Cartas
de São Paulo
2.ª
Timóteo 4
Carta
aos Hebreus 1
PRÓLOGO
Deus falou-nos por Seu Filho –
1
Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos,
por meio dos profetas. 2 Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por
meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de
quem fez o mundo. 3 Este Filho, que é resplendor da sua glória e imagem fiel da
sua substância e que tudo sustenta com a sua palavra poderosa, depois de ter
realizado a purificação dos pecados, sentou-se à direita da Majestade nas
alturas, 4 tão superior aos anjos quanto superior ao deles é o nome que recebeu
em herança.
I. O
FILHO DE DEUS É SUPERIOR AOS ANJOS
Prova escriturística –
5
Com efeito, a qual dos anjos disse Deus alguma vez: Tu és meu Filho, Eu hoje te
gerei? E ainda: Eu serei para Ele um Pai e Ele será para mim um Filho? 6 E de
novo, quando introduz o Primogénito no mundo, diz: Adorem-no todos os anjos de
Deus. 7 Se, a respeito dos anjos, diz: Ele faz dos seus anjos espíritos e dos
seus ministros chamas de fogo, 8 a respeito do Filho, diz: O teu trono, ó Deus,
permanece pelos séculos dos séculos e ceptro de justiça é o teu ceptro real. 9 Amaste
a justiça e odiaste a iniquidade, por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com o
óleo da alegria, preferindo-te aos teus companheiros. 10 E ainda: Tu, Senhor,
fundaste a terra, no princípio, e os céus são obra das tuas mãos. 11 Eles
deixarão de existir, mas Tu permaneces; como o vestido, todos eles envelhecerão;
12 como um manto, os enrolarás, e como o vestuário, serão mudados; mas Tu
permaneces sempre o mesmo e os teus anos não acabarão. 13 E a qual dos anjos disse Deus alguma vez:
Senta-te à minha direita, até que Eu faça dos teus inimigos um estrado dos teus
pés? 14 Não são todos eles espíritos encarregados de um ministério, enviados ao
serviço daqueles que hão-de herdar a salvação?
Cristo
que passa
78
Os sacramentos da graça de
Deus
Quem deseja lutar, usa os
devidos meios.
E os meios não mudaram
nestes vinte séculos de Cristianismo: oração, mortificação e frequência de Sacramentos.
Como a mortificação é também
oração - oração dos sentidos - podemos descrever esses meios com duas palavras
apenas: oração e Sacramentos.
Gostaria que considerássemos
agora esse manancial de graça divina dos Sacramentos, maravilhosa manifestação
da misericórdia de Deus. Meditemos devagar a definição que se insere no
Catecismo de São Pio V: “determinados sinais sensíveis que causam a graça e,
ao mesmo tempo, a declaram, como que pondo-a diante dos olhos”.
Deus Nosso Senhor é infinito
e o Seu amor é inesgotável, a Sua clemência e a Sua piedade para connosco não
admitem limites.
E embora nos conceda a Sua
graça de muitos outros modos, instituiu expressa e livremente - só Ele podia
fazê-lo - estes sete sinais eficazes, para que os homens possam participar dos
méritos da Redenção, duma maneira estável, simples e acessível a todos.
Se abandonarmos os
Sacramentos, desaparece a verdadeira vida cristã. Contudo, não se nos oculta
que particularmente nesta época não falta quem pareça esquecer, e até a chegue
a desprezar, esta corrente redentora da graça de Cristo.
É doloroso falar desta chaga
da sociedade que se chama cristã, mas torna-se necessário, para que nas nossas
almas se afinque o desejo de recorrermos com mais gratidão e amor a essas
fontes de santificação.
Decidem sem o menor
escrúpulo retardar o baptismo dos recém-nascidos, privando-os - e cometendo
assim um grave atentado contra a justiça e contra a caridade - da graça da fé,
do tesouro incalculável da inabitação da Santíssima Trindade na alma, que vem
ao mundo manchada pelo pecado original.
Pretendem também desvirtuar
a natureza própria do Sacramento da Confirmação, no qual a Tradição viu sempre
unanimemente um robustecimento da vida espiritual, uma efusão calada e fecunda
do Espírito Santo, para que, fortalecida sobrenaturalmente, a alma possa lutar
- milites Christi, como soldado de Cristo - nessa batalha interior
contra o egoísmo e a concupiscência.
Se se perde a sensibilidade para as coisas de Deus, dificilmente se compreenderá o Sacramento da Penitência.
A confissão sacramental não
é um diálogo humano, é um colóquio divino; é um tribunal de segura e divina
justiça e, sobretudo, de misericórdia, com um juiz amoroso que não deseja a
morte do pecador, mas que ele se converta e viva.
