhã penso em ti; e,
durante a tarde, dirige-se a ti a minha oração como o incenso.
Todo o dia pode ser tempo
de oração: da noite à manhã e da manhã à noite.
Mais ainda: como nos
recorda a Escritura Santa, também o sono deve ser oração.
Recordai o que de Jesus
nos narram os Evangelhos.
Às vezes, passava a noite
inteira ocupado em colóquio íntimo com o Pai.
Como cativou os primeiros
discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem essa atitude
constante do Mestre pediram-Lhe: Domine,
doce nos orare, Senhor, ensina-nos a orar assim.
São Paulo - orationi instantes, na oração contínua,
escreve - difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo.
E S. Lucas, com uma
pincelada, retrata a maneira de actuar dos primeiros fiéis: Animados de um mesmo espírito, perseveravam
juntos em oração.
A têmpera do bom cristão
adquire-se, com a graça, na forja da oração.
E este alimento da oração,
por ser vida, não se desenvolve através de um caminho único.
O coração desafogar-se-á
habitualmente com palavras, nas orações vocais que nos ensinaram o próprio
Deus, Pai Nosso, ou os seus Anjos, Avé Maria.
Outras vezes utilizaremos
orações apuradas pelo tempo, nas quais se verteu a piedade de milhões de irmãos
na fé: as da liturgia - lex orandi -;
as que nasceram da paixão de um coração enamorado, como tantas antífonas
marianas: Sub tuum praesidium...,
Memorare..., Salve Regina...
Noutras ocasiões serão
suficientes duas ou três expressões, lançadas ao Senhor como se fossem setas, iaculata: jaculatórias, que aprendemos
na leitura atenta da história de Cristo:
Domine, si vis, potes me mundare, Senhor, se quiseres podes curar-me;
Domine, tu omnia nosti, tu scis qui amo te, Senhor tu sabes tudo, tu
sabes que te amo;
Credo, Domine, sed adjuva incredulitatem meam, creio, Senhor, mas ajuda
a minha incredulidade, fortalece a minha fé;
Domine, non sum dignus, Senhor, não sou digno!;
Dominus meus et Deus meus, Senhor meu e Deus meu!
Ou outras frases, breves e
afectuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e correspondem a uma
circunstância concreta.
A vida de oração tem de
fundamentar-se, além disso, em pequenos espaços de tempo, dedicados
exclusivamente a estar com Deus.
São momentos de colóquio
sem ruído de palavras, junto ao Sacrário sempre que possível, para agradecer ao
Senhor essa espera - tão só! - desde há vinte séculos.
A oração mental é diálogo
com Deus, de coração a coração, em que intervém a alma toda: a inteligência e a
imaginação, a memória e a vontade.
Uma meditação que
contribui a dar valor sobrenatural à nossa pobre vida humana, à nossa vida
corrente e diária.
Graças a esses tempos de
meditação, às orações vocais, às jaculatórias, saberemos converter a nossa
jornada, com naturalidade e sem espectáculo, num contínuo louvor a Deus.
Manter-nos-emos na sua
presença, como os que estão enamorados dirigem continuamente o seu pensamento à
pessoa que amam, e todas as nossas acções - inclusivamente as mais pequenas -
encher-se-ão de eficácia espiritual.
Por isso, quando um
cristão se lança por este caminho de intimidade ininterrupta com o Senhor - e é
um caminho para todos, não uma senda para privilegiados - a vida interior
cresce, segura e firme; e o homem empenhasse nessa luta, amável e exigente ao
mesmo tempo, por realizar até ao fim a vontade de Deus.
A partir da vida de oração
podemos compreender um outro tema que nos propõe a festa de hoje: o apostolado,
pôr em prática os ensinamentos de Jesus, transmitidos aos seus pouco antes de
subir aos céus: servir-me-eis de testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia, na
Samaria e até às extremidades da terra.
