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Leitura Espiritual
Temas actuais do cristianismo |
Mas
nem tudo depende dos pais. Os filhos têm de pôr também alguma coisa da sua
parte. A juventude sempre teve uma grande capacidade de entusiasmo por todas as
coisas grandes, pelos ideais elevados, por tudo o que é autêntico. Convém
ajudá-los a compreender a beleza despretensiosa - por vezes calada e sempre
revestida de naturalidade - que há na vida dos seus pais. Que reparem, sem lhes
causar tristeza, no sacrifício que fizeram por eles, na sua abnegação - muitas
vezes heróica - para manter a família. E que os filhos aprendam também a não
dramatizar, a não representar o papel de incompreendido. Que não esqueçam que
estarão sempre em dívida para com os pais e que o modo de corresponderem - já
que não podem pagar o que devem - deve ser feito de veneração, de carinho
grato, filial.
Sejamos
sinceros: a família unida é o normal. Há atritos, diferenças... Mas isto são
coisas banais, que, até certo ponto, contribuem inclusivamente para dar sabor
aos nossos dias. São insignificâncias que o tempo supera sempre. Depois, só
fica o estável, que é o amor, um amor verdadeiro - feito de sacrifício - e
nunca fingido, que os leva a preocuparem-se uns com os outros, a adivinhar um
pequeno problema e a sua solução mais delicada. E, porque tudo isto é normal, a
maior parte das pessoas entendeu-me muito bem quando me ouviu chamar - já o
venho repetindo desde a década de 20 - dulcíssimo preceito ao quarto mandamento
do Decálogo.
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Talvez
como reacção contra uma educação religiosa coactiva, reduzida às vezes a uma série
de práticas rotineiras e sentimentais, parte da juventude de hoje prescinde
quase totalmente da piedade cristã, porque a interpreta como beatice. Em sua
opinião, qual é a solução para esse problema?
A
solução é a que a pergunta traz já implícita: ensinar - primeiro com o exemplo
e depois com a palavra - em que consiste a verdadeira piedade. A beatice não é
mais do que uma triste caricatura pseudo-espiritual, fruto geralmente da falta
de doutrina e também de certa deformação no humano. É lógico que repugne a quem
ama o que é autêntico e sincero.
Vi
com alegria como penetra nos jovens - nos de hoje como nos de há quarenta anos
- a piedade cristã, quando a contemplam feita vida sincera, quando entendem que
fazer oração é falar com o Senhor como se fala com um pai, com um amigo, sem
anonimato, com um trato pessoal, uma conversa íntima; quando se procura que
ressoem nas suas almas aquelas palavras de Jesus Cristo, que são um convite ao
encontro confiante: vos autem dixi amicos (Jn. 15, 15), chamei-vos amigos;
quando se faz um apelo forte à sua fé para que vejam que o Senhor é o mesmo
ontem, hoje e sempre (Hebr. 13, 8).
Por
outro lado, é muito necessário que vejam como essa piedade simples e cordial
exige também o exercício das virtudes humanas e que não se pode reduzir a uns
tantos actos de devoção semanais ou diários, mas que tem de penetrar na vida
inteira, que tem de dar sentido ao trabalho, ao descanso, à amizade, à
diversão, a tudo. Não podemos ser filhos de Deus só de vez em quando, ainda que
haja alguns momentos especialmente dedicados a considerá-lo, a penetrarmo-nos
desse sentido da nossa filiação divina, que é a essência da piedade.
Disse
há pouco que a juventude entende tudo isto muito bem. E agora acrescento que
quem procura vivê-lo sente-se sempre jovem. O cristão, mesmo que seja um velho
de oitenta anos, se viver em união com Jesus Cristo, pode saborear com toda a
verdade as palavras que se rezam ao pé do altar: subirei ao altar de Deus, do
Deus que alegra a minha juventude [ii].
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Então,
parece-lhe importante educar os filhos desde pequenos na vida de piedade? Pensa
que na família se devem realizar actos de piedade?
Considero
que é precisamente o melhor caminho para dar aos filhos uma autêntica formação
cristã. A Sagrada Escritura fala-nos dessas famílias dos primeiros cristãos - a
Igreja doméstica, diz S. Paulo [iii]
- às quais a luz do Evangelho dava novo impulso e nova vida.
Em
todos os ambientes cristãos se conhecem por experiência os bons resultados que
dá essa natural e sobrenatural iniciação à vida de piedade, feita no calor do
lar. A criança aprende a colocar o Senhor na linha dos primeiros e fundamentais
afectos, aprende a tratar a Deus como Pai e à Virgem como Mãe, aprende a rezar
seguindo o exemplo dos pais. Quando se compreende isto, vê-se a enorme tarefa
apostólica que os pais podem realizar e como têm obrigação de ser sinceramente
piedosos, para poderem transmitir - mais do que ensinar - essa piedade aos
filhos.
E
os meios? Há práticas de piedade - poucas, breves e habituais - que sempre se
viveram nas famílias cristãs, e entendo que são maravilhosas: a oração antes e
depois das refeições, a recitação do Terço juntos - apesar de não faltar,
nestes tempos, quem ataque essa solidíssima devoção mariana -, as orações
pessoais ao levantar e ao deitar. Tratar-se-á de costumes diversos segundo os
lugares, mas penso que sempre se deve fomentar algum acto de piedade, que os
membros da família realizem juntos, de forma simples e natural, sem beatices.
