Quarta-Feira
(Coisas muito simples, curtas, objectivas)
Propósito: Simplicidade e modéstia.
Senhor,
ajuda-me a ser simples, a despir-me da minha “importância”, a ser contido no
meu comportamento e nos meus desejos, deixando-me de quimeras e sonhos de
grandeza e proeminência.
Lembrar-me: Do meu Anjo da Guarda.
Senhor,
ajuda-me a lembrar-me do meu Anjo da Guarda, que eu não despreze companhia tão
excelente. Ele está sempre a meu lado, vela por mim, alegra-se com as minhas
alegrias e entristece-se com as minhas faltas.
Anjo
da minha Guarda, perdoa-me a falta de correspondência ao teu interesse e
protecção, a tua disponibilidade permanente. Perdoa-me ser tão mesquinho na
retribuição de tantos favores recebidos.
Pequeno
exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?
LEITURA ESPIRITUAL
Evangelho
Jo XIV, 1-31
Jesus, caminho para o Pai
1 Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede
também em mim. 2 Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como
teria dito Eu que vos vou preparar um lugar? 3 E quando Eu tiver ido e vos tiver
preparado lugar, virei novamente e hei-de levar-vos para junto de mim, a fim de
que, onde Eu estou, vós estejais também. 4 E, para onde Eu vou, vós sabeis o
caminho.» 5 Disse-lhe Tomé: «Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos
nós saber o caminho?» 6 Jesus respondeu-lhe: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a
Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim. 7 Se ficastes a conhecer-me,
conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo.» 8
Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» 9 Jesus
disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer,
Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'?
10 Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim? As coisas que Eu vos digo
não as manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim, realiza as suas
obras. 11 Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim; crede, ao menos, por
causa dessas mesmas obras. 12 Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim
também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque
Eu vou para o Pai, 13 e o que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no
Filho, se manifeste a glória do Pai. 14 Se me pedirdes alguma coisa em meu
nome, Eu o farei.»
Primeira promessa do Espírito
15 «Se me tendes amor, cumprireis os meus mandamentos, 16 e
Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito para que esteja sempre
convosco, 17 o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o
vê nem o conhece; vós é que o conheceis, porque permanece junto de vós, e está
em vós.»
Jesus promete voltar
18 «Não vos deixarei órfãos; Eu voltarei a vós! 19 Ainda um
pouco e o mundo já não me verá; vós é que me vereis, pois Eu vivo e vós também
haveis de viver. 20 Nesse dia, compreendereis que Eu estou no meu Pai, e vós em
mim, e Eu em vós. 21 Quem recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me
tem amor; e quem me tiver amor será amado por meu Pai, e Eu o amarei e hei-de
manifestar-me a ele.» 22 Perguntou-lhe Judas, não o Iscariotes: «Porque te
hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?» 23 Respondeu-lhe
Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o
amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. 24 Quem não me tem amor não
guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do Pai, que
me enviou.»
Segunda promessa do Espírito
25 «Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido
convosco; 26 mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome,
esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.»
Jesus deixa a sua paz
27 «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o
mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. 28 Ouvistes
o que Eu vos disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis
de alegrar-vos por Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. 29 Digo-vo-lo
agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer. 30 Já não
falarei muito convosco, pois está a chegar o dominador deste mundo; ele nada
pode contra mim, 31 mas o mundo tem de saber que Eu amo o Pai e actuo como o
Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui!»
