Tempo Comum
Corpo
de Deus
Evangelho:
Lc 9, 11-17
11 Sabendo isto, as
multidões foram-n'O seguindo. E as recebeu, falou-lhes do reino de Deus e curou
os que necessitavam de cura. 12 Ora o dia começava a declinar.
Aproximando-se d'Ele os doze, disseram-Lhe: «Despede as multidões, para que,
indo pelas aldeias e herdades circunvizinhas, se alberguem e encontrem que
comer, porque aqui estamos num lugar deserto». 13 Ele
respondeu-lhes: «Dai-lhes vós de comer». Eles disseram: «Não temos mais do que
cinco pães e dois peixes, a não ser que vamos comprar mantimento para toda esta
multidão». 14 Pois eram quase cinco mil homens. Então disse aos
discípulos: «Mandai-os sentar divididos em grupos de cinquenta». 15
Eles assim fizeram, e mandaram-nos sentar a todos. 16 Tendo tomado
os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, pronunciou sobre eles
a bênção, partiu-os e distribuiu-os aos Seus discípulos, para que os servissem
à multidão. 17 Comeram todos e ficaram saciados. E recolheram do que
sobrou doze cestos de fragmentos.
Comentário:
Também hoje, as multidões seguem Jesus.
De muitas formas, peregrinações, caminhadas para santuários,
cerimónias litúrgicas multitudinárias as pessoas procuram Jesus, querem estar o
mais possível perto dele, não tendo em conta que, Ele está sempre ao pé de nós.
E porque O procuramos com tanta persistência?
O que queremos dele?
O que esperamos encontrar?
Todos e cada um de nós tem as respostas a estas perguntas, a sua
resposta particular à sua própria pergunta.
Mas, nesta variedade imensa há sem dúvida algo que nos une a todos: a
confiança, a esperança e o amor.
Sim!
Confiança nele, esperança que Ele nos atenda o que Lhe pedimos e,
finalmente, retribuir-lhe o melhor que podermos o imenso amor que tem por nós.
(ama,
comentário sobre Lc 9, 11-17, 2013.06.02)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador
do céu e da terra"
CAPÍTULO QUARTO
"Creio em Deus" – Hoje
…/2
O jansenista Saint-Cyran, certa vez, exprimiu um
pensamento memorável, afirmando que a fé consiste numa série de paradoxos que
se conservam unidos pela graça. Exprimiu assim, no terreno da Teologia, uma ideia
que, na Física hodierna, integra o pensamento científico, como lei da
complementaridade. Torna-se mais e mais claro ao físico moderno que não podemos
compreender as realidades dadas, por exemplo: a estrutura da luz ou da matéria
em geral, numa única forma de experiência, nem, por conseguinte, podemos
representá-los numa única forma de axioma, pois não conseguimos senão
captar, focalizando de vários lados, e de cada vez, um aspecto, que não estamos
em condições de reduzir a outro. Reunidos ambos – por exemplo, a estrutura
corpuscular e a onda – hão de ser considerados como um avanço preliminar ao
conjunto, sem que se possa descobrir um ponto de vista que abranja tudo, que,
como tal, não nos é acessível globalmente por causa da limitação do nosso ponto
de referência. O que se dá na esfera da Física, como consequência da limitação
de nossa capacidade visual, vale em proporção incomparàvelmente maior, no que
respeita às realidades espirituais e a Deus. Também neste terreno somos capazes
apenas de focalizar um único lado e perceber de cada vez um único aspecto,
que parece contradizer outros, mas que, apesar disto, poderá constituir uma
indicação na direcção do todo, porém com a condição indispensável de ficar unido
aos demais elementos que não podem ser compreendidos nem expressos. Somente por
circunlóquios, por percepção e afirmação de diversos aspectos, aparentemente
contraditórios, conseguimos apontar para a verdade que, não obstante, jamais se
nos torna patente em sua totalidade.
Quiçá o pensamento da Física moderna nos forneça
algum subsídio melhor do que a Filosofia aristotélica. A Física actual sabe que
se pode falar sobre a estrutura da matéria apenas pela confrontação de variadas
estimativas. Sabe que o resultado da pesquisa da natureza depende cada vez mais
do respectivo ponto de vista do observador. Porque não poderíamos também nós
compreender, de modo completamente novo, a partir daqui, que na pesquisa de
Deus não cumpre buscar um conceito último do ser, envolvente da totalidade, mas
deveríamos estar dispostos a enfrentar e aceitar uma multiplicidade de aspectos
dependentes do ponto de observação, que, em última análise, não podemos
contemplar, mas aceitar uns dos outros, sem contribuir com o elemento último
para a expressão? Encontramos aqui a complementaridade oculta de fé e
pensamento moderno. A Física moderna, ultrapassando a estrutura da Lógica
aristotélica, pensa assim, e isto já é resultado da nova dimensão aberta pela
Teologia cristã, da sua necessidade de pensar em complementaridade.
