DE MAGISTRO
(DO MESTRE)
CAPÍTULO
VIII
NÃO
SE DISCUTEM INUTILMENTE ESTAS QUESTÕES.
ASSIM,
PARA RESPONDER ÀQUELE QUE INTERROGA,
DEVEMOS
DIRIGIR A MENTE,
DEPOIS
DE PERCEBER OS SINAIS,
ÀS
COISAS QUE ESTES SIGNIFICAM
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AGOSTINHO
– Qual motivo então te fez
preferir tomar só a palavra do meio (homo) segundo o som e o significado?
ADEODATO
– Mas agora tomo-a
exclusivamente pelo seu significado. Concordo contigo não ser possível
conversar se a mente, ouvidas as palavras, não evocar logo as coisas de que
aquelas são sinais. Por isso, mostra-me como eu pude ser enganado por esse
raciocínio, que concluiu que não sou homem.
AGOSTINHO
– Será mais oportuno
reapresentar-te as mesmas perguntas, para que tu possas perceber por ti mesmo
onde erraste.
ADEODATO
– Está bem.
AGOSTINHO
– Não vou perguntar-te o
mesmo que antes, pois já o concedeste. Antes, observa com mais atenção, se na
palavra “homo” (homem) a sílaba “ho” é outra coisa que não “ho” e a sílaba “mo” nada mais que “mo”.
ADEODATO
– Não vejo, na realidade,
nada além disso.
AGOSTINHO
– Observa ainda se, ao
juntar estas duas sílabas, se pode fazer um homem.
ADEODATO
– Absolutamente te concederia
isto, uma vez que concordamos, acertadamente, que, depois de ouvir o sinal, a
mente examina o seu significado, e só após o exame concede ou nega o que foi
proposto.
Mas aquelas duas sílabas,
quando separadas, soam sem qualquer significado, e por isso ficou assente que
têm valor apenas como som.
AGOSTINHO
– Estás, pois, convicto que
não se deve responder às perguntas senão de acordo com as coisas que as
palavras significam?
ADEODATO
– Não vejo como haveria de
concordar com isto, desde que se trate de palavras.
AGOSTINHO
– Gostaria de saber o que
responderias àquele zombeteiro que, dizem, fez sair um leão da boca do
companheiro com quem discutia.
Após indagar-lhe se o que
dizemos sai da nossa boca, e não lhe sendo possível nega-lo, induziu facilmente
o interlocutor a proferir o nome “leão”; feito isso, começou a andar ao redor
dele e escarnecê-lo, pois admira que aquilo que dizemos sai da nossa boca e não podendo negar que proferira
a palavra “leão”, estava assumindo que, sendo embora boa pessoa, vomitara um animal
tão feroz.
ADEODATO
– Não seria difícil
responder a esse brincalhão, pois eu não concordaria que tudo o que dizemos sai
da nossa boca, uma vez que proferimos apenas sinais, e o que da nossa boca sai não
é a coisa significada, mas o sinal que a significa; assunto este de que
tratamos há pouco.
AGOSTINHO
– Com isso o refutarias
correctamente; mas que me responderias se te perguntasse se homem é um nome?
ADEODATO
– Que mais haveria de ser?
AGOSTINHO
– Então, quando te vejo,
vejo um nome?
ADEODATO
– Não.
AGOSTINHO
– Queres que te diga o que
disso resulta?
ADEODATO
– Não te incomodes: eu
mesmo, ao responder-te que um homem é nome quando me perguntaste se homem era
nome, reconheço que declarei não ser eu homem, e fiz isto apesar de já termos
estabelecido que só devemos admitir ou negar o que é dito conforme o
significado das coisas.
AGOSTINHO
– Parece-me, todavia, que
não foste incidir nesta reposta sem motivo, pois a própria lei da razão,
gravada nas nossas mentes, pode iludir a tua vigilância. De facto, se te perguntasse
o que é “homem”, responderias talvez: “animal”; porém, se te perguntasse que
parte da oração é “homem”, só poderias responder correctamente dizendo “nome”;
por aí concluímos que “homem” é nome e animal: o primeiro (ser nome) dizemos
enquanto é sinal; o segundo (ser animal) quanto à coisa significada.
Se alguém, pois, me
perguntasse se homem é nome, responderia que é, uma vez que esta pergunta deixa
entender que a indagação é a respeito de “homem” só como sinal.
Se, ao contrário, me
perguntar se homem é animal, anuirei mais facilmente porque, mesmo que se
omitissem os termos “nome” e “animal” indagando apenas “o que é homem”,
obedecendo àquela regra do falar que já estabelecemos, a minha mente
voltar-se-ia para o significado daquelas duas sílabas e só poderia responder
“animal”, e até poderia acrescentar a definição completa, isto é, “animal
racional, mortal”; não te parece?
ADEODATO
– Certamente; mas, se
concordamos que é um nome, como nos subtrairmos a conclusão desagradável de que
não somos homens?
AGOSTINHO
– Demonstrando que a ela não
se chegou pelo sentido das palavras, quando concordamos com o nosso
interlocutor.
E se este quisesse deduzi-la
da palavra considerada como sinal, nada haveria a temer, pois qual prejuízo
haveria em confessar que não sou aquelas duas sílabas?
ADEODATO
– Nada mais verdadeiro. Mas
por que então incomoda ouvir dizer: “Tu não és homem” uma vez que, pelo que já
vimos, é uma verdade incontestável?
AGOSTINHO
– Por ser difícil evitar de
pensar que aquela conclusão – ao ouvirmos estas duas sílabas – não se relacione
com seu significado, pela regra de grande e natural valor, segundo a qual a nossa
atenção, ao ouvirmos os sinais, volta-se logo para as coisas significadas.
ADEODATO
– Aceito quando dizes.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)