Comentário
O Senhor voltou para o Céu para, como diz, preparar
uma morada para cada um de nós. E que morada será? Preparada pelo próprio Jesus
Cristo, Deus e Irmão nosso, deve ser tão excelente e extraordinária que não
pudemos sequer imaginar. Como não fazer quanto estiver ao nosso alcance para
conquistar o direito habitá-la? Pelo que Jesus nos diz, podemos inferir que, na
Vida Eterna, ocuparemos um lugar determinado. Tal é difícil de entender já que
os espíritos, ou Corpos Gloriosos, não ocupam nem lugar nem espaço e, a Vida
eterna não é de facto um espaço, um lugar, mas uma “situação”, um “estado” que
consiste na contemplação – e gozo – da Face de Deus. Mas – e sempre pensando
humanamente, única forma possível – não custa entender que haverá santos – e
todos na vida eterna são santos – diferentes não na importância, mas na
categoria específica que não gozarão nem mais nem menos que os outros, mas que,
de alguma forma se destacam. Parece-me muitíssimo justo! Por exemplo, São José,
que na terra fez as vezes de Pai de Cristo, não “merecerá” esse destaque de que
falei? Como explicar? Não eu, decerto, mas haverá um momento – pelo qual mal -
posso esperar, em que tudo se tornará claro e cristalino e ficaremos abismados
com a simplicidade da grandeza e glória eternas. Sabemos, evidentemente, que a
vida eterna é um mistério para nós, enquanto neste mundo, impenetrável. Mas
nada nos coíbe – eu diria até que nos convém muito – pensar não com o objectivo
de decifrar ou compreender totalmente mas sim de nos aproximar-nos cada vez
mais de algo que, também cada vez mais, estará próximo. Jesus Cristo fala-nos
da vida eterna, fala-nos das moradas que terá preparadas para cada um, do lugar
específico que nos tem reservado. Eu, pessoalmente, entendo isto, como uma
definição suprema da Ordem divina. Ou seja, que a vida eterna não é algo
informe e amálgamo onde estarão mais ou menos amontoados, como num “depósito”,
os santos que alcançam o Céu. Não faria qualquer sentido pensar o que O Senhor
que nos conhece pelo nosso nome desde o princípio de tudo o criado e que
oferece a Sua Vida por cada um em particular, nos deixasse como que abandonados
– felizes, embora – uma vez alcançado o que nos prometeu como prémio. O Amor
que se viverá na vida eterna será de tal forma absorvente, total, esmagador…
que não deixará espaço para nada mais, a nenhum sentimento, a nenhum desejo, a
nenhuma vontade. O Gozo do Amor de Deus completará totalmente a nossa vida na
eternidade.
Comove-nos a simplicidade dos apóstolos: quando não
entendem perguntam e não se importam que tal conste nos Evangelhos. Quão
diferente seria a nossa fé, a nossa relação com Deus sem estes exemplos
extraordinários! Deveríamos estar constantemente a perguntar porque, de facto,
o que sabemos é muito pouco, quase nada comparado com a grandeza de Deus a Quem
temos de conhecer cada vez melhor e mais intimamente. Filipe é o discípulo que
faz as perguntas cruciais… quando não entende pergunta. E os outros?
Entenderiam tudo? Não teriam dúvidas? Seguramente que sim embora não confessem
a sua necessidade de esclarecimento. Filipe demonstra, além disso, que de facto
ouve quanto o Mestre diz com extrema atenção não perdendo, por assim dizer,
nada dos discursos - por vezes longos - de Jesus. Tem a intuição que quanto
ouve lhe será necessário, sobretudo no futuro, quando tiver de transmitir a
outros ã palavras de Cristo. É no fim e ao cabo, aprender a Doutrina de modo
consciente e seguro. Faz perguntas repetidamente sem qualquer
receio de "desiludir" o Mestre com a sua ignorância ou dúvidas. Dá-nos
duas grandes lições: perguntar quando não se sabe; ser humilde para repetir as
perguntas até saber. Nós, cristãos de hoje, bem podemos agradecer a Filipe, não
só o exemplo mas as perguntas que fez que nos permitem, pelas respostas de
Jesus, saber e compreender o que então, para ele, não era nem claro nem
compreensível. O Espírito Santo, com o Seu Dom de Ciência, infunde em nós esses
conhecimentos básicos para a nossa fé porque, na verdade, esta fortalece-se
quando compreende e assim, também, o nosso Amor a Deus. Bem-aventurados
Apóstolos que nos deixaram um legado tão precioso.
Quem,
de “vistas curtas” considera que Jesus Cristo deveria ter uma linguagem menos
“enigmática”, clara e objectiva, não conhece, seguramente, este trecho do
Evangelho escrito por São João. Pode ser-se mais claro e objectivo? Jesus
Cristo, uma vez mais, revela tudo sobre Si mesmo e sobre a Sua missão.
Não deixa que fique a pairar qualquer dúvida ou incompreensão. Temos, nós,
homens de hoje, a felicidade de conhecer pelo testemunho dos Apóstolos, Quem de
facto é o Senhor. Aprofundemos o nosso conhecimento, peçamos ao Espírito Santo
que nos ilumine de forma a não existir em nós a menor dúvida. Aconselhemo-nos
na direcção espiritual que livros ler, que informação nos falta. Então, sim!