Quero ainda lembrar em poucas palavras dois outros
subsídios da Física. E. Schrödinger definiu a estrutura da matéria como
"embrulhos de ondas" (ou "pacotes de ondas"), apresentando
assim a ideia de um ser não substancioso, mas puramente activo, cuja
"substancialidade" aparente, de facto, resulta da estrutura móvel de
ondas sobrepostas. No domínio da matéria uma proposta assim devia ser altamente
vulnerável fisicamente e, em todo caso, filosoficamente. Mas, continua sendo um
símile excitante da actualitas divina, do acto puro de Deus e do facto
de o mais compacto dos seres – Deus – só poder afirmar-se numa pluralidade de
relações que não são substância, não passando de "ondas", conseguindo
Deus apresentar um todo completamente uno, formando totalmente a plenitude do
ser. Mais tarde teremos de submeter a uma análise detalhada esta ideia, já
apresentada, quanto ao sentido, por Agostinho ao desenvolver o conceito de
Ato-Existência (do tal "pacote de ondas").
Seja feita ainda uma referência a um subsídio
mental das ciências naturais: sabemos que, na experiência física, o próprio
observador se inclui na experiência, sendo este o único caminho para alcançar o
conhecimento desejado. Isto significa que nem na própria Física existe objectividade
em estado puro, que também aqui o resultado da experiência, a resposta da
natureza, depende da pergunta que lhe é feita. Na resposta inclui-se sempre uma
parcela da pergunta e do pesquisador; ela espelha não só a natureza no que ela
é em si, em pura objectividade, mas reproduz também algo do homem, do que lhe é
peculiar, uma parcela do sujeito humano. Com as respectivas modificações, esta
norma vale aplicada ao problema religioso. Não existe o mero observador. Não há
objectividade pura. Pode-se dizer: quanto mais elevada a posição de um objecto
em relação ao homem, quanto mais tal objecto penetra no centro do que é nosso,
comprometendo o próprio observador, tanto menos possível é o completo
distanciar-se da objectividade pura. Portanto, onde quer que se apresente uma
resposta como objectiva e desapaixonada, como declaração que, afinal,
ultrapassa as piedosas prevenções, explicando tudo com científica objectividade:
forçoso se torna dizer que o próprio sujeito se tornou vítima de um logro. Tal
espécie de objectividade não é acessível ao homem. Ele não pode pesquisar e
existir como simples observador. Quem tenta ser mero observador não descobre
nada. Também a realidade "Deus" pode ser focalizada somente por quem
se incluir na experiência com Deus – experiência que denominamos fé. Só
entrando, consegue-se saber; só participando da experiência, se consegue
perguntar; e só quem pergunta, recebe resposta.
Pascal exprimiu isto em seu famoso argumento da
aposta, com uma clareza quase monstruosa e com uma agudeza que chega a roçar as
raias do suportável. O debate com o parceiro incrédulo atingiu um ponto em que
ele reconhece dever decidir-se por Deus. Mas gostaria de evitar o salto, de
possuir uma clareza matemática: "Não existirá algum meio de iluminar a
treva e suspender a incerteza do jogo?" "Sim, há um meio e mais de
um: a Sagrada Escritura e todos os outros argumentos em favor da
religião". "Mas, tenho as mãos atadas, os lábios mudos... O meu
feitio é assim, não posso crer. Que fazer?" "'Então confessa que a
impossibilidade de sua fé não se origina da razão; pelo contrário: a razão
conduz à fé; portanto, a sua recusa tem outro motivo. Por isso não adianta
convencê-lo mais ainda, mediante um amontoado de provas da existência de Deus;
antes de tudo, impõe-se que combata as suas paixões. Deseja alcançar a fé e não
conhece o caminho? Quer ficar curado da descrença e não conhece o remédio?
Aprenda daqueles que, outrora, foram acossados por dúvidas, como no seu caso...
Imite-lhes o proceder, faça tudo o que a fé exige, como se já fosse crente. Frequente
a Missa, use água benta, etc. Isto, certamente, o fará humilde e o conduzirá à
fé".
Em todo caso, neste texto singular há um elemento
certo: a simples curiosidade neutra do espírito, que quer conservar-se fora do
jogo, jamais deixará enxergar – já em relação a outro homem e muito mais em
relação a Deus. A experiência com Deus não se realiza sem o homem.
Como na Física e até em grau maior, vale também
para o nosso caso a norma: quem aceita a experiência da fé, recebe uma resposta
que não é mero reflexo de Deus, mas a mesma pergunta, com e através da refracção
do próprio homem, nos faz saber algo de Deus. Também as fórmulas dogmáticas –
por exemplo: "uma natureza em três pessoas" – incluem essa refracção
do humano. No nosso exemplo, elas espelham o homem dos fins da Idade Antiga, a
pesquisar e a experimentar com as categorias do seu tempo, encontrando nelas a
sua localização como interrogador. Aliás, temos ainda de dar um passo adiante:
a possibilidade de perguntar e de experimentar é-nos concedida pelo facto de se
ter introduzido na experiência o próprio Deus, de ter ele entrado nela como
Homem. Pela refracção desse único Homem podemos captar mais do que o simples
homem; nele, que é Homem e Deus, Deus revelou-se como homem, deixando-se
experimentar no homem.
