Cartas
de São Paulo
Gálatas
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A liberdade cristã –
1 Foi para a liberdade que Cristo nos
libertou. Permanecei, pois, firmes, e não vos sujeiteis outra vez ao jugo da
escravidão. 2 Reparai, sou eu, Paulo, que vo-lo digo: se vos circuncidardes,
Cristo de nada vos servirá. 3 Uma vez mais o atesto a todo o homem que se
circuncida: fica obrigado a cumprir toda a Lei. 4 Tornastes-vos uns estranhos
para Cristo, vós os que pretendeis ser justificados pela Lei; abandonastes a
graça. 5 Porque nós, é em virtude da fé, pelo Espírito, que aguardamos a
justiça que esperamos. 6 Pois, em Cristo, nem a circuncisão vale alguma coisa,
nem a incircuncisão, mas sim a fé que actua pelo amor. 7 Corríeis bem. Quem foi
que vos deteve, impedindo-vos de obedecer à verdade? 8 Uma persuasão assim não
vem daquele que vos chama. 9 Um pouco de fermento faz fermentar toda a massa.
10 Eu, a respeito de vós, tenho confiança no Senhor, de que de maneira nenhuma
ireis pensar de outro modo. Mas quem vos perturba sofrerá a condenação, seja
ele quem for. 11 Quanto a mim, irmãos, se eu ainda prego a circuncisão, porque
sou ainda perseguido? 12 Acabou-se, portanto, o escândalo da cruz. Aqueles que
vos inquietam, o que eles deviam era castrar-se.
IV.
VIDA CRISTÃ, CAMINHO DE LIBERDADE
Livres no amor –
13 Irmãos, de facto, foi para a liberdade que
vós fostes chamados. Só que não deveis deixar que essa liberdade se torne numa
ocasião para os vossos apetites carnais. Pelo contrário: pelo amor, fazei-vos
servos uns dos outros. 14 É que toda a Lei se cumpre plenamente nesta única
palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo. 15 Mas, se vos mordeis e devorais
uns aos outros, cuidado, não sejais consumidos uns pelos outros.
Viver segundo o Espírito –
16 Mas eu digo-vos: caminhai no Espírito, e
não realizareis os apetites carnais. 17 Porque a carne deseja o que é contrário
ao Espírito, e o Espírito, o que é contrário à carne; são, de facto, realidades
que estão em conflito uma com a outra, de tal modo que aquilo que quereis, não
o fazeis. 18 Ora, se sois conduzidos pelo Espírito, não estais sob o domínio da
Lei. 19 Mas as obras da carne estão à vista. São estas: fornicação, impureza,
devassidão, 20 idolatria, feitiçaria, inimizades, contenda, ciúme, fúrias,
ambições, discórdias, partidarismos, 21 invejas, bebedeiras, orgias e coisas
semelhantes a estas. Sobre elas vos previno, como já preveni: os que praticarem
tais coisas não herdarão o Reino de Deus. 22 Por seu lado, é este o fruto do
Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, 23 mansidão,
auto-domínio. Contra tais coisas não há lei. 24 Mas os que são de Cristo Jesus
crucificaram a carne com as suas paixões e desejos. 25 Se vivemos no Espírito,
sigamos também o Espírito. 26 Não nos tornemos vaidosos, a provocar-nos uns aos
outros, a ser invejosos uns dos outros.
Amigos
de Deus
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Que importa tropeçar, se na dor da queda
encontramos a energia que nos levanta de novo e nos impulsiona a prosseguir com
renovado alento? Não esqueçais que santo não é o que não cai, mas o que se
levanta sempre, com humildade e com santa persistência. Se no livro dos
Provérbios se comenta que o justo cai sete vezes ao dia, tu e eu - pobres
criaturas - não nos devemos estranhar nem desalentar perante as misérias
pessoais, perante os nossos tropeços, porque continuaremos em frente, se
procurarmos a fortaleza n'Aquele que nos prometeu: Vinde a mim todos os que
andais cansados e oprimidos, que eu vos aliviarei. Obrigado, Senhor, quia tu
es, Deus, fortitudo mea, porque foste sempre Tu, e só Tu, meu Deus, a minha
fortaleza, o meu refúgio, o meu apoio.
Se verdadeiramente desejas progredir na
vida interior, sê humilde. Recorre constantemente, confiadamente, à ajuda do
Senhor e de sua Mãe bendita, que é também a tua Mãe. Com serenidade, tranquilo,
por muito que te doa a ferida ainda não sarada da tua última queda, abraça de
novo a cruz e diz: Senhor, com o teu auxílio lutarei para não parar,
responderei fielmente aos teus convites, sem temer as encostas íngremes, nem a
aparente monotonia do trabalho habitual, nem os cardos e pedras do caminho. Sei
que a tua misericórdia me assiste e que, no fim, acharei a felicidade eterna, a
alegria e o amor pelos séculos em fim.
Depois, durante o mesmo sonho, aquele
escritor descobria um terceiro itinerário: estreito, também semeado de
asperezas e encostas duras como o segundo. Por ali avançavam alguns no meio de
mil dificuldades com gesto solene e majestoso. Contudo, acabavam no mesmo
precipício horrível a que levava o primeiro caminho. É o caminho que percorrem
os hipócritas, os que não têm rectidão de intenção, os que se movem por um
falso zelo, os que pervertem as obras divinas ao misturá-las com egoísmos
temporais. É uma loucura lançar-se num empreendimento custoso com o fim de ser
admirado; guardar os Mandamentos de Deus à custa de um árduo esforço, mas
aspirar a uma recompensa terrena. Aquele que com o exercício das virtudes
pretende benefícios humanos é como o que faz um mau negócio, vendendo um
objecto precioso por poucas moedas: podia conquistar o Céu e, em contrapartida,
contenta-se com um louvor efémero... Por isso se diz que as esperanças dos
hipócritas são como a teia de aranha: tanto esforço para tecê-la e, no fim, o
vento da morte leva-a com um sopro.
