São Josemaria Escrivá
Cristo que passa 150 a 154
150
Hoje, festa do Corpo de
Deus, meditamos juntos a profundidade do Amor do Senhor, que o levou a ficar
oculto sob das espécies sacramentais, e é como se ouvíssemos, fisicamente,
aqueles seus ensinamentos à multidão: Eis que o semeador saiu a semear. E,
quando semeava, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, e vieram as aves
do céu e comeram-na. Outra parte caiu em lugar pedregoso, onde havia pouca
terra; e logo nasceu porque estava à superfície; mas, saindo o sol, queimou-se
e, porque não tinha raiz, secou. Outra parte caiu entre os espinhos, e os
espinhos cresceram e sufocaram-na. Outra parte caiu em boa terra e frutificou;
uns grãos renderam cem por um, outros sessenta, outros trinta.
A cena é actual.
O semeador divino lança
agora, também, a sua semente.
A obra da salvação
continua a cumprir-se e o Senhor quer servir-se de nós: deseja que nós, os
cristãos, abramos ao seu amor todos os caminhos da Terra; convida-nos a
propagar a mensagem divina, com a doutrina e com o exemplo, até aos últimos
recantos do mundo. Pede-nos que, sendo cidadãos da sociedade eclesial e da
civil, ao desempenhar com fidelidade os nossos deveres, sejamos cada um outro
Cristo, santificando o trabalho profissional e as obrigações do próprio estado.
Se olharmos à nossa volta,
para este mundo que amamos porque foi feito por Deus, dar-nos-emos conta de que
se verifica a parábola: a palavra de Jesus Cristo é fecunda, suscita em muitas
almas desejos de entrega e de fidelidade.
A vida e o comportamento
dos que servem a Deus mudaram a história, e inclusivamente muitos dos que não
conhecem o Senhor regem-se - talvez sem sequer o advertirem - por ideais
nascidos do Cristianismo.
Vemos também que parte da
semente cai em terra estéril, ou entre espinhos e abrolhos: há corações que se
fecham à luz da fé.
Os ideais de paz, de
reconciliação, de fraternidade, são aceites e proclamados, mas - não poucas
vezes - são desmentidos com os factos. Alguns homens empenham-se inutilmente em
afogar a voz de Deus, impedindo a sua difusão com a força bruta ou então com
uma arma, menos ruidosa, mas talvez mais cruel, porque insensibiliza o
espírito: a indiferença.
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O pão da vida eterna
Agradar-me-ia que, ao
considerar tudo isto, tomássemos consciência da nossa missão de cristãos,
voltássemos os olhos para a Sagrada Eucaristia, para Jesus que, presente entre
nós, nos constituiu seus membros: vos estis corpus Christi et membra de membro,
vós sois o corpo de Cristo e membros unidos a outros membros.
O nosso Deus decidiu ficar
no Sacrário para nos alimentar, para nos fortalecer, para nos divinizar, para
dar eficácia ao nosso trabalho e ao nosso esforço.
Jesus é simultaneamente o
semeador, a semente e o fruto da sementeira: o Pão da vida eterna.
Este milagre,
continuamente renovado, da Sagrada Eucaristia, encerra todas as características
do modo de agir de Jesus.
Perfeito Deus e perfeito
homem, Senhor dos Céus e da Terra, oferece-Se-nos como sustento, da maneira
mais natural e corrente.
Assim espera o nosso amor,
desde há quase dois mil anos.
É muito tempo e não é
muito tempo; porque, quando há amor, os dias voam.
Vem-me à memória uma
encantadora poesia galega, uma das cantigas de Afonso X, o Sábio.
É a lenda de um monge que,
na sua simplicidade, suplicou a Santa Maria que o deixasse contemplar o céu,
ainda que fosse só por um instante.
A Virgem acolheu o seu
desejo, e o bom monge foi levado ao Paraíso. Quando regressou, não reconhecia
nenhum dos moradores do mosteiro: a sua oração, que lhe tinha parecido
brevíssima, tinha durado três séculos.
Três séculos não são nada,
para um coração que ama.
Assim compreendo eu esses
dois mil anos de espera do Senhor na Eucaristia.
É a espera de Deus, que
ama os homens, que nos procura, que nos quer tal como somos - limitados,
egoístas, inconstantes - mas com capacidade para descobrirmos o seu carinho
infinito e para nos entregarmos inteiramente a Ele.
Por amor e para nos
ensinar a amar, veio Jesus à Terra e ficou entre nós na Eucaristia.
Como tivesse amado os seus
que viviam no mundo, amou-os até ao fim; com estas palavras começa S. João a
narração do que sucedeu naquela véspera da Páscoa, em que Jesus - refere-nos S.
Paulo - tomou o pão, e dando graças, o partiu, e disse: Tomai e comei; isto é o
meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Igualmente
também, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo
testamento do meu sangue; fazei isto em memória de mim todas as vezes que o
beberdes.