2. Interpretação positiva
A delimitação da doutrina trinitária no sentido de
uma Teologia negativa, que acreditamos ter exposto no que até agora se disse,
não pode significar que as suas fórmulas permanecem como afirmações
impenetráveis e como complexos verbais vazios de sentido. Podem e devem ser
compreendidas como declarações que têm sentido, que, no entanto, representam
indicações no rumo do indizível e não o seu encaixe, o seu entrosamento no
nosso mundo conceitual. Este carácter indicativo das fórmulas da fé deve
receber um derradeiro esclarecimento em três teses, à guisa de encerramento das
considerações sobre a doutrina trinitária.
1ª.Tese: O paradoxo: "Una essentia tres personæ – uma natureza em três pessoas" está
subordinado, como problema, ao proto-sentido de unidade e multiplicidade.
O que se pretende dizer tornar-se-á facilmente
compreensível, se lançarmos um olhar atrás dos bastidores do pensamento grego
anterior a Cristo, do qual a fé cristã no Deus uno e trino se destaca. Para a
mentalidade antiga só a unidade é divina; a multiplicidade conota algo de
secundário, sendo consequência do desmoronamento da unidade. A pluralidade
origina-se na decomposição da unidade, e para ela tende. A confissão cristã de
Deus como trino, como o que é, simultaneamente, a "monas" e a "trias",
a unidade simplesmente e a plenitude, denota a convicção de que a divindade se
localiza para além das nossas categorias de multiplicidade e unidade. Por mais
que, para o não-divino, ela seja uma e única, representando com exclusividade o
divino em oposição a tudo que não é divino, na mesma proporção ela é, em si
mesma, plenitude e multiplicidade, de modo que a unidade e a pluralidade das
criaturas, ambas, na mesma medida, são imagem e participação no divino. Não só
a unidade é divina, também a multiplicidade é algo primitivo, tendo no próprio
Deus o seu fundamento intrínseco. Multiplicidade não é apenas ruína originar-se
fora da divindade; ela começa não só pela intervenção da "dyas", da
rachadura, da fenda; não é resultado do dualismo de duas forças antagónicas,
mas corresponde à plenitude criativa de Deus que, pairando acima da unidade e
da pluralidade, a ambas envolve. Por conseguinte, só com a fé trinitária a
reconhecer o plural na unidade de Deus se conseguiu eliminar definitivamente o
dualismo como princípio esclarecedor da unidade ao lado da multiplicidade. Só
por essa fé se fundamentou definitivamente a valorização positiva do plural.
Deus está acima do singular e do plural. Ele ultrapassa a ambos.
Há uma consequência a tirar daqui. A unidade máxima
para quem crê em Deus, como uno e trino, não é a unidade da rígida imobilidade
monótona. Portanto, o modelo da unidade a ser visado como ideal não é a
indivisibilidade do átomo, a menor das unidades, não susceptível de divisão; o
protótipo mais elevado da unidade é a unidade que desabrocha do amor. A
pluri-unidade que floresce no amor é mais radical, mais verdadeira do que a
unidade do "átomo".
2ª. Tese: O paradoxo: "Una essentia tres personæ" existe em função do conceito de
pessoa e deve ser interpretado como implicação interna da ideia de pessoa.
Reconhecendo a Deus, sentido criativo, como pessoa,
a fé cristã vê nele inteligência, palavra, amor. A confissão de Deus como
pessoa necessariamente inclui, a seguir, o reconhecimento de Deus como relação,
como pronunciável, como fecundidade. Não poderia ser pessoa o que é
simplesmente uno, irrelacionado e irrelacionável. Não existe pessoa na unidade
absoluta. Aliás isto já se dá nos vocábulos com que o conceito de pessoa
cresceu. O grego prósopon, literalmente: "olhar", com a
partícula pros = para, inclui a relação como seu constitutivo. Dá-se o
mesmo com o latim persona (e o português: pessoa): per-sonare: soar
através, fazer-se ouvir através, a exprimir capacidade de falar, de dialogar,
de manifestar-se. Por outras palavras: se o absoluto é pessoa, não é absoluta
unidade, porquanto a ultrapassagem da unidade está incluída necessariamente no
conceito de pessoa. Ao mesmo tempo, contudo, somos forçados a reconhecer que a
confissão de que Deus é pessoa na modalidade da trindade, supera e vence
qualquer conceito simplório e antropomórfico de pessoa. Revela-nos, como que em
forma de sigla, que a personalidade divina supera infinitamente o modo humano
de ser pessoa, de modo que a ideia de pessoa, por mais rico que seja o seu
conteúdo revela-se como símile insuficiente.
(cont)
joseph
ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)