Questão 29: Do ódio.
Art. 6 ― Se podemos odiar alguma coisa em universal.
(Infra, q. 46, a . 7, ad 3).
O sexto discute-se assim. ― Parece que não podemos odiar nada em universal.
1. ― Pois, o ódio é uma paixão do apetite sensitivo, movido pela apreensão sensível. Ora, os sentidos não podem apreender o universal. Logo, não podemos odiar nada em universal.
2.
Demais. ― O ódio é causado por alguma dissonância, a qual repugna à comunidade.
Ora, a comunidade entra na noção do universal. Logo, não pode haver ódio de
nada em universal.
3.
Demais. ― O objecto do ódio é o mal. Ora, o mal está nas coisas e não na mente,
como diz Aristóteles 1. Ora, como o universal só existe na mente que
o abstrai do particular, resulta que não pode haver ódio de nada em universal.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo, que a ira sempre se refere ao singular e o ódio,
ao genérico, assim, todos odiamos o ladrão e o caluniador 2.
Podemos considerar o universal de dois modos: como o próprio substrato da
noção de universalidade, ou como referente à natureza à qual essa noção é
atribuída, pois, uma coisa é considerada a noção universal de homem e outra,
considerar essa noção enquanto realiza num homem. Ora, na primeira acepção,
nenhuma potência da parte sensitiva, quer a apreensiva, quer a apetitiva, pode
atingir o universal, porque este procede da abstração da matéria individual,
matéria em que se radica toda virtude sensitiva. Esta virtude, porém, quer seja
apreensiva, quer apetitiva, pode atingir um objecto universalmente. Assim,
dizemos que o objecto da vista é a cor, genericamente, não que ela conheça a
cor universal, mas porque a cognoscibilidade da cor pela vista não convém só a
uma determinada cor, mas à cor em absoluto.
Donde,
também o ódio da parte sensitiva pode visar algo em universal, pois, ao animal
pode opor-se uma coisa pela sua natureza comum e não somente pela particular,
assim o lobo opõe-se à ovelha e por isso esta o odeia universalmente. A ira
porém é sempre causada por algo de particular, a saber, pelo acto de alguém que
nos lesa e esse acto é um particular. E por isso o Filósofo diz: a ira é sempre
relativa ao singular, o ódio porém pode referir-se ao seu objecto, genericamente
3.
Mas
o ódio existente na parte intelectiva, consecutivo à apreensão universal do
intelecto, pode ter ambas as modalidades aqui examinadas, em relação ao
universal.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O sentido não apreende o universal como tal,
porém apreende que, por acidente, tem a universalidade.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O que é comum a todos, não pode ser a razão do ódio. Mas nada
impede que o que é comum a muitos seja contrário a alguns, e portanto odioso.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A objecção colhe quanto ao universal como substrato da noção de
universalidade, que então não é atingido pela apreensão ou pelo apetite
sensitivo.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VI Metaph., lect. IV.
2. II Rhetor., cap. IV.
3.
II Rhet., cap. IV.
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