152
Uma vida nova
É o momento simples e
solene da instituição do Novo Testamento. Jesus derroga a antiga economia da
Lei e revela-nos que Ele próprio será o conteúdo da nossa oração e da nossa
vida.
Vede a alegria que inunda
a liturgia de hoje: seja o louvor pleno, sonoro, alegre.
É o júbilo cristão que
canta a chegada de outro tempo: terminou a antiga Páscoa, inicia-se a nova.
O velho é substituído pelo
novo, a verdade e faz com que a sombra desapareça, a noite é iluminada pela
luz.
Milagre de amor.
Este é verdadeiramente o
pão dos filhos; o Primogénito do Pai Eterno, oferece-Se-nos como alimento.
E o mesmo Jesus Cristo,
que aqui nos robustece, espera-nos no Céu como comensais, co-herdeiros e
sócios, porque os que se alimentam de Cristo morrerão com a morte terrena e
temporal, mas viverão eternamente, porque Cristo é a vida que não termina.
A felicidade eterna, para
o cristão que se conforta com o maná definitivo da Eucaristia, começa já agora.
Passou o que era velho:
deixemos de lado tudo o que é caduco, seja tudo novo para nós - os corações, as
palavras e as obras.
Esta é a Boa Nova. É
novidade, notícia, porque nos fala de uma profundidade de Amor, de que antes
não suspeitávamos.
É boa, porque nada é
melhor do que unir-nos intimamente a Deus, Bem de todos os bens.
É a Boa Nova, porque, de
alguma maneira e de um modo indescritível, nos antecipa a eternidade.
153
Tratar com Jesus na
palavra e no pão
Jesus esconde-se no
Santíssimo Sacramento do altar, para que nos atrevamos a tratar com ele, para
ser o nosso sustento, com o fim de que nos façamos uma só coisa com Ele.
Ao dizer sem mim nada
podeis, não condenou o cristão à ineficácia, nem o obrigou a uma busca árdua e
difícil da sua Pessoa; ficou entre nós com uma disponibilidade total.
Quando nos reunimos junto
do altar enquanto se celebra o Santo Sacrifício da Missa, quando contemplamos a
Hóstia Sagrada exposta na custódia ou a adoramos escondida no Sacrário, devemos
reavivar a nossa fé, pensando nessa existência nova, que vem a nós, e
comover-nos com o carinho e a ternura de Deus.
E perseveravam todos na
doutrina dos Apóstolos, e na comum fracção do pão, e nas orações.
É assim que a Escritura
nos descreve a conduta dos primeiros cristãos: congregados pela fé dos
Apóstolos em perfeita unidade, a participarem da Eucaristia, unânimes na
oração. Fé, Pão, Palavra.
Jesus, na Eucaristia, é
penhor seguro da sua presença nas nossas almas; do seu poder, que sustenta o
mundo; das suas promessas de salvação, que ajudarão a que a família humana,
quando chegar o fim dos tempos, habite perpetuamente na casa do Céu, em torno
de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo:
Santíssima Trindade, Deus
único.
É toda a nossa fé que se
põe em acto quando cremos em Jesus, na sua presença real sob os acidentes do
pão e do vinho.
154
Não compreendo como se
possa viver cristãmente sem sentir a necessidade de uma amizade constante com
Jesus na Palavra e no Pão, na oração e na Eucaristia.
E entendo perfeitamente
que, ao longo dos séculos, as sucessivas gerações de fiéis tenham vindo a
concretizar essa piedade eucarística.
Umas vezes com práticas
multitudinárias, professando publicamente a sua fé; outras, com gestos
silenciosos e calados, na sagrada paz do templo ou na intimidade do coração.
Antes de mais, devemos amar
a Santa Missa, que deve ser o centro do nosso dia.
Se vivemos bem a Missa,
como não havemos depois de continuar o resto da jornada com o pensamento no
Senhor, com o desejo ardente de não nos afastarmos da sua presença, para
trabalhar como Ele trabalhava e amar como Ele amava?
Aprendemos então a
agradecer ao Senhor essa sua outra delicadeza: não quis limitar a sua presença
ao momento do Sacrifício do Altar, mas decidiu permanecer na Hóstia Santa que
se reserva no Tabernáculo, no Sacrário.
Dir-vos-ei que, para mim,
o Sacrário foi sempre Betânia, o lugar tranquilo e aprazível onde está Cristo,
onde Lhe podemos contar as nossas preocupações, os nossos sofrimentos, as
nossas aspirações e as nossas alegrias, com a mesma simplicidade e naturalidade
com que aqueles seus amigos Marta, Maria e Lázaro lhe falavam.
Por isso, ao percorrer as
ruas de alguma cidade ou de alguma aldeia, alegra-me descobrir, ainda que ao
longe, a silhueta duma igreja: é um novo Sacrário, mais uma ocasião para deixar
a alma escapar-se para estar, em desejo, junto do Senhor Sacramentado.
(cont)