Poderemos dizer que seguimos Cristo porque O conhecemos e sabemos que Ele é, de
facto O Caminho que nos interessa andar, A Verdade que nos convém conhecer, A
Vida a que devemos aspirar.
Não tenho
qualquer dúvida em considerar o Evangelho escrito por São João como o Evangelho
do amor! Ele próprio, que foi amado por Jesus tão intensamente que lhe confiou
a Sua própria Mãe, sabe que o amor “move montanhas”, transforma os homens, se
na raiz da sociedade humana, trará a paz, a concórdia o bem comum. Sabe muito
bem que ao retribuir o amor que Deus nos tem, estamos a fazer, não só um acto
de justiça, “amor com amor se paga”, mas a assegurar a nossa vida em Deus e
para Deus.
A
parábola – conhecida como a dos “talentos”, tem merecido comentários e
meditações por grandes vultos da Igreja, Teólogos e Santos. É de tal forma
“complicada) – à primeira leitura, claro – que podemos ter a visão como que
toldada para nos apercebermos da simplicidade e lógica de todo o texto. Eu
penso que a “chave” está aqui: Distribuiu os talentos «a cada qual conforme a sua capacidade». O Senhor, sabemo-lo muito bem –
não faz acepção de pessoas e, para Ele, todos os homens – absolutamente – têm o
mesmo valor, a mesma dignidade, independentemente das suas capacidades
pessoais. Mas nunca pedirá contas por igual, exigindo uniformemente e sem
critério o mesmo retorno. Não! Pedirá contas – muito certas – conforme o que
cada um fez, como fez, ou, o que não fez e deveria ter feito.
Esta
afirmação de Jesus: «Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida», é o lema, o motivo, a essência da nossa vida de
cristãos. De facto, não há outro caminho porque, só este é o verdadeiro já que
é a Verdade - que é Cristo – que o indica; Bem como a vida verdadeira é a que
Ele próprio nos outorgou com a Sua Morte e Paixão na Cruz, redimindo-nos para
sempre, e com a Sua Ressurreição gloriosa convertendo-nos em filhos de Deus.
Que outra vida terá tal grandeza?
Talvez que nos ocorra, também a nós, fazer a mesma
pergunta que Judas. Parece que o Senhor não dá uma resposta concreta, mas, de
facto fá-lo iniludivelmente. A Sua Missão é muito clara e definida: Trazer a
salvação, resgatar a humanidade, instaurar o Reino de Deus no mundo. Explicar a
Fé e difundi-la competirá aos Seus seguidores que, devidamente assistidos pelo
Espírito Santo, levarão a toda a parte a Palavra de Deus. Portanto, este tempo
que vivemos depois da Ascensão ao Céu pelo Senhor, é o “Tempo do Espírito
Santo” cujos Sete Dons devemos pedir com insistência perseverante para sermos
capazes de levar por diante a tarefa que nos cabe levar a cabo.
A vida cristã que é seguir Cristo, pode resumir-se
numa palavra: AMOR! É o amor incomensurável de Deus pelos homens que os salva; É
o amor sem limites de Cristo que O leva a dar a Sua vida em resgate da
humanidade inteira; É o amor que leva o homem a conseguir a paz para si e para
os outros; Só o amor, autêntico – como é o Amor de Deus - torna a pessoa humana
digna de participar na vida eterna. Amar a Deus e amar os outros como a si
mesmo, eis, como bem sabemos, o primeiro Mandamento. Sem cumprir este, os
outros nove, não poderão cumprir-se.
Uma vez mais o Evangelista insiste no tema do amor. O
amor de Deus, o amor a Deus, o amor entre os homens.
E tem muita razão porque nunca será demais considerar que o amor conduz e guia
o homem para Deus e assegura uma sã convivência. Como viver sem amor? Felizmente
a maior parte de nós não imaginamos sequer o que possa ser mas, na verdade, há
épocas, circunstâncias e sociedades onde parece não existir. O resultado, as
consequências são bem evidentes: as guerras e lutas sem tréguas ou limites, os
genocídios e violências de toda a ordem que grassam num crescendo imparável.
O mundo não pode conhecer nem receber o Espírito
Santo, segundo as próprias palavras do Senhor, porque não O vê! Nós também não
O vimos mas não precisamos para acreditar porque temos Fé. O Dom mais precioso
que Deus outorga aos homens e o grande triunfo do Reino de Deus, a Fé
concede-nos, permite-nos o que por nós próprios nunca conseguiríamos: Amar
Deus, conhecer o Seu Amor por nós e gozarmos já nesta vida terrena dos Frutos e
dos Dons que o Espírito Santo nos concede.
