A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Jo 15, 18-27;16, 1-4
18 «Se o mundo vos
aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim. 19 Se fosseis
do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque não sois do mundo, antes Eu
vos escolhi do meio do mundo, por isso o mundo vos aborrece. 20 Lembrai-vos da
palavra que Eu vos disse: Não é o servo maior do que o senhor. Se eles Me
perseguiram a Mim, também vos hão-de perseguir a vós; se guardaram a Minha
palavra, também hão-de guardar a vossa. 21 Mas tudo isto vos farão por causa do
Meu nome, porque não conhecem Aquele que Me enviou. 22 Se Eu não tivesse vindo
e não lhes tivesse falado, não teriam culpa, mas agora não têm desculpa do seu
pecado. 23 Aquele que Me aborrece, aborrece também Meu Pai. 24 Se Eu não
tivesse feito entre eles tais obras, quais nenhum outro fez, não teriam culpa,
mas agora viram-nas e, contudo, odeiam-Me, a Mim e ao Meu Pai. 25 Mas isto
aconteceu para se cumprir a palavra que está escrita na sua Lei: “Odiaram-Me
sem motivo”. 26 Quando, porém, vier o Paráclito, que Eu vos enviarei do Pai, o
Espírito da verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim. 27 E vós
também dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio.
16 1 «Eu disse-vos estas coisas para que
não vos escandalizeis. 2 Expulsar-vos-ão das sinagogas. Virá tempo em que todo
aquele que vos matar julgará prestar culto a Deus. 3 Procederão deste modo
porque não conheceram nem ao Pai nem a Mim. 4 Ora Eu disse-vos estas coisas
para que, quando chegar esse tempo, vos lembreis de que vo-las disse. Não vos
disse isto, porém, desde o princípio, porque estava convosco.
Amar
o mundo apaixonadamente
113
Acabais
de ouvir a leitura solene dos dois textos da Sagrada Escritura correspondentes
à Missa do XXI Domingo depois de Pentecostes. Tendo ouvido a palavra de Deus,
já estais situados no âmbito em que se hão-de mover as palavras que agora vos
dirijo: palavras de sacerdote, pronunciadas perante uma grande família de
filhos de Deus na sua Santa Igreja. Palavras, pois, que desejam ser
sobrenaturais, pregoeiras da grandeza de Deus e das suas misericórdias para com
os homens; palavras que vos disponham para a impressionante Eucaristia que hoje
celebramos aqui no campus da Universidade de Navarra.
Considerai
por uns instantes o facto que acabo de mencionar. Celebramos a Sagrada
Eucaristia, o sacrifício sacramental do corpo e do sangue de Nosso Senhor, esse
mistério de fé que reúne em si todos os mistérios do Cristianismo. Celebramos,
portanto, a acção mais sagrada e transcendente que o homem, por graça de Deus,
pode realizar nesta vida. Comungar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor é, de
certo modo, desligar-nos dos laços de terra e de tempo, para estar já com Deus
no Céu, onde o próprio Cristo enxugará as lágrimas dos nossos olhos e onde não
haverá morte, nem pranto, nem gritos de fadiga, porque o mundo velho já terá
passado (Cfr Ap. XXI, 4).
Esta
verdade tão consoladora e profunda, este significado escatológico da
Eucaristia, como costumam denominá-la os teólogos, poderia, no entanto, ser mal
entendida; e de facto tem-no sido, sempre que se tem pretendido apresentar a
existência cristã como algo de exclusivamente espiritual - espiritualista,
quero dizer - próprio da gente pura, extraordinária, que não se mistura com as
coisas desprezíveis deste mundo, ou que, quando muito, as tolera como realidade
necessariamente justaposta ao espírito, enquanto aqui vivemos.
Quando
se vêm as coisas deste modo, o lugar por excelência da vida cristã passa a ser
o templo; e ser cristão, nesse caso, consiste em ir ao templo, participar em
cerimónias sagradas, incrustar-se numa sociologia eclesiástica, numa espécie de
mundo segregado, que se apresenta a si mesmo como a antecâmara do Céu, enquanto
o mundo comum segue o seu próprio caminho. A doutrina do Cristianismo e a vida
da graça passariam, por conseguinte, como que roçando o atribulado avançar da
história humana, mas sem se encontrarem com ele.
