29/01/2018

Leitura espiritual

CAPÍTULO V

O SUBLIME CONHECIMENTO DE CRISTO

  1.   «Para que eu O possa conhecer a Ele…»

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E foi precisamente aquela palavra  que me ajudou a compreender a diferença.
Foi sobretudo a frase: «para que eu O possa conhecer…» e foi, particularmente, aquele pronome “Ele”, que me impressionou.
Parecia que continha mais coisas sobre Jesus que os mais completos tratados de cristologia.
“Ele”, Jesus Cristo, o meu Senhor “em carne e osso”.
Apercebi-me então que eu conhecia muitos livros sobre Jesus, doutrina, heresias e conceitos, porém não O conhecia a Ele, como pessoa concreta e viva.
Pelo menos, não O conhecia quando d’Ele me aproximava, através do estudo da história e da teologia.
Até então, eu tinha adquirido um conhecimento impessoal da pessoa de Cristo.
Uma contradição e um paradoxo que infelizmente é tão frequente!

E porquê era “impessoal” este conhecimento?
Porque Ele nos deixa neutrais perante a pessoa de Cristo, ao passo que o conhecimento que Paulo tinha lhe fazia considerar todo o resto como uma perda e como lixo, e lhe incutia no coração um irresistível anseio de chegar a Cristo, e de desembaraçar-se de tudo, até do seu próprio corpo, para estar com Ele.
A pessoa é uma realidade única
Diversamente de todas as outras coisas criadas, a pessoa só pode ser conhecida “em pessoa”, isto é, estabelecendo com ela uma relação directa de modo que ela deixe de ser um “esse” e se torne um “ele”, ou melhor um “tu!”

Sob este ponto de vista, o conhecimento da pessoa de Cristo é desigual até pelo conhecimento que se tem da sua humanidade e divindade, ou seja, das naturezas de Cristo.
Estas últimas, sendo objectos e partes do todo, podem-se objectivar e estudar.
Mas a pessoa não. A pessoa é um ser vivente e inteiro. Não pode, por isso, ser considerada plenamente se não conservar esse atributo de inteiro e se não entrar em relação com ele.
Reflectindo sobre o conceito da pessoa em Deus, Stº Agostinho, e com ele toda a teologia latina, chegou à conclusão que pessoa significa “relação”.
O pensamento moderno, mesmo o profano, confirmou esta intuição.
«A verdadeira personalidade consiste na revelação de si mesmo mergulhando noutra pessoa [i].
A pessoa é pessoa no acto em que se abre para um “tu” e nesta relação adquire consciência de si mesma.
Ser pessoa é um “ser em relação”.
Isto é válido de modo eminente para as pessoas divinas da Santíssima Trindade, que são “puras relações”, embora subsistentes; mas, de maneira diferente, presta-se também para outras pessoas, tanto para a nossa como para a de Cristo.
A pessoa não se conhece, portanto, na sua realidade a não ser quando se entra em “relação” com ela.
Eis a razão pela qual se não pode conhecer Jesus como pessoa, senão através de uma ligação pessoal, de mim para ti. Com Ele.
Noutras palavras, reconhecendo-O como Senhor nosso.

Entrar numa relação pessoal com Jesus não é a mesma coisa que entrar em relação com uma pessoa qualquer.
Para ser uma relação “verdadeira”, esta deve levar-nos a reconhecer e a aceitar Jesus por aquilo que Ele é, ou seja, Senhor.
O Apóstolo, no texto atrás referido, fala de um “superior”, “eminente” e mesmo “sublime” (hyperechon) conhecimento de Cristo, diferente de todos os outros conhecimentos, é certamente diferente do conhecimento que se tem de Jesus segundo a carne, segundo a história, como se diz hoje, de modo externo e “científico”.
E diz também em que consiste esse superior conhecimento: consiste em reconhecer a Cristo como Senhor:
«… Perante o sublime conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor?».
Assim, o sublime conhecimento de Cristo, o conhecimento “pessoal” que se tem d’Ele, consiste então nisto:
Que eu reconheça Jesus como meu Senhor; isto quer dizer: como meu significado, minha razão de ser, meu supremo bem, finalidade da minha vida, minha alegria, minha glória, minha lei, meu Chefe, meu Salvador, Aquele a quem pertenço.

Por aqui se pode ver como é possível ler – e até escrever – livros e livros sobre Jesus Cristo e, todavia, não se conhecer Jesus Cristo na realidade.
O conhecimento de Jesus é um conhecimento muito especial.
Assemelha-se ao conhecimento que se tem da própria Mãe.
Quem conhece verdadeiramente a sua Mãe?
Será porventura quem leu montes de livros sobre a maternidade ou estudou a ideia de maternidade através de várias culturas e religiões?
Não, certamente!
Conhece a sua Mãe, o filho que um dia, já crescido, reconhece ter sido formado no seu seio e ter vindo ao mundo através das dores do seu parto e toma conhecimento da ligação única no mundo que existe entre ele e ela.
Trata-se em muitos casos de uma “revelação” e numa espécie de “iniciação” no mistério da vida.

O mesmo sucede com Jesus.
Conhece Jesus por aquilo que Ele é verdadeiramente – e isto de modo intrínseco não extrínseco – todo aquele que, um dia, por revelação, não da carne ou do sangue como na Mãe, mas sim do Pai Celeste, descobre ter nascido d’Ele, pela Sua morte na Cruz, e de existir, espiritualmente, para Ele.
Conhece Jesus aquele que tendo lido em Isaías o poema do servo sofredor, sente toda a força misteriosa daquela relação “nós-ele”, sbre a qual se rege todo esse poema.

Ele foi ferido pelas nossas iniquidades,
O castigo que nos dá a salvação caiu sobre ele;
Nós fomos sarados pelas sua chagas…
O Senhor carregou sobre Ele
A iniquidade de todos nós.
Isaías, 53,5-6
       

(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Hegel

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