Continua o discurso da despedida. As palavras de Jesus
devem ter pesado de maneira particular no espírito dos que O seguiam. Não
entendiam nem o verdadeiro alcance das mesmas, mas sentiram no seu íntimo que a
situação era delicada… senão grave.
O que quer o Senhor dizer com “dominador deste
mundo”'? Refere-se ao momento em que o demónio alcança uma vitória, para
ele, inesperada: a morte de Cristo na Cruz. Inesperada porque, de facto, só nos
derradeiros momentos saberá que Quem pende do madeiro é o Filho de Deus, até
então nunca o Senhor permitiu que tivesse absoluta certeza de Quem era e nem
sequer permitia que falasse. Por várias vezes tinha sido expulso e relegado
para fora do domínio dos homens e, naturalmente que teria - falando humanamente
- suspeitas, que aliás terão começado nas tentações no deserto quando Cristo o
despede: «está escrito não tentarás o Senhor teu Deus», mas nunca Jesus
lhe disse Eu Sou Cristo. No mistério da salvação dá-se esta luta por um domínio,
ou melhor, pela conservação de um domínio, que até então exercia, aliás não há
propriamente luta porque Jesus Cristo não combate o demónio, mas antes salva a
humanidade do seu domínio, ao instaurar o Reino de Deus, dá aos homens os meios
necessários e suficientes para negarem o demónio e as suas obras e optarem
definitivamente pela Salvação Eterna.
(AMA, 199)
SANTÍSSIMA VIRGEM
REDEMPTORIS MATER
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
SOBRE A BEM-AVENTURADA
VIRGEM MARIA
NA VIDA DA IGREJA
QUE ESTÁ A CAMINHO
Veneráveis Irmãos, caríssimos Filhos e
Filhas: saúde e Bênção Apostólica!
INTRODUÇÃO
PRIMEIRA PARTE
MARIA NO MISTÉRIO DE CRISTO
8.
Maria é introduzida no mistério de Cristo definitivamente mediante aquele
acontecimento que foi a Anunciação do Anjo. Esta deu-se em Nazaré, em
circunstâncias bem precisas da história de Israel, o povo que foi o primeiro
destinatário das promessas de Deus. O mensageiro divino diz à Virgem: «Salve, ó
cheia de graça, o Senhor é contigo» (Lc 1, 28).
Maria «perturbou-se e interrogava-se a si própria sobre o que significaria
aquela saudação» (Lc 1, 29): que sentido teriam todas
aquelas palavras extraordinárias, em particular, a expressão «cheia de graça»
(kecharitoméne).
Se
quisermos meditar juntamente com Maria em tais palavras e, especialmente, na
expressão «cheia de graça», podemos encontrar uma significativa
correspondência precisamente na passagem acima citada da Carta aos Efésios. E
se, depois do anúncio do mensageiro celeste, a Virgem de Nazaré é chamada
também a «bendita entre as mulheres» (cf. Lc 1, 42),
isso explica-se por causa daquela bênção com que “Deus Pai” nos cumulou “«no
alto dos céus, em Cristo”. É uma bênção espiritual, que se refere a todos
os homens e traz em si mesma a plenitude e a universalidade (“toda a sorte
de bênçãos”), tal como brota do amor que, no Espírito Santo, une ao Pai o
Filho consubstancial. Ao mesmo tempo, trata-se de uma bênção derramada por obra
de Jesus Cristo na história humana até ao fim: sobre todos os homens. Mas esta
bênção refere-se a Maria em medida especial e excepcional: ela, de facto, foi
saudada por Isabel como «a bendita entre as mulheres.
O
motivo desta dupla saudação, portanto, está no facto de se ter manifestado na
alma desta “filha de Sião”, em certo sentido, toda a “magnificência da
graça”, daquela graça com que “o Pai ... nos tornou agradáveis em seu amado
Filho”. O mensageiro, efectivamente, saúda Maria como «cheia de graça»;
e chama-lhe assim, como se este fosse o seu verdadeiro nome. Não chama a sua
interlocutora com o nome que lhe é próprio segundo o registo terreno: «Miryam»
( = Maria); mas sim com este nome novo: «cheia de graça». E o que
significa este nome? Por que é que o Arcanjo chama desse modo à Virgem de
Nazaré?