Nesta
manhã de Outubro, enquanto nos dispomos a penetrar no memorial da Páscoa do
Senhor, respondemos simplesmente que não a essa visão deformada do
Cristianismo. Reflecti um momento no enquadramento da nossa Eucaristia, da
nossa Acção de Graças: encontramo-nos num templo singular; poderíamos dizer que
a nave é o campus universitário; o retábulo, a Biblioteca da Universidade; além
a maquinaria que levanta novos edifícios; e por cima, o céu de Navarra...
Esta
enumeração não vos confirma, de uma forma palpável e inesquecível, que o
verdadeiro lugar da vossa existência cristã é a vida corrente? Meus filhos,
onde estiverem os homens, vossos irmãos; onde estiverem as vossas aspirações, o
vosso trabalho, os vossos amores, é aí que está o sítio do vosso encontro
quotidiano com Cristo. É no meio das coisas mais materiais da Terra que devemos
santificar-nos, servindo Deus e todos os homens.
114
Tenho
ensinado constantemente com palavras da Sagrada Escritura: o mundo não é mau
porque saiu das mãos de Deus, porque é uma criatura Sua, porque Iavé olhou para
ele e viu que era bom (Cfr. Gen. 1, 7 e ss.). Nós, os homens, é que
o tornamos mau e feio, com os nossos pecados e as nossas infidelidades. Não
duvideis, meus filhos: qualquer forma de evasão das honestas realidades diárias
é, para vós, homens e mulheres do mundo, coisa oposta à vontade de Deus.
Pelo
contrário, deveis compreender agora - com uma nova clareza - que Deus vos chama
a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, seculares da vida
humana: Deus espera-nos todos os dias no laboratório, no bloco operatório, no
quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no lar e
em todo o imenso panorama do trabalho. Ficai a saber: escondido nas situações
mais comuns há um quê de santo, de divino, que toca a cada um de vós descobrir.
Eu
costumava dizer àqueles universitários e àqueles operários que vinham ter
comigo por volta de 1930 que tinham que saber materializar a vida espiritual.
Queria afastá-los assim da tentação, tão frequente então como agora, de viver
uma vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por
outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de
pequenas realidades terrenas.
Não,
meus filhos! Não pode haver uma vida dupla; se queremos ser cristãos, não
podemos ser esquizofrénicos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e
essa é que tem de ser - na alma e no corpo - santa e cheia de Deus, deste Deus
invisível que encontramos nas coisas mais visíveis e materiais.
Não
há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar Nosso Senhor na nossa vida
corrente ou nunca O encontraremos. Por isso posso dizer-vos que a nossa época
precisa de restituir à matéria e às situações que parecem mais vulgares o seu
sentido nobre e original, colocá-las ao serviço do Reino de Deus,
espiritualizá-las, fazendo delas o meio e a ocasião do nosso encontro
permanente com Jesus Cristo.
115
O
sentido cristão autêntico - que professa a ressurreição de toda a carne -
sempre combateu, como é lógico, a desencarnação, sem receio de ser julgado
materialista. É lícito, portanto, falar de um materialismo cristão, que se opõe
audazmente aos materialismos fechados ao espírito.
Que
são os sacramentos - vestígios da Encarnação do Verbo, como afirmaram os
antigos - senão a mais clara manifestação deste caminho que Deus escolheu para
nos santificar e levar para o Céu? Não vedes que cada sacramento é o amor de
Deus, com toda a sua força criadora e redentora, que se nos dá servindo-se de
meios materiais? O que é esta Eucaristia - já iminente - senão o Corpo e o
Sangue adoráveis do nosso Redentor, que Se nos oferece através da humilda
matéria deste mundo - vinho e pão - através dos elementos da natureza
cultivados pelo homem, como o último Concílio Ecuménico quis recordar? (Cfr.
