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Mas talvez seja bom, nestes momentos finais do nosso encontro, tentar
dar algum testemunho, o meu testemunho pessoal, daquilo que o Espírito Santo
opera em nós, quando a ele nos abrimos e deixamos, (umas vezes mais outras
menos), que Ele nos ensine e conduza.
Muitos saberão que na minha vida vivi afastado de Deus e da Igreja cerca
de 20 e tal anos, entre os 18/19 e os 44/45.
E este viver afastado de Deus e da Igreja, não foi só um afastamento da
fé, mas também um afundar numa vida desregrada.
Um caminho certo para o abismo.
Houve um tempo em que por causa de umas discussões sobre a Igreja,
(alguém que a contestava), eu tomei a defesa da mesma, pois curiosamente, ou
talvez não, durante todo esse tempo, tentei sempre nunca dizer mal de Deus nem
da Igreja, embora por vezes fizesse as minhas criticas.
Deus e a Igreja eram coisas, salvo seja, que não me interessavam.
Mas essas discussões acabaram por despertar em mim um desejo, uma
vontade, de me aproximar de Deus, da Igreja.
Assim, quando não estava ninguém na igreja, eu ia sentar-me em frente do
sacrário e conversava, perguntando se era verdade, se ali estava alguém, as
minhas dificuldades, etc., etc.
Ora o Espírito Santo não dorme e sabe aproveitar muito bem estas
oportunidades, (desculpem a simplicidade da linguagem), porque «aqueles que
procuram encontram».
E a primeira constatação que eu faço de que as palavras de Jesus são
verdadeiras, «o Espírito Santo há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse», Jo
14, 26 é que muito rapidamente me comecei a lembrar de tudo quanto tinha
aprendido de meus pais, da catequese, dos colégios católicos por onde tinha
passado e de alguns retiros que tinha feito.
Foi para mim uma grande admiração, (naquele tempo, porque agora percebo
o que aconteceu), como era possível lembrar-me com tanto pormenor da Doutrina,
das orações e até da Liturgia.
Encontrei no Renovamento Carismático Católico, (um dos Movimentos da
Igreja surgidos após o Concilio Vaticano II), uma espiritualidade muito aberta
ao Espírito Santo, muito viva, e eu precisava mesmo de alguma coisa que me
fizesse mexer, que me confrontasse, até porque sou um pouco impaciente.
Uma das coisas que ainda hoje me espanta, foi a enorme modificação das
prioridades da minha vida.
Eu vivia para a sociedade, para ter o melhor, para vestir o melhor, para
comer o melhor, para desfrutar o mais possível daquilo a que o mundo chama os
prazeres da vida.
E devagar, (o Espírito Santo é muito paciente), todas essas prioridades
foram mudando, e essas coisas deixaram de ser importantes, para passar a ser
muito mais importante eu conhecer-me a mim próprio e descobrir como poderia ser
de Deus para os outros.
Não estou totalmente “curado”, diga-se, pois o caminho é de uma vida,
mas vou-o caminhando sempre na confiança de que Ele nunca me abandona.
Outra coisa muito importante que constatei, é que Deus, o Espírito
Santo, não nos quer transformar em pessoa diferente do que somos, mas ao
descobrirmos que precisamos mudar as nossas prioridades, percebermos que somos
exactamente aquilo que eramos, com uma nova visão da vida, porque está
iluminada por Deus.
E tanto assim é que nunca me afastei daqueles que eram meus amigos,
alguns deles é que se afastaram de mim, não porque eu os “chateasse” com a
religião, mas porque se calhar não se sentiam bem ao meu lado, com a mudança de
prioridades e comportamentos que ia acontecendo na minha vida.
Mas outra das graças que o Espírito Santo derrama em nós, é a capacidade
de percebermos como actuar nos gestos e nas palavras, nos diversos momentos a
que somos chamados.
Por vezes com o silêncio, por vezes com palavras, por vezes com gestos e
atitudes.
Quantos de nós já se admiraram porque alguém chegou ao pé de nós e nos
agradeceu um gesto, uma palavra, dizendo que lhe fez muito bem, e nós nem
sequer nos apercebemos disso, ou não demos qualquer importância a esse facto?
Tenho para mim, (e dou-o como provado), que muitas vezes o nosso
testemunho silencioso, mas verdadeiro e coerente fala muito mais alto do que as
nossas palavras, e quem nos leva a dar esse testemunho é sem dúvida o Espírito
Santo, que sem nos forçar, serenamente nos conduz.
E a descoberta do perdão, de perdoar e pedir perdão?
É tão maravilhosa que é difícil de descrever, e quem coloca em nós essa
capacidade é, mais uma vez, o Espírito Santo.
Conto-vos uma história verdadeira que se passou comigo.
Logo no início do meu reencontro com Deus, tive uma enorme discussão com
um homem com quem fui muito mal criado e rude.
Passado algum tempo, fui para a igreja à hora em que estava deserta,
como sempre, para ter as minhas conversas com Deus.
Mas não conseguia falar, não conseguia estar, não conseguia sequer
concentrar-me, porque em todo o momento apenas me vinha o pensamento que tinha
de pedir perdão ao homem.
Ora isso para mim era muito difícil, tanto mais que em termos sociais,
para mim naquele tempo, ele era menos do que eu, (por favor entendam o que eu
quero dizer, pois não penso hoje em dia assim).