Na
linguagem da Bíblia «graça» significa um dom especial, que, segundo o
Novo Testamento, tem a sua fonte na vida trinitária do próprio Deus, de Deus
que é amor (cf. 1 Jo 4, 8). É fruto deste amor a “eleição” ― aquela
eleição de que fala a Carta aos Efésios. Da parte de Deus esta “escolha” é a
eterna vontade de salvar o homem, mediante a participação na sua própria vida
divina (cf.
2 Pdr 1, 4) em Cristo: é a salvação pela participação na vida
sobrenatural. O efeito deste dom eterno, desta graça de eleição do homem por
parte de Deus, é como que um gérmen de santidade, ou como que uma nascente a
jorrar na alma do homem, qual dom do próprio Deus que, mediante a graça,
vivifica e santifica os eleitos. Desta forma se verifica, isto é, se torna
realidade aquela “bênção” do homem “com toda a sorte de bênçãos espirituais”,
aquele «ser seus filhos adoptivos ... em Cristo”, ou seja, n'Aquele que é desde
toda a eternidade o «Filho muito amado» do Pai.
Quando
lemos que o mensageiro diz a Maria «cheia de graça», o contexto
evangélico, no qual confluem revelações e promessas antigas, permite-nos
entender que aqui se trata de uma “bênção” singular entre todas as “bênçãos
espirituais em Cristo”. No mistério de Cristo, Maria está presente já «antes da
criação do mundo», como aquela a quem o Pai “escolheu” para Mãe do seu Filho na
Incarnação ― e, conjuntamente ao Pai, escolheu-a também o Filho, confiando-a
eternamente ao Espírito de santidade. Maria está unida a Cristo, de um modo
absolutamente especial e excepcional; e é amada neste «Filho muito amado»
desde toda a eternidade, neste Filho consubstancial ao Pai, no qual se
concentra toda “a magnificência da graça”. Ao mesmo tempo, porém, ela é e
permanece perfeitamente aberta para este “dom do Alto” (cf.
Tg 1, 17) Como ensina o Concílio, Maria “é a primeira entre os
humildes e os pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem d'Ele a
salvação”.
S. MATEUS, Apóstolo e Evangelista
FILOSOFIA
Doutrina sobre o mal
RESPONDO.
Deve dizer-se que, como o branco,
também o mal se diz de dois modos. Pois, de um modo, quando se diz branco, pode
entender-se o que é sujeito da brancura; por outro modo, branco diz-se do que é
branco enquanto branco, ou seja, do acidente mesmo. E, semelhantemente, o mal
pode entender-se, de um modo, como o que é sujeito do mal, e neste sentido é
algo; de outro modo, pode-se entender como o próprio mal, e neste sentido não é
algo, mas sim a privação mesma de algum bem particular.
Para maior compreensão disto, é
preciso saber que propriamente o bem é algo enquanto é apetecível, pois,
segundo o Filósofo no livro I da Ética, definiram correctamente o bem os que
disseram ser o bem o que todas as coisas apetecem; mas o mal diz-se do que se
opõe ao bem, donde ser conveniente que o mal seja o que se opõe ao apetecível
enquanto tal. É impossível, todavia, que este seja algo, o que se manifesta por
três razões.
Em primeiro lugar, certamente, porque
o apetecível tem razão de fim; mas a ordem dos fins é, por assim dizer, também
a ordem dos agentes. Com efeito, na medida em que algum agente é mais elevado e
mais universal, nesta mesma medida também o fim por que atua é um bem mais
universal, pois todo e qualquer agente atua por um fim e por algum bem; e isto
se mostra, patentemente, nas coisas humanas. Sim, porque o governante de uma
cidade tende a um bem particular, que é o bem da cidade. Mas o rei, que é
superior a ele, tende a um bem universal, a saber: a paz do reino todo. Logo,
não sendo próprio das causas agentes proceder ao infinito, sendo porém
necessário chegar a uma primeira coisa que seja causa universal do ser, é
necessário, além disso, que seja um bem universal a que se reduzam todos os
bens; e este não pode ser outro senão aquele mesmo que é agente primeiro e
universal; porque todas as vezes que o apetecível move o apetite, sendo
necessário, por outro lado, que o primeiro motor não seja movido, é necessário
que o apetecível primeiro e universal seja o bem primeiro e universal, que se
ocupa de todas as coisas por causa do seu próprio apetite. Logo, assim como é
necessário que tudo quanto há nas coisas proceda de uma causa primeira e
universal de ser, assim também é necessário que tudo quanto há nas coisas
proceda de um bem primeiro e universal. Ora, o que procede do bem primeiro e
universal não pode ser senão, unicamente, um bem particular, assim como o que
procede da causa primeira e universal de ser é algum ente particular. Logo, é
necessário que tudo quanto é algo nas coisas seja algum bem particular, donde não
poder, pelo fato mesmo de ser, opor-se ao bem. Razão por que não cabe afirmar
senão que o mal enquanto mal não é algo nas coisas, mas é privação de algum bem
particular, que inere a algum bem particular.