Dessa
maneira conseguiremos que Deus não seja considerado um estranho a quem se vai
ver uma vez por semana à igreja, ao Domingo. Que Deus seja visto e tratado como
é na realidade, também no meio do lar, porque, como disse o Senhor, onde estão
dois ou três reunidos em meu nome, aí estou Eu no meio deles [iv].
Digo
com gratidão e com orgulho de filho que continuo a rezar - de manhã e à noite e
em voz alta - as orações que aprendi, quando era criança, dos lábios de minha
mãe. Essas orações levam-me a Deus, fazem-me sentir o carinho com que me
ensinaram a dar os meus primeiros passos de cristão e, oferecendo ao Senhor o
dia que começa ou dando-Lhe graças pelo que acaba, peço a Deus que aumente no
Céu a felicidade dos que especialmente amo, e no Céu depois nos mantenha unidos
para sempre.
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Continuemos,
se mo permite, com a juventude. Através da secção Gente jovem, da nossa
revista, chegam-nos muitos problemas próprios deles. Um, muito frequente, é a
imposição que às vezes os pais fazem no momento de determinar a orientação dos
filhos. Isto sucede tanto na orientação do curso ou da profissão, como na
escolha de noivo, ou, mais ainda, se pretendem seguir o chamamento de Deus para
se dedicar ao serviço das almas. Haverá alguma justificação para essa atitude
dos pais? Não será uma violação da liberdade, imprescindível para chegar à
maturidade pessoal?
Em
última instância, está claro que as decisões que determinam o rumo de uma vida
deve tomá-las cada um pessoalmente, com liberdade, sem coacção nem pressão de
espécie alguma.
Isto
não quer dizer que não seja necessária, ordinariamente, a intervenção de outras
pessoas. Precisamente porque são passos decisivos, que afectam uma vida
inteira, e porque a felicidade depende em grande parte de como se dêem, é
lógico que requeiram serenidade, que se evite a precipitação, que exijam
responsabilidade e prudência. E uma parte da prudência consiste justamente em
pedir conselho. Seria presunção - que se costuma pagar cara - pensar que
podemos decidir sem a graça de Deus e sem o calor e a luz de outras pessoas,
especialmente dos nossos pais.
Os
pais podem e devem prestar aos filhos uma ajuda preciosa, descobrindo-lhes
novos horizontes, comunicando-lhes a sua experiência, fazendo-os reflectir para
que não se deixem arrastar por estados emocionais passageiros, oferecendo-lhes
uma apreciação realista das coisas.
Umas
vezes, prestarão essa ajuda com o seu conselho pessoal; outras, animando os
seus filhos a recorrer a outras pessoas competentes: a um amigo sincero e leal,
a um sacerdote douto e piedoso, a um perito em orientação profissional.
Mas
o conselho não tira a liberdade, dá elementos de opinião, e isso amplia as
possibilidades de escolha e faz com que a decisão não seja determinada por
factores irracionais. Depois de ouvir os pareceres de outros e de ponderar tudo
bem, chega um momento em que é preciso escolher, e então ninguém tem o direito
de violar a liberdade. Os pais devem precaver-se da tentação de se quererem
projectar indevidamente nos filhos - de construí-los segundo as próprias
preferências -, devem respeitar as inclinações e as aptidões que Deus dá a cada
um. Se há verdadeiro amor, isto, em geral, torna-se simples. Inclusive no caso
extremo, quando o filho toma uma decisão que os pais têm fortes motivos para
julgar errada e até para prevê-la como origem de infelicidade, a solução não
está na violência mas em compreender e - mais de uma vez - em saber permanecer
a seu lado para ajudá-lo a superar as dificuldades e, se fosse necessário, para
extrair daquele mal todo o bem possível.
Os
pais que amam deveras e procuram sinceramente o bem dos seus filhos, depois dos
conselhos e das considerações oportunas, devem-se retirar com delicadeza, para
que nada prejudique o grande bem da liberdade que torna o homem capaz de amar e
servir a Deus. Devem lembrar-se de que o próprio Deus quer ser amado e servido
com liberdade, e respeita sempre as nossas decisões pessoais: Deus deixou o
homem - diz-nos a Escritura - nas mãos do seu livre-arbítrio [v].
Umas
palavras mais para me referir expressamente ao último dos casos concretos expostos
- a decisão de dedicar-se ao serviço da Igreja e das almas. Quando pais
católicos não compreendem essa vocação, penso que fracassaram na sua missão de
formar uma família cristã, que nem sequer são conscientes da dignidade que o
Cristianismo dá à sua própria vocação matrimonial. Aliás, a experiência que
tenho no Opus Dei é muito positiva. Costumo dizer aos sócios da Obra que devem
noventa por cento da sua vocação aos seus pais, porque os souberam educar e os
ensinaram a ser generosos. Posso assegurar que na imensa maioria dos casos -
praticamente na totalidade - os pais não só respeitam como também amam essa
decisão dos filhos e que passam a ver a Obra como uma ampliação da própria
família. É uma das minhas grandes alegrias e uma confirmação mais de que, para
sermos muito divinos, temos de ser também muito humanos.
(cont)
[i]
Entrevista
realizada por Pilar Salcedo, publicada em Telva (Madrid), em 1 de Fevereiro de
1968 e reproduzida em Mundo Cristiano (Madrid) em 1 de Março do mesmo ano.