CAPÍTULO V
O SUBLIME CONHECIMENTO DE CRISTO
1.
«Para
que eu O possa conhecer a Ele…»
…/2
E foi precisamente aquela
palavra que me ajudou a compreender a
diferença.
Foi sobretudo a frase: «para
que eu O possa conhecer…» e foi, particularmente, aquele pronome “Ele”, que me
impressionou.
Parecia que continha mais
coisas sobre Jesus que os mais completos tratados de cristologia.
“Ele”, Jesus Cristo, o meu
Senhor “em carne e osso”.
Apercebi-me então que eu
conhecia muitos livros sobre Jesus, doutrina, heresias e conceitos, porém não O
conhecia a Ele, como pessoa concreta e viva.
Pelo menos, não O conhecia
quando d’Ele me aproximava, através do estudo da história e da teologia.
Até então, eu tinha
adquirido um conhecimento impessoal da
pessoa de Cristo.
Uma contradição e um
paradoxo que infelizmente é tão frequente!
E porquê era “impessoal”
este conhecimento?
Porque Ele nos deixa
neutrais perante a pessoa de Cristo, ao passo que o conhecimento que Paulo
tinha lhe fazia considerar todo o resto como uma perda e como lixo, e lhe
incutia no coração um irresistível anseio de chegar a Cristo, e de
desembaraçar-se de tudo, até do seu próprio corpo, para estar com Ele.
A pessoa é uma realidade
única
Diversamente de todas as
outras coisas criadas, a pessoa só pode ser conhecida “em pessoa”, isto é,
estabelecendo com ela uma relação directa de modo que ela deixe de ser um
“esse” e se torne um “ele”, ou melhor um “tu!”
Sob este ponto de vista, o
conhecimento da pessoa de Cristo é desigual até pelo conhecimento que se tem da
sua humanidade e divindade, ou seja, das naturezas de Cristo.
Estas últimas, sendo
objectos e partes do todo, podem-se objectivar e estudar.
Mas a pessoa não. A pessoa é
um ser vivente e inteiro. Não pode, por isso, ser considerada plenamente se não
conservar esse atributo de inteiro e se não entrar em relação com ele.
Reflectindo sobre o conceito
da pessoa em Deus, Stº Agostinho, e com ele toda a teologia latina, chegou à
conclusão que pessoa significa “relação”.
O pensamento moderno, mesmo
o profano, confirmou esta intuição.
«A verdadeira personalidade
consiste na revelação de si mesmo mergulhando noutra pessoa [i].
A pessoa é pessoa no acto em
que se abre para um “tu” e nesta relação adquire consciência de si mesma.
Ser pessoa é um “ser em
relação”.
Isto é válido de modo
eminente para as pessoas divinas da Santíssima Trindade, que são “puras
relações”, embora subsistentes; mas, de maneira diferente, presta-se também
para outras pessoas, tanto para a nossa como para a de Cristo.
A pessoa não se conhece,
portanto, na sua realidade a não ser quando se entra em “relação” com ela.
Eis a razão pela qual se não
pode conhecer Jesus como pessoa, senão através de uma ligação pessoal, de mim
para ti. Com Ele.
Noutras palavras,
reconhecendo-O como Senhor nosso.
Entrar numa relação pessoal
com Jesus não é a mesma coisa que entrar em relação com uma pessoa qualquer.
Para ser uma relação
“verdadeira”, esta deve levar-nos a reconhecer e a aceitar Jesus por aquilo que
Ele é, ou seja, Senhor.
O Apóstolo, no texto atrás referido,
fala de um “superior”, “eminente” e mesmo “sublime” (hyperechon) conhecimento de Cristo, diferente de todos os outros
conhecimentos, é certamente diferente do conhecimento que se tem de Jesus
segundo a carne, segundo a história, como se diz hoje, de modo externo e
“científico”.
E diz também em que consiste
esse superior conhecimento: consiste em reconhecer a Cristo como Senhor:
«… Perante o sublime
conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor?».
Assim, o sublime
conhecimento de Cristo, o conhecimento “pessoal” que se tem d’Ele, consiste
então nisto:
Que eu reconheça Jesus como
meu Senhor; isto quer dizer: como meu significado, minha razão de ser, meu
supremo bem, finalidade da minha vida, minha alegria, minha glória, minha lei,
meu Chefe, meu Salvador, Aquele a quem pertenço.
Por aqui se pode ver como é
possível ler – e até escrever – livros e livros sobre Jesus Cristo e, todavia,
não se conhecer Jesus Cristo na realidade.
O conhecimento de Jesus é um
conhecimento muito especial.
Assemelha-se ao conhecimento
que se tem da própria Mãe.
Quem conhece verdadeiramente
a sua Mãe?
Será porventura quem leu
montes de livros sobre a maternidade ou estudou a ideia de maternidade através
de várias culturas e religiões?
Não, certamente!
Conhece a sua Mãe, o filho
que um dia, já crescido, reconhece ter sido formado no seu seio e ter vindo ao
mundo através das dores do seu parto e toma conhecimento da ligação única no
mundo que existe entre ele e ela.
Trata-se em muitos casos de
uma “revelação” e numa espécie de “iniciação” no mistério da vida.
O mesmo sucede com Jesus.
Conhece Jesus por aquilo que
Ele é verdadeiramente – e isto de modo intrínseco não extrínseco – todo aquele
que, um dia, por revelação, não da carne ou do sangue como na Mãe, mas sim do
Pai Celeste, descobre ter nascido d’Ele, pela Sua morte na Cruz, e de existir,
espiritualmente, para Ele.
Conhece Jesus aquele que
tendo lido em Isaías o poema do servo sofredor, sente toda a força misteriosa
daquela relação “nós-ele”, sbre a qual se rege todo esse poema.
Ele foi ferido pelas nossas iniquidades,
O castigo que nos dá a salvação caiu
sobre ele;
Nós fomos sarados pelas sua chagas…
O Senhor carregou sobre Ele
A iniquidade de todos nós.
Isaías, 53,5-6
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.