120
Apostolado, corredenção
Com a maravilhosa
normalidade do divino, a alma contemplativa derrama-se em afã apostólico:
ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo na minha meditação.
Que fogo é esse senão aquele de que fala
Cristo: Vim trazer fogo (do amor
divino) à Terra: e que quero eu senão que
se acenda?
Fogo de apostolado que se
robustece na oração: não há meio melhor do que este para desenvolver através de
todo o mundo, essa batalha pacífica em que cada cristão está chamado a
participar: cumprir o que resta padecer a Cristo.
Jesus subiu aos céus,
dizíamos.
Mas o cristão pode, na
oração e na Eucaristia, conviver com Ele nos mesmos moldes dos primeiros doze,
abrasar-se no seu zelo apostólico, para com Ele fazer um serviço de
corredenção, que é semear a paz e a alegria.
Servir, pois o apostolado
não é outra coisa.
Se contarmos
exclusivamente com as nossas próprias forças, nada conseguiremos no terreno
sobrenatural; sendo instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: tudo posso n'Aquele que me conforta.
Deus, pela, sua infinita
bondade, dispôs-Se a utilizar estes instrumentos ineptos.
Daí que o Apóstolo não
tenha outro fim senão deixar agir o Senhor, mostrar-se inteiramente disponível,
para que Deus realize - através das suas criaturas, através da alma escolhida -
a sua obra salvadora.
Apóstolo é o cristão que
se sente inserido em Cristo, identificado com Cristo, pelo Baptismo; habilitado
a lutar por Cristo pela Confirmação; chamado a servir a Deus com a sua acção no
mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que confere uma certa participação no
sacerdócio de Cristo, a qual - sendo essencialmente diferente da que constitui
o sacerdócio ministerial - o torna capaz de tomar parte no culto da Igreja e de
ajudar os homens no seu caminho para Deus, com o testemunho da palavra e do
exemplo, com a oração e a expiação.
Cada um de nós há-de ser ipse Christus, o próprio Cristo.
Ele é o único mediador entre
Deus e os homens; e nós unimo-nos a Ele para oferecer, com Ele, todas as coisas
ao Pai.
A nossa vocação de filhos
de Deus, no meio do mundo, exige-nos que não procuremos apenas a nossa
santidade pessoal, mas que vamos pelos caminhos da terra, para convertê-los em
atalhos que, através dos obstáculos, levem as almas ao Senhor; que
participemos, como cidadãos normais e correntes, em todas as actividades
temporais, para sermos levedura que há-de informar toda a massa.
Cristo subiu aos céus, mas
transmitiu a tudo o que é honestamente humano a possibilidade concreta de ser
redimido.
São Gregório Magno trata
este grande tema cristão com palavras incisivas:
Partia assim Jesus para o lugar de onde era e voltava do lugar em
que continuava a morar. Efectivamente, no momento em que subia ao Céu, unia com
a sua divindade o Céu e a Terra. Na festa de hoje convém destacar solenemente o
facto de que tenha sido suprimido o decreto que nos condenava, o juízo que nos
tornava sujeitos à corrupção.
A natureza a que se dirigiam
as palavras "tu és pó e em pó te hás-de tornar" (Gen. 3, 19),
essa mesma natureza subiu hoje ao Céu com Cristo.
Não me cansarei de
repetir, portanto, que o mundo é santificável e que a nós, cristãos, nos toca
especialmente essa tarefa, purificando-o das ocasiões de pecado com que os
homens o tornam feio e oferecendo-o ao Senhor como Hóstia espiritual,
apresentada e dignificada com a graça de Deus e o nosso esforço.
Em rigor, não se pode
dizer que haja nobres realidades exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo
se dignou assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a Terra com a sua
presença e com o trabalho das suas mãos.
A grande missão que
recebemos, no Baptismo, é a corredenção. Urge-nos a caridade de Cristo para
tomarmos sobre os nossos ombros uma parte dessa tarefa divina de resgatar as
almas.
(cont)