Gaudium et Spes, nº 38)
Compreende-se,
meus filhos, que o Apóstolo pudesse escrever: todas as coisas são vossas; vós
sois de Cristo e Cristo de Deus (I Cor III 22-23). Trata-se de um movimento
ascendente que o Espírito Santo, difundido nos nossos corações, quer provocar
no mundo: da terra até à glória de Nosso Senhor. E para que ficasse claro que
nesse movimento se incluía até o que parece mais prosaico, S. Paulo escreveu
também: quer comais, quer bebais, fazei tudo para glória de Deus (I Cor X,
31).
116
Esta
doutrina da Sagrada Escritura, que se encontra, como sabeis, no próprio cerne
do espírito do Opus Dei, há-de levar-vos a realizar o vosso trabalho com
perfeição, a amar a Deus e os homens fazendo com amor as pequenas coisas da
vossa jornada habitual, descobrindo esse quê divino que está encerrado nos
pormenores. Que bem se enquadram aqui aqueles versos do poeta de Castela:
Devagar, e boa letra;/que fazer as coisas bem/ importa mais que fazê-las (A.
MACHADO, Poesias Completas. CLXI - Proverbios y cantares XXIV, Espasa-Calpe,
Madrid, 1940).
Asseguro-vos,
meus filhos, que, quando um cristão realiza com amor a mais intranscendente das
acções diárias, ela transborda da transcendência de Deus. Por isso vos tenho
repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em fazer
poesia heróica da prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos,
parecem unir-se o céu e a terra. Mas não; onde se juntam deveras é nos vossos
corações, quando viveis santamente a vida de cada dia...
Viver
santamente a vida de cada dia, acabo de dizer-vos. E com estas palavras
refiro-me a todo o programa da vossa vida cristã. Deixai-vos, pois, de sonhos,
de falsos idealismos, de fantasias, daquilo a que costumo chamar mística do
oxalá - oxalá não me tivesse casado; oxalá não tivesse esta profissão; oxalá
tivesse mais saúde; oxalá fosse mais novo; oxalá fosse velho!... - e cingi-vos,
pelo contrário, sobriamente, à realidade mais material e imediata, que é onde
Nosso Senhor está: vede as minhas mãos e os meus pés, disse Jesus ressuscitado;
sou Eu mesmo. Tocai-Me e vede que um espírito não tem carne e ossos como vedes
que Eu tenho (Lc 24, 39).
São
muitos os aspectos do ambiente secular em que vos moveis, que se iluminam a
partir destas verdades. Pensai, por exemplo, na vossa actuação de cidadãos na
vida civil. Um homem sabedor de que o mundo - e não só o templo - é o lugar do
seu encontro com Cristo, ama esse mundo, procura adquirir uma boa preparação
intelectual e profissional, vai formando - com plena liberdade - os seus
próprios critérios sobre os problemas do meio em que vive; e toma, como
consequência, as suas próprias decisões que, por serem decisões de um cristão,
procedem também de uma reflexão pessoal que tenta humildemente captar a vontade
de Deus nesses aspectos, pequenos e grandes, da vida.
117
Mas
esse cristão não se lembra nunca de pensar ou de dizer que desce do templo ao
mundo para representar a Igreja, e que as suas soluções são as soluções
católicas daqueles problemas. Isso não pode ser, meus filhos! Isso seria
clericalismo, catolicismo oficial, ou como quiserdes chamar-lhe. De qualquer
modo, seria violentar a natureza das coisas. Tendes de difundir por toda a parte
uma verdadeira mentalidade laical, que há-de levar os cristãos a três
consequências:
-
a serem suficientemente honrados para arcarem com a sua responsabilidade
pessoal;
-
a serem suficientemente cristãos para respeitarem os seus irmãos na fé que
proponham - em matérias discutíveis - soluções diversas das suas
-
e a serem suficientemente católicos para não se servirem da Igreja, nossa Mãe,
misturando-a com partidarismos humanos.