O homem tinha uma loja perto da igreja e eu decidi ir lá pedir-lhe
desculpa.
Cheio de uma força que eu não conhecia em mim, dirigi-me para a loja,
mas quando lá cheguei, passei adiante e não entrei.
Voltei para trás e quando passei novamente à porta, tornei a não entrar.
Julgo que fiz isto três ou quatro vezes, até que, vencendo os meus
preconceitos entrei
e pedi humildemente desculpa da minha má criação e rudeza.
O homem ficou sem palavras e eu senti dentro de mim uma alegria tão
grande que não a consigo descrever.
Sei que voltei para a igreja para agradecer o momento extraordinário que
Deus me tinha proporcionado.
Permitam-me ainda que vos fale do perdão a nós próprios, que o Espírito
Santo nos mostra e conduz.
Quando comecei a tomar mais contacto com a realidade da vivência da fé,
começou a ser muito difícil lidar com o meu passado.
Queria apaga-lo, queria ter a certeza de que Deus me perdoava e achava
isso tão difícil, dado tudo o que tinha feito e vivido.
E essa dificuldade não me dava paz e era um tropeço na minha caminhada.
Pedi muitas vezes que me fosse concedida a graça de entender o perdão de
Deus e me perdoar a mim próprio.
Um dia numa adoração ao Santíssimo, numa oração, (e a oração é presença
do Espírito Santo, não o esqueçamos), sobreveio uma paz imensa e eu percebi uma
coisa tão simples como esta: se Deus me perdoava na Confissão quem era eu para
não me perdoar a mim próprio.
Depois ao longo do tempo o meu passado, passou da vergonha de o ter
vivido, para a aceitação do mesmo como um ensinamento para a minha vida e como
testemunho, sobretudo aos jovens, de que uma vida daquelas é uma vida sem
sentido e sem futuro.
Havia tanto mais para dizer, mas deixo para o fim a extraordinária e
sensível presença do Espírito Santo na Palavra de Deus e em nós, quando a Ele
nos abrimos para A ler e meditar.
Uma das experiências, (permitam-me que lhes chame experiências) mais
tocantes da presença, da assistência do Espírito Santo nas nossas vidas,
acontece quando lemos e meditamos a Palavra de Deus.
Com efeito, temos muitas vezes o hábito, quando abrimos a Bíblia em
determinadas passagens que já conhecemos muito bem, de passarmos à frente,
pensando que nada nos poderão dizer de novo.
Mas se lermos essas passagens de nós mais conhecidas, repetidamente,
meditando, haverá pormenores que nos irão saltar à vista, ou melhor dizendo, ao
coração, e se pedirmos ao Espírito Santo que nos dê o necessário discernimento,
aparecerá a Palavra viva, que se fará vida e nos questionará em tantos
procedimentos do nosso dia-a-dia.
Vamos assim descobrindo a riqueza da Palavra de Deus e percebendo que
ela é viva e eficaz, porque foi inspirada pelo Espírito Santo e assim é Ele
próprio que nos pode mostrar a sua riqueza e vida.
Um dia em que falava sobre este tema, há uns anos em Lisboa, o Espírito
Santo quis “mostrar-me” um modo de exemplificar o que queria dizer, o que
queria explicar.
Se estivermos uma exposição de pintura moderna, perante um daqueles
quadros que “apenas” tem várias cores misturadas, e se intitule, por exemplo,
“Senhora num banco de jardim”, é muito provável que não consigamos minimamente
ver retratado o que o titulo “apregoa”.
Se chamarmos o pintor e ouvirmos as suas explicações é então muito
possível que já consigamos distinguir o que ele quis “retratar”.
Pelos contornos das cores, pelos pormenores que ele nos vai mostrando, conseguiremos
ver através dos seus olhos aquilo que ele quis retratar.
Assim se passa com a Palavra de Deus.
Muitas vezes não entendemos, não percebemos o que Ela nos quer dizer, e
então é preciso chamar o Autor, o Espírito Santo, para que Ele nos ilumine e
nos faça entender o que a Palavra, o que Deus nos quer dizer.
E, se cremos no Espírito Santo e a Ele nos abrimos, podemos confiar que
Ele nos vai mostrar o que Deus nos quer dizer com aquela passagem, que nem
sempre é o que desejamos ouvir, mas talvez um ensinamento, uma chamada de
atenção para algo que temos de mudar nas nossas vidas.
Mas há uma grande diferença entre as duas situações.
Enquanto aquilo que está no quadro é imutável, ou seja representa aquilo
que o pintor quis “retratar”, e apenas aquilo, e depois de percebermos isso,
tudo está compreendido, a Palavra de Deus, iluminada pelo Espírito Santo é
sempre nova, responde sempre de maneira diversa, conforme as necessidades das
nossas vidas a que Deus quer responder, para nos guiar.
E aquilo que está no quadro é igual para todos os que o vejam,
representa sempre o mesmo, mas a Palavra de Deus, na mesma passagem bíblica,
pode ser diferente para cada um conforme a sua necessidade em cada momento.
Ou seja o quadro é “estático”, a Palavra de Deus é viva, porque o
Espírito Santo a ilumina na sabedoria e no amor.
Para terminar gostaria de pedir aos sacerdotes presentes que numa breve
oração, estendendo as suas mãos sobre nós, invocassem o Espírito Santo, para
que Ele avive em nós a graça do Baptismo e da Confirmação.
Marinha
Grande, Novembro de 2012
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