É verdadeiramente infinita a ternura de Nosso Senhor. Olhai com que delicadeza trata os seus filhos.
Fez do matrimónio um vínculo
santo, imagem da união de Cristo com a sua Igreja, um grande sacramento em que
se fundamenta a família cristã, que há-de ser, com a graça de Deus, um ambiente
de paz e de concórdia, escola de santidade.
Os pais são cooperadores de
Deus.
Daí nasce o amável dever de
veneração, que corresponde aos filhos.
Com razão, o quarto
mandamento pode chamar-se - escrevi-o há tantos anos - o dulcíssimo preceito do
Decálogo.
Se se vive o matrimónio como
Deus quer, santamente, o lar será um lugar de paz, luminoso e alegre.
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O Nosso Pai, Deus, deu-nos,
com a Ordem sacerdotal, a possibilidade de que alguns fiéis, em virtude duma
nova e inefável infusão do Espírito Santo, recebam um carácter indelével na
alma, que os configura com Cristo Sacerdote, para actuarem em nome de Cristo
Jesus, Cabeça do Seu Corpo Místico.
Com este sacerdócio
ministerial, que difere do sacerdócio comum de todos os fiéis, essencialmente e
não com diferença de grau, os ministros sagrados podem consagrar o Corpo e o
Sangue de Cristo, oferecer a Deus o Santo sacrifício, perdoar os pecados na
confissão sacramental e exercitar o ministério de doutrinar as pessoas in
iis quae sunt ad Deum, em tudo e só no que se refere a Deus.
Por isso, o sacerdote deve
ser exclusivamente um homem de Deus, rejeitando o pensamento de querer brilhar
em campos em que os outros cristãos não precisem dele.
O sacerdote não é um
psicólogo, nem um sociólogo, nem um antropólogo: é outro Cristo, o próprio
Cristo, para atender as almas dos seus irmãos.
Seria triste que o
sacerdote, baseando-se numa ciência humana - que só cultivará como amador e
aprendiz, se se dedicar à sua tarefa sacerdotal - se julgasse, sem mais nem
menos, habilitado a pontificar em teologia dogmática ou moral.
A única coisa que faria, era
demonstrar uma dupla ignorância - na ciência humana e na ciência teológica -
ainda que com ar superficial de sábio conseguisse enganar alguns leitores ou
ouvintes indefesos.
É um facto público que
alguns eclesiásticos parecem hoje dispostos a fabricar uma nova Igreja, traindo
Cristo, mudando os fins espirituais - a salvação das almas, uma a uma - por
fins temporais.
Se não resistirem a essa
tentação, deixarão de cumprir o seu sagrado ministério, perderão a confiança e
o respeito do povo e produzirão uma tremenda destruição dentro da Igreja,
intrometendo-se, além disso, indevidamente, na liberdade política dos cristãos
e dos restantes homens, com a consequente confusão - tornam-se eles mesmos
perigosos - na convivência civil.
A Sagrada Ordem é o
sacramento do serviço sobrenatural aos irmãos na fé; alguns parecem querer
convertê-la no instrumento terreno dum novo despotismo.
80
Mas continuemos a contemplar
a maravilha dos Sacramentos.
Na Unção dos Enfermos, como
agora chamam à Extrema Unção, assistimos a uma amorosa preparação da viagem,
que terminará na casa do Pai.
E com a Sagrada Eucaristia,
sacramento - se assim nos podemos exprimir - da loucura do amor divino,
concede-nos a Sua graça, e entrega-se-nos o próprio Deus, Jesus Cristo, que
está realmente sempre presente nas espécies consagradas - e não apenas durante
a Santa Missa - com o seu Corpo, com a sua Alma, com o seu Sangue e com a sua
Divindade.
Penso repetidas vezes na
responsabilidade que incumbe aos sacerdotes, de assegurar a todos os cristãos
esse caminho divino dos Sacramentos.
A graça de Deus vem em
socorro de cada alma; cada criatura requer uma assistência concreta, pessoal.
As almas não se podem tratar
massivamente!
Não é lícito defender a
dignidade humana e a dignidade de filho de Deus, não atendendo a cada um
pessoalmente com a humildade de quem se sabe instrumento para ser veículo do
amor de Cristo; porque cada alma é um tesouro maravilhoso; cada homem é único,
insubstituível. Cada um vale todo o sangue de Cristo.
Falávamos antes de luta.
Mas a luta exige treino, uma
alimentação adequada, uma terapêutica urgente em caso de doença, de contusões,
de feridas.