Vê-se
claramente que, neste terreno como em todos, não poderíeis realizar o programa
de viver santamente a vida diária se não gozásseis de toda a liberdade que vos
é reconhecida - simultaneamente - pela Igreja e pela vossa dignidade de homens
e de mulheres criados à imagem de Deus. A liberdade pessoal é essencial para a
vida cristã. Mas não vos esqueçais, meus filhos, de que falo sempre de uma
liberdade responsável.
Interpretai,
portanto, as minhas palavras como o que são: um chamamento a exercerdes -
diariamente!, não apenas em situações de emergência - os vossos direitos; e a
cumprirdes nobremente as vossas obrigações como cidadãos - na vida política, na
vida económica, na vida universitária, na vida profissional -, assumindo com
coragem todas as consequências das vossas decisões, arcando com a independência
pessoal que vos corresponde. E essa mentalidade laical cristã permitir-vos-á
fugir de toda a intolerância, de todo o fanatismo. Di-lo-ei de um modo
positivo: far-vos-á conviver em paz com todos os vossos concidadãos e fomentar
também a convivência nos diversos sectores da vida social.
118
Sei
que não tenho necessidade de recordar o que ao longo de tantos anos venho
repetindo. Esta doutrina de liberdade civil, de convivência e de compreensão é
uma parte muito importante da mensagem que o Opus Dei difunde. Terei que voltar
a afirmar que os homens e as mulheres que querem servir Jesus Cristo na Obra de
Deus são simplesmente cidadãos iguais aos outros que se esforçam por viver com
responsabilidade séria - até às últimas consequências - a sua vocação cristã?
Nada
distingue os meus filhos dos seus concidadãos. Por outro lado, exceptuando a
Fé, nada têm de comum com os membros das congregações religiosas. Amo os
religiosos e venero e admiro as suas clausuras, os seus apostolados, o seu
afastamento do mundo - o seu contemptus mundi -, que são outros sinais de
santidade na Igreja. Mas Nosso Senhor não me deu vocação religiosa, e desejá-la
para mim seria uma desordem. Nenhuma autoridade na terra poderá obrigar-me a
ser religioso, como nenhuma autoridade pode forçar-me a contrair matrimónio.
Sou sacerdote secular: sacerdote de Jesus Cristo, que ama apaixonadamente o
mundo.
119
Os
que seguiram Jesus Cristo comigo, pobre pecador, são: uma percentagem de sacerdotes
que exerciam antes uma profissão ou tinham uma ocupação laical; um grande
número de sacerdotes seculares de muitas dioceses do mundo - que confirmam
assim a obediência e amor aos seus Bispos respectivos, e a eficácia do seu
trabalho diocesano, com os braços sempre abertos em cruz para que todas as
almas caibam nos seus corações, e que estão como eu, em plena rua, no mundo, e
o amam; e a grande multidão, formada por homens e mulheres de diversas nações,
de diversas línguas, de diversas raças, que vivem do seu trabalho profissional,
casados na sua maior parte, solteiros muitos outros, que participam com os seus
concidadãos na grave tarefa de tornar mais humana e mais justa a sociedade
temporal, na nobre lide das ocupações diárias, com responsabilidade pessoal -
repito -, alcançando e sofrendo, ombro a ombro com os outros homens, êxitos e
fracassos, procurando cumprir os seus deveres e exercer os seus direitos
sociais e cívicos. E tudo isto, com naturalidade, como qualquer cristão
consciente, sem mentalidade de selectos, fundidos na massa dos seus colegas,
enquanto procuram detectar a luz divina que reverbera nas realidades mais
vulgares.
Também
as obras promovidas pelo Opus Dei, como associação, têm essas características
eminentemente seculares: não são obras eclesiásticas. Não gozam de nenhuma
representação oficial da Hierarquia da Igreja. São obras de promoção humana,
cultural, social, realizadas por cidadãos que procuram iluminá-las com a luz do
Evangelho e aquecê-las com o amor de Cristo. Ficareis esclarecidos com um dado:
o Opus Dei não tem nem terá jamais, por exemplo, a missão de dirigir Seminários
diocesanos, onde os Bispos, instituídos pelo Espírito Santo (At 20, 28),
preparam os seus futuros sacerdotes.
120
O
Opus Dei fomenta, pelo contrário, centros de formação operária e de formação
agrícola, de ensino básico, secundário e universitário, e tantas outras e tão
variadas actividades em todo o mundo, porque os seus anseios apostólicos -
escrevi há muitos anos - são um mar sem limites.
Mas,
por que me hei-de alongar nesta matéria, se a vossa própria presença é mais
eloquente do que um prolongado discurso? Vós, Amigos da Universidade de
Navarra, sois parte de um povo que sabe estar comprometido no progresso da
sociedade a que pertence. O vosso alento cordial, a vossa oração, o vosso
sacrifício e a vossa contribuição material não seguem os caminhos de um
confessionalismo católico; ao prestardes a vossa cooperação, sois o perfeito
testemunho de uma recta consciência civil, preocupada pelo bem comum temporal;
testemunhais que uma Universidade pode nascer das energias do povo e ser
sustentada pelo povo.
Quero
agradecer uma vez mais nesta ocasião, a colaboração que prestam à nossa
Universidade a minha nobilíssima cidade de Pamplona, a grande e forte região
navarra; os Amigos procedentes de toda a geografia espanhola e - com particular
emoção o digo - os não espanhóis e até os não católicos e não cristãos que
compreenderam, e assim o demonstram com factos, a intenção e o espírito deste
empreendimento.
A
todos eles se deve que esta Universidade seja um foco, cada vez mais vivo, de
liberdade cívica, de preparação intelectual, de emulação profissional, e um
estímulo para o ensino universitário. O vosso generoso sacrifício serve de base
a um trabalho universal que procura o incremento das ciências humanas, a
promoção social, a pedagogia da fé.
O
que acabo de dizer foi visto com clareza pelo povo navarro, que também
reconhece na sua Universidade um factor de promoção económica para a região e,
especialmente, de promoção social, que permitiu a tantos dos seus filhos o
acesso às profissões intelectuais que, de outro modo, seria difícil e, em
certos casos, impossível. A compreensão do papel que a Universidade havia de
ter na sua vida motivou certamente o apoio que Navarra lhe dispensou desde o
começo; apoio que, sem dúvida, será cada vez mais amplo e entusiasta.
121
Continuo
a manter a esperança - porque corresponde a um critério justo e à realidade
vigente em tantos países - de que chegará o momento em que o Estado espanhol
contribuirá, por seu lado, para aliviar os encargos de um empreendimento que
não tem em vista nenhum proveito privado e que, pelo contrário, totalmente
consagrado ao serviço da sociedade, procura trabalhar com eficácia para a
prosperidade presente e futura da nação.
E
agora, meus filhos e minhas filhas, permiti que me detenha noutro aspecto -
particularmente querido - da vida comum. Refiro-me ao amor humano, ao amor
casto entre um homem e uma mulher, ao noivado, ao matrimónio. Devo dizer uma
vez mais que esse amor humano santo não é algo de permitido, de tolerado, à
margem das verdadeiras actividades do espírito, como poderiam insinuar os
falsos espiritualismos a que antes aludia. Há quarenta anos que venho pregando
exactamente o contrário, através da palavra e da escrita, e os que não
compreendiam já o vão entendendo.
O
amor que conduz ao matrimónio e à família pode ser também um caminho divino,
vocacional, maravilhoso, meio para uma completa dedicação ao nosso Deus.
Realizai as coisas com perfeição, tenho-vos recordado, ponde amor nas pequenas
actividades da jornada, descobri - insisto - esse quê divino que se oculta nos
pormenores: toda esta doutrina encontra um lugar especial no espaço vital em
que o amor humano se enquadra.
Já
o sabeis muito bem, professores, alunos e todos os que dedicais o vosso
trabalho à Universidade de Navarra: pus os vossos amores sob a protecção de
Santa Maria, Mãe do Amor Formoso. E aí tendes a ermida que construímos com
devoção no campus universitário, para recolher as vossas orações e a oblação
desse amor maravilhoso e limpo que Ela abençoa.