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Com os olhos postos na meta
Se vos recordo estas verdades fortes, é
para vos convidar a examinar atentamente os motivos que impulsionam a vossa
conduta, com o fim de rectificardes o que necessite de rectificação, dirigindo
tudo ao serviço de Deus e dos vossos irmãos, os homens. Reparai que o Senhor
passou ao nosso lado, olhou-nos com carinho e chamou--nos com a sua vocação
santa, não pelas nossas obras mas pelo seu beneplácito e com a graça que nos
foi dada em Jesus Cristo antes de todos os séculos.
Purificai a intenção, ocupai-vos de
todas as coisas por amor a Deus, abraçando com alegria a cruz de cada dia.
Porque penso que estas ideias devem estar esculpidas no coração dos cristãos,
tenho repetido milhares de vezes o seguinte: Quando não nos limitamos a tolerar
e, pelo contrário, amamos a contradição, a dor física ou moral e a oferecemos a
Deus em desagravo dos nossos pecados pessoais e dos pecados de todos os homens,
asseguro-vos que, então, essa pena não esmaga.
Já não se leva uma cruz qualquer,
descobre-se a Cruz de Cristo, com o consolo de que o Redentor se encarrega de
suportar o peso. Nós colaboramos como Simão de Cirene que, quando regressava do
trabalho na sua granja, pensando num repouso merecido, se viu forçado a tomar a
cruz sobre os seus ombros para ajudar Jesus. Ser voluntariamente Cireneu de
Cristo, acompanhar tão de perto a sua Humanidade sofredora, reduzida a um
farrapo, para uma alma enamorada não significa infelicidade, antes traz a
certeza da proximidade de Deus, que nos abençoa com essa escolha.
Com muita frequência, não poucas pessoas
me comentavam com assombro a alegria que, graças a Deus, têm e contagiam os
meus filhos no Opus Dei. Perante a evidência desta realidade, respondo sempre
com a mesma explicação, porque não conheço outra: o fundamento da sua
felicidade consiste em não terem medo nem da vida nem da morte, em não se
assustarem perante a tribulação, no esforço diário por viverem com espírito de
sacrifício, constantemente dispostos - apesar das misérias e debilidades
pessoais - a negarem-se a si mesmos, para tornarem o caminho cristão mais fácil
e agradável aos outros.
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Como o bater do coração
Enquanto falo, sei que vós, na presença
de Deus, procurais ir revendo o vosso comportamento. Não é verdade que a
maioria dessas preocupações que têm inquietado a tua alma, dessas faltas de
paz, deriva de não teres correspondido aos convites divinos ou talvez de
estares a percorrer o caminho dos hipócritas, porque te procuravas a ti
próprio? Com o triste desejo de manter perante os que te rodeiam a mera
aparência de uma atitude cristã, no teu interior negavas-te a aceitar a
renúncia, a mortificar as tuas paixões tortuosas, a dares-te sem condições,
abnegadamente, como Jesus Cristo.
Reparai, nestes momentos de meditação
perante o sacrário, não vos podeis limitar a ouvir as palavras que o sacerdote
pronuncia como que materializando a oração íntima de cada um. Apresento-te umas
considerações, indico-te uns pontos, para que os recebas activamente e
reflictas por tua conta, convertendo-os em tema de um colóquio pessoalíssimo e
silencioso entre ti e Deus, de maneira que os apliques à tua situação actual e,
com as luzes que o Senhor te der, distingas na tua conduta o que vai direito do
que vai por mau caminho, a fim de rectificares com a sua graça.
Agradece ao Senhor esse cúmulo de boas
obras que realizaste, desinteressadamente, porque podes cantar com o salmista: “Ele
tirou-me do abismo de miséria e do lodo profundo. E firmou os meus pés sobre a
rocha e dirigiu os meus passos”. Pede-lhe também perdão pelas tuas omissões
ou pelos teus passos em falso, quando te meteste nesse lamentável labirinto da
hipocrisia, ao afirmar que desejavas a glória de Deus e o bem do teu próximo,
mas na verdade só procuravas honras para ti mesmo... Sê audaz, sê generoso e
diz que não, que já não queres defraudar mais o Senhor e a humanidade.
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É a hora de recorreres à tua Mãe bendita
do Céu, para que te acolha nos seus braços e te consiga do seu Filho um olhar
de misericórdia. E procura depois fazer propósitos concretos: corta de uma vez,
ainda que custe, esse pormenor que estorva e que é bem conhecido de Deus e de
ti. A soberba, a sensualidade, a falta de sentido sobrenatural aliar-se-ão para
te sussurrarem: Isso? Mas se se trata de uma circunstância tonta,
insignificante! Tu responde, sem dialogar mais com a tentação: entregar-me-ei
também nessa exigência divina! E não te faltará razão: O amor demonstra-se
especialmente em coisas pequenas. Normalmente, os sacrifícios que o Senhor nos
pede, os mais árduos, são minúsculos, mas tão contínuos e valiosos como o bater
do coração.
Quantas mães conheceste como protagonistas
de um acto heróico, extraordinário? Poucas, muito poucas. E contudo, mães
heróicas, verdadeiramente heróicas, que não aparecem como figuras de nada
espectacular, que nunca serão notícia - como se diz - tu e eu conhecemos
muitas: vivem sacrificando-se a toda a hora, renunciando com alegria aos seus
gostos e passatempos pessoais, ao seu tempo, às suas possibilidades de
afirmação ou de êxito, para encher de felicidade os dias dos seus filhos.