Em segundo lugar, também isto é
evidente, porque tudo quanto há nas coisas possui alguma tendência para aquilo
que lhe convém e o desejo natural dele. Ora, o que tem razão de apetecível tem
razão de bem. Logo, tudo quanto há nas coisas convém com algum bem. O mal
enquanto tal, todavia, não convém com o bem, mas opõe-se a ele. Logo, o mal não
é algo nas coisas. Além do mais, se o mal fosse algo, não apeteceria nem seria
apetecido por nada mais, e, por conseguinte, não teria nenhuma ação nem
movimento, dado que nada actua nem se move senão por causa do apetite do fim.
Em terceiro lugar, patenteia-se a
mesma coisa pelo facto de que o próprio ser tem, sobretudo, razão de
apetecível; donde constatarmos que a cada coisa apetece naturalmente conservar
o seu ser: por um lado, afasta-se das coisas destrutivas do seu ser, e, por
outro, resiste a elas na medida das suas possibilidades. Assim, o próprio ser,
enquanto apetecível, é bom. Logo, é necessário que o mal, que se opõe
universalmente ao bem, se oponha, ademais, ao que é ser. O que porém é oposto
ao que é ser não pode ser algo
Digo, por conseguinte, que o mal não
é algo, embora aquilo a que suceda ser mau seja algo, uma vez que o mal não
priva senão de um bem particular; assim como o ser cego não é algo, ao passo
que aquele a que sucede o ser cego á algo.
(São Tomás de Aquino, De Malo, Q 1, Art 1)
REFLEXÃO
Espírito Santo
Há
quem chame ao Divino Espírito Santo "O Grande Desconhecido", penso
que tal se deve à falta de, por exemplo, homilias sobre a Terceira Pessoa da
Santíssima Trindade, pessoalmente não me recordo de alguma vez ter ouvido
alguma. Quantos verdadeiros cristãos conhecem os Dons e as Virtudes que o
Espírito Santo quer insinuar na nossa alma? E quantos Lhe pedem para receber
essas insinuações? Dos Dons... quantos sabem o significado do TEMOR DE DEUS? Urge
fazer apostolado sobre o tema, esclarecendo quanto possível o que de facto
representa a acção do Divino Espírito Santo nas nossas almas.
(AMA,
2021)
SÃO JOSEMARIA – textos
Um querer sem querer é o teu
Um querer
sem querer é o teu, enquanto não afastares decididamente a ocasião. – Não te
queiras iludir dizendo-me que és fraco. És... cobarde, o que não é o mesmo. (Caminho, 714)
O mundo,
o Demónio e a carne são uns aventureiros que, aproveitando-se da fraqueza do selvagem
que trazes dentro de ti, querem que, em troca do fictício brilho dum prazer –
que nada vale – lhes entregues o ouro fino e as pérolas e os brilhantes e os
rubis embebidos no Sangue vivo e redentor do teu Deus, que são o preço e o
tesouro da tua eternidade. (Caminho,
708)
Outra
queda..., e que queda!... Desesperar-te? Não; humilhar-te e recorrer, por
Maria, tua Mãe, ao Amor Misericordioso de Jesus. – Um "miserere" e, coração ao alto! – A
começar de novo. (Caminho,
711)
Bem fundo
caíste. – Começa os alicerces a partir daí. – Sê humilde. – "Cor contritum et humiliatum, Deus, non
despicies". – Não desprezará Deus um coração contrito e humilhado. (Caminho, 712)
Tu não
vais contra Deus. – As tuas quedas são de fragilidade. – Concordo. Mas são tão
frequentes essas fragilidades (não sabes evitá-las), que, se não queres que te
tenha por mau, hei-de ter-te por mau e tolo. (Caminho, 713)