Não
sabíeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que recebestes de Deus, e
que não vos pertenceis? (I Cor 6, 19). Quantas vezes, diante da
imagem da Virgem Santa, da Mãe do Amor Formoso, respondereis com uma alegre
afirmação à pergunta do Apóstolo: sabemos, sim, e queremos vivê-lo com a tua
ajuda poderosa, ó Virgem Mãe de Deus!
A
oração contemplativa surgirá em vós sempre que meditardes nesta realidade
impressionante: uma coisa tão material como o meu corpo foi escolhida pelo
Espírito Santo para estabelecer a Sua morada...; já não me pertenço...; o meu
corpo e a minha alma - o meu ser inteiro - são de Deus... E essa oração será
rica em resultados práticos, derivados da grande consequência que o próprio
Apóstolo apresenta: glorificai a Deus no vosso corpo (I Cor 6, 20).
122
Por
outro lado, não podeis desconhecer que só entre os que compreendem e valorizam
em toda a sua profundidade o que acabamos de considerar acerca do amor humano,
pode surgir aquela outra compreensão inefável de que Jesus falou (Cfr Mt
19, 11), que é um puro dom de Deus e que conduz a entregar o corpo e a
alma a Nosso Senhor, a oferecer-Lhe o coração indiviso, sem a mediação do amor
terreno.
123
Tenho
de terminar, meus filhos. Disse-vos ao começar que a minha palavra gostaria de
vos anunciar alguma coisa da grandeza e da misericórdia de Deus. Julgo tê-lo
cumprido, ao falar-vos de viver santamente a vida corrente: porque uma vida
santa no meio da realidade secular - sem ruído, com simplicidade, com
veracidade - não será porventura hoje a mais consoladora manifestação das
magnalia Dei (Edes 18, 5), dessas portentosas misericórdias que Deus
sempre realizou, e não deixa de realizar para salvar o mundo?
Peço-vos
agora com o salmista que vos unais à minha oração e ao meu louvor: magnificate
Dominum mecum, et extollamus nomen eius simul (Ps. XXXIII, 4);
louvai comigo o Senhor e exaltemos todos juntos o Seu nome. Ou seja, meus
filhos: vivamos de Fé.
Tomemos
o escudo da Fé, o elmo da salvação e a espada do espírito que é a Palavra de
Deus. Assim nos anima o Apóstolo S. Paulo na Epístola aos de Éfeso (Ef 6,
11 e ss) que há momentos se proclamava liturgicamente.
Fé,
virtude de que os cristãos tanto necessitamos, especialmente neste ano da Fé
promulgado pelo nosso amadíssimo Santo Padre o Papa Paulo VI, pois, faltando a
Fé, falta o próprio fundamento da santificação da vida corrente.
Fé
viva nestes momentos, porque nos aproximamos do mysterium fidei (I Tim 3,
9), da Sagrada Eucaristia; porque vamos participar nesta Páscoa do
Senhor, que resume e realiza as misericórdias de Deus para com os homens.
Fé,
meus filhos, para confessar que, dentro de instantes, sobre esta ara, se vai
renovar a obra da nossa Redenção (Secreta do IX Domingo depois de Pentecostes).
Fé, para saborear o Credo e sentir, em torno deste altar e nesta Assembleia, a
presença de Cristo que faz de nós cor unum et anima una (Act 4, 32),
um só coração e uma só alma; e nos converte em família, em Igreja una, santa,
católica, apostólica e romana, que para nós é o mesmo que universal.
Fé,
finalmente, filhas e filhos queridíssimos, para demonstrarmos ao mundo que tudo
isto não são cerimónias e palavras, mas uma realidade divina, ao apresentarmos
aos homens o testemunho de uma vida corrente santificada, em Nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo e de Santa Maria.
(Homilia pronunciada no campus da
Universidade de Navarra, em 8 de Outubro de 1967.)
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