Os Sacramentos, medicina
principal da Igreja, não são supérfluos: quando se abandonam voluntariamente,
não é possível dar um passo no caminho por onde se segue Cristo.
Necessitamos deles como da
respiração, como da circulação do sangue, como da luz, para poder apreciar em
qualquer instante o que o Senhor quer de nós.
A ascética do cristão exige
fortaleza; e essa fortaleza encontra-a no Criador.
Nós somos a obscuridade e
Ele é resplendor claríssimo; somos a doença e Ele a saudável robustez; somos a
escassez e Ele a infinita riqueza; somos a debilidade e Ele sustenta-nos, quia
tu es, Deus, fortitudo mea, porque és sempre, ó meu Deus, a nossa
fortaleza.
Nada há nesta terra capaz de
se opor ao brotar impaciente do Sangue redentor de Cristo.
Mas a pequenez humana pode
velar os olhos de modo a que não descortinem a grandeza divina.
Daí a responsabilidade de
todos os fiéis e especialmente dos que têm o ofício de dirigir - de servir -
espiritualmente o Povo de Deus, de não fecharem as fontes da graça, de não se
envergonharem da Cruz de Cristo.
81
Responsabilidade dos
pastores
Na Igreja de Deus, o empenho
constante por sermos cada vez mais leais à doutrina de Cristo é obrigação de
todos.
Ninguém está isento. Se os
pastores não lutassem pessoalmente por adquirir finura de consciência, respeito
fiel ao dogma e à moral - que constituem o depósito da fé e o património comum
-, voltariam a ser reais as proféticas palavras de Ezequiel: Filho do homem
profetiza acerca dos pastores de Israel; profetiza e diz aos pastores: - “Isto
diz o Senhor Deus: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si próprios!
Porventura não são os rebanhos os que devem ser apascentados pelos pastores?
Vós lhes tomais o leite e vos vestis com as suas lãs e matais as reses mais
gordas, mas não apascentais o meu rebanho. Não fortalecestes as ovelhas débeis,
não curastes as doentes, não pusestes ligaduras às que tinham algum membro
quebrado, não fizestes voltar as desgarradas, nem buscastes as que se tinham
perdido; mas dominastes sobre elas com aspereza e com prepotência”.
São repreensões fortes, mas
mais grave é a ofensa que se faz a Deus quando, tendo recebido o cargo de velar
pelo bem espiritual de todos, se maltratam as almas, privando-as da água limpa
do Baptismo que regenera a alma, do óleo balsâmico da Confirmação, que a
fortalece, do tribunal que perdoa, do alimento que dá a vida eterna.
Quando é que isto pode
acontecer?
Quando se abandona esta
guerra de paz. Quem não luta, expõe-se a qualquer daquelas escravidões, que têm
o efeito de aferrolhar os corações de carne: a escravidão duma visão
exclusivamente humana, a escravidão do desejo afanoso de poder e de prestígio
temporal, a escravidão da vaidade, a escravidão do dinheiro, a escravidão da
sensualidade...
Se alguma vez - porque Deus pode
permitir essa prova - tropeçais com pastores indignos deste nome, não vos
escandalizeis. Cristo prometeu assistência infalível e indefectível à sua
Igreja, mas não garantiu a fidelidade dos homens que a compõem.
A estes não lhes faltará a
graça abundante, generosa - se puserem da sua parte o pouco que Deus pede:
vigiar atentamente, empenhando-se em remover, com a graça de Deus, os
obstáculos para conseguir a santidade.
Se não há luta, quem parece
estar nos píncaros pode estar muito baixo aos olhos de Deus.
“Conheço as tuas obras, a
tua conduta, sei que tens fama de que vives e estás morto.
Sê vigilante e consolida os
restos do teu rebanho, que está para morrer, porque não acho as tuas obras
perfeitas diante do meu Deus. Lembra-te, pois, do que recebeste e ouviste, e
observa-o, e faz penitência”.
São exortações do apóstolo São
João, no século primeiro, dirigidos a quem tinha a responsabilidade da Igreja
na cidade de Sardes.
Porque a possível decadência
do sentido da responsabilidade em alguns pastores não é um fenómeno moderno;
surge já no tempo dos Apóstolos, no próprio século em que Nosso Senhor Jesus
Cristo tinha vivido na terra.
E ninguém está seguro, se
deixa de lutar consigo mesmo.
Ninguém pode salvar-se
isoladamente.
Todos na Igreja precisamos
desses meios concretos que nos fortalecem: da humildade, que nos dispõe a
aceitar a ajuda e o conselho; das mortificações, que nos removem o coração,
para que nele reine Cristo; do estudo da Doutrina segura de sempre, que nos
leva a conservar em nós a